Boa notícia: animais silvestres, pássaros incluídos,
estão reaparecendo por aí afora. Nestes tempos de crise ambiental,
alegra a alma saber que a vida selvagem consegue se acomodar no mundo
humano. Mostra que nem tudo está perdido.
Aos mais atentos surpreende verificar papagaios voando e fazendo
algazarras na capital paulista. Sem sotaque interiorano. O verde de sua
plumagem garante que os psitacídeos, incluindo os barulhentos
periquitos, encontram alimento, e locais de reprodução, entre o asfalto
da metrópole. No interior, maritaca começa a virar praga, danificando a
fiação nos telhados domésticos.
O Centro de Estudos Ornitológicos indica existirem 462 espécies de
aves habitando a selva paulistana de concreto. Ao contrário do que se
imaginava, passarinhos nativos de todos os tipos, como rolinhas, sabiás,
sanhaços, bentevis, sebinhos - também conhecidos pelo feio nome de
"caga-sebo" -, trocam de vida e adotam a cidade, nidificando nas árvores
das praças e nas frestas dos edifícios como se estivessem no mato que
abrigou seus antepassados. Enxotam os exóticos, e chatos, pardais e se
firmam na paisagem urbana. É fantástico.
Observadores de pássaros se encantam. E já perceberam o outro lado da
moeda: pressentindo comida fácil, surgem os terríveis predadores.
Gaviões carcarás, aqueles grandes, passaram a dominar certos edifícios
de onde, qual no topo da montanha, capturam suas presas com voos
certeiros no final da tarde. Aula de ecologia ao vivo nos céus poluídos
da capital!
Além dos pássaros, quem virou notícia, mesmo, foi a onça parda. O
felino amarronzado acaba de virar símbolo da biodiversidade paulistana,
em concurso realizado via internet pela Secretaria Municipal do Verde e
do Meio Ambiente. Também conhecida como suçuarana, ela caiu nas graças
dos internautas, que a elegeram, à frente de outros 14 bichos candidatos
à láurea, superando o simpático bentevi e o famoso sabiá-laranjeira,
cantores da natureza.
Ao contrário dos pássaros, porém, que repovoam há tempos a paisagem
urbana, nenhuma onça parda foi vista ainda andando pelas praças da
cidade de São Paulo. Mas lá no interior, cuidado, pois crescentemente
ela tem sido percebida nos capões de mato, nas pradarias ou entre
laranjais e canaviais próximos de remanescentes de vegetação nativa,
especialmente nas encostas de serra. Toca garantida.
Antigamente, a suçuarana desdobrava-se para abocanhar quatis, pacas,
catetos, tatus, filhotes de capivara, entre outras guloseimas
preferidas, fazendo funcionar a cadeia produtiva. Mas agora, na
modernidade da agricultura entremeada com a preservação ambiental, ficou
moleza se alimentar. Volta e meia, lá se vai uma galinha caipira ou um
manso bezerro recém-nascido, virando comida, nas garras inusitadas que
ressurgem. Azar do sitiante, sorte do meio ambiente.
Presente em todos os biomas brasileiros, dos mais quentes aos mais
frios, a grande vantagem da onça parda reside em sua capacidade de
adaptação aos diferentes ecossistemas e ambientes. Por isso é encontrada
desde os pampas gaúchos até a caatinga nordestina. Fenômeno semelhante
de ambientação ocorre com as aves, há tempo descrito por Dalgas Frisch,
ornitólogo e escritor que primeiro estudou e divulgou o retorno dos
pássaros a São Paulo.
É sabido que a devastação da natureza causa muitas tragédias,
ameaçando de extinção os animais silvestres. Duas são as razões básicas:
primeiro, a influência deletéria dos agentes contaminantes trazidos
pela poluição, incluindo os agrotóxicos; segundo, a notória supressão
dos hábitats naturais, que representam a moradia, e o almoço, da
bicharada. O resultado aparece na lista dos animais ameaçados de
extinção no Estado de São Paulo, que contém 436 espécies e subespécies,
cerca de 17% do total de vertebrados conhecidos por aqui.
Atualizada em 2008, a listagem - elaborada sob a coordenação da
Fundação Parque Zoológico de São Paulo - trazia uma boa menção que,
entretanto, permaneceu obscura na mídia. Tratava-se da preservação do
mico-leão-preto, espécie de macaquinho existente apenas nos
remanescentes paulistas da floresta atlântica entranhada lá no oeste,
próximo do Rio Paraná. O encantador símio deixou de estar "criticamente
em perigo" e, graças aos esforços de conservação, melhorou sua condição
de sobrevivência para a categoria "em perigo". Quem quiser pode conferir
lá no Parque Estadual Morro do Diabo, que, a despeito do nome feio,
parece uma dádiva divina.
Outro dia, aguardando o embarque na balsa que leva à Ilhabela, fui
saudado por um canário da terra, bem amarelinho, que, pousado na fiação
elétrica, trinava alto seu canto. Desde minha meninice, vivenciada na
Fazenda Santa Clementina, em Araras, eu me apaixono pelos passarinhos,
com quem busco conversar em minha intimidade. Com eles primeiro aprendi
que a natureza precisa e gosta de ser ajudada.
Muitas ações conservacionistas, bem executadas, reconstroem uma
espécie de "segunda natureza", que, embora modificada, conduz a razoável
harmonia entre a civilização e o meio ambiente. Os pássaros atestam
isso. Pena que algumas espécies, mais delicadas, a exemplo do
pintassilgo ou do curió, não sobrevivam nos jardins da Paulistânia. Que
pena.
Manter espaços com florestas nativas ajuda a entender nossa origem.
Soa impensável, porém, ao ser humano viver como no tempo das cavernas.
Por outro lado, é insano imaginar que a supremacia, para não dizer
arrogância, humana leve ao aniquilamento da biodiversidade. Há caminhos
de convivência mútua.
Preste atenção ao canto dos pássaros. Misturados ao barulho urbano,
eles rogam por simples gestos de generosidade. Quando, infelizmente, não
disfarçam a sua tristeza aprisionados numa gaiola.
AGRÔNOMO, FOI SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO. E-MAIL: XICOGRAZIANO@TERRA.COM.BR
Fonte: O Estado de S. Paulo
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