Secretário de Kassab contrata empresa que emprega filha e constrói sua casa


Marcos Cintra concedeu direito de avaliar uso comercial de quarteirão no Itaim à incorporadora JHSF, de quem comprou lote em condomínio de luxo


O secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e do Trabalho, Marcos Cintra, é um dos principais entusiastas da venda de um terreno avaliado em até R$ 200 milhões no Itaim Bibi, na capital paulista, onde funcionam creches e outros serviços públicos. Para avaliar o terreno de 20 mil m², ele contratou a incorporadora JHSF – que também tem grande interesse em comprá-lo. Há, no entanto, duas grandes coincidências no negócio. A filha de Cintra, Luiza Cintra, trabalha na JHSF. Além disso, a empresa é responsável pelo empreendimento onde está sendo construída uma casa para Cintra, no interior de São Paulo.

Procurado pela reportagem, o secretário negou que haja qualquer tipo de conflito de interesses. “Qual é o problema? Eu comprei o primeiro lote em 2007 e o segundo em 2008. Minha filha trabalha na área de marketing (da JHSF) desde 2008. Não tem conflito de interesse porque tudo ocorreu anteriormente, antes de eu ser qualquer coisa na Prefeitura. São coisas distintas”, afirmou. Cintra foi indicado como secretário pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, em novembro de 2008.

A futura casa de campo de Cintra fica em um terreno de dois lotes duplos que totalizam uma área de 7.413,86 m² no condomínio Fazenda Boa Vista no município de Porto Feliz, a 100 km da capital. A área é duas vezes maior do que o terreno onde fica a mansão do deputado Paulo Maluf (PP-SP). Quando a casa do secretário ficar pronta, ele será vizinho de famílias como as do empresário Antônio Ermírio de Moraes, dono do Grupo Votorantim, e do banqueiro Roberto Setúbal, dono do Itaú.


O prefeito Kassab e o secretário Marcos Cintra, em foto de arquivo

O terreno do secretário está localizado entre um dos lagos do condomínio e a área de lazer infantil. Segundo relato de corretores ao iG, a casa terá dois andares para cima, dois para baixo e pode custar, junto com os lotes, até R$ 15 milhões. De acordo com Cintra, os lotes foram comprados por cerca de R$ 1,6 milhão. “Houve uma valorização enorme. Se hoje os lotes (junto com a casa) valem R$ 15 milhões, estou feliz da vida”, disse.

Embora a primeira compra tenha sido feita em 2007, os lotes ainda não constam no nome de Marcos Cintra na secretaria de Obras de Porto Feliz nem no Cartório de Registro de Imóveis do município, mas sim em nome do condomínio. “O que eu tenho é o compromisso da compra, em nome da Radio Press, das minhas filhas. Ainda não passei a escritura”, afirmou.


Com a atriz Eva Wilma, moradores se manifestaram contra venda de área do Itaim Bibi, em julho

Polêmica no Itaim

No Itaim Bibi, a portaria assinada por Cintra tem sido chamada de “portaria da JHSF”. Isso porque o documento daria, em tese, vantagem à incorporadora sobre seus concorrentes em uma futura licitação pública. Na tentativa de frear a venda, a associação de moradores do bairro entrou com uma ação questionando a comercialização do quarteirão, que possui diversos serviços públicos. “Como um secretário de Desenvolvimento coloca no Diário Oficial, abrindo o espaço para que incorporadoras apresentem projetos para a área e, no mesmo informativo, dá o nome da JHSF”, questiona o coordenador do SOS Itaim Bibi, Helcias de Pádua.

Para o secretário, a JHSF não será beneficiada por realizar o estudo. “Eles têm apenas uma autorização, a partir do Programa de Manifestação de Interesse, para fazer o projeto e doar para a Prefeitura. A JHSF não recebe dinheiro e a Prefeitura não deve nada. Depois, se a empresa quiser, ela vai participar da licitação. Todas as informações do estudo constam no edital da Prefeitura”, justificou.

Em março deste ano, quando a Prefeitura de São Paulo impetrou recurso contra o inquérito civil aberto no Ministério Público do Estado, interlocutores tentaram demover Cintra da ideia de vender o quarteirão. O secretário, entretanto, afirmou que o prefeito estaria “muito determinado” a vendê-lo. Segundo relatos desses interlocutores ao iG, Cintra afirmou que a decisão de Kassab “já foi tomada” e que o prefeito faria “questão da venda”. Em abril, o recurso foi negado e as investigações tiveram prosseguimento.

No dia 4 de agosto, a Justiça de São Paulo concedeu liminar suspendendo a venda da área, aprovada um mês antes pela Câmara por 36 votos a 15. A liminar foi concedida pelo juiz de direito Adriano Marcos Laroca, da 8ª Vara da Fazenda Pública, em ação popular movida pelo vereador Aurélio Miguel (PR), levando em consideração um processo de tombamento da área. Na próxima segunda-feira, o secretário irá ao conselho responsável pela análise sobre o tombamento, o Condephaat, para apresentar o projeto da Prefeitura.

Os dois inquéritos civis que estavam em andamento no MP, um na promotoria de Meio Ambiente e outro na de Patrimônio, foram unidos. Agora, em um só inquérito dois promotores, Valter Foleto Santin e Washington Luís de Assis, analisam tanto o prejuízo ao patrimônio público e social como o interesse público sob a ótica ambiental. O iG apurou, ainda, que os promotores estão reunindo mais documentos e estudam inclusive entrar com uma ação do próprio MP.


Foto: Divulgação / Site vereador Eliseu Gabriel - Quarteirão do Itaim Bibi que pode ser vendido

Dono de incorporadora

Em 2008, quando foi candidato a vereador, Cintra declarou à Justiça Eleitoral três imóveis na capital paulista, aplicações financeiras e créditos a receber provenientes da alienação de uma fazenda. Além de político, Cintra é economista e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, o valor total declarado foi de R$ 9,2 milhões. Cintra foi eleito, mas deixou o cargo para assumir a vaga de secretário na equipe do prefeito Gilberto Kassab.

Além dos bens declarados à Justiça Eleitoral, consta nos registros da Junta Comercial de São Paulo como sendo de Marcos Cintra uma incorporadora imobiliária. A Caval 2 Desenvolvimento Urbano foi criada em 2007, mesmo ano do lançamento da Fazenda Boa Vista.

Em 2010, o vereador licenciado pelo PR Marcos Cintra foi nomeado por Kassab membro do conselho administrativo da Companhia São Paulo de Desenvolvimento e Mobilização de Ativos (SPDA), empresa de economia mista. A SPDA é vinculada à Secretaria Municipal de Finanças e tem como objetivo captar recursos para projetos municipais e para o pagamento da dívida da cidade.

Em março deste ano, Cintra anunciou que se filiaria ao PSD de Kassab. Ele acompanhou o movimento de migração de outros sete vereadores da Câmara Municipal de São Paulo, que aderiram ao novo partido do prefeito, ainda em processo de obtenção do registro definitivo na Justiça Eleitoral.

Fonte: Nara Alves iG

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