A cada eleição é assim: um candidato elege-se
parlamentar com um número inacreditável de votos. Graças à confusa
legislação eleitoral, leva consigo nomes pouco votados para o
Parlamento. Gente bem votada reclama que não foi eleita, embora
ostentando mais sufrágios que os vencedores. O povo não entende o
mecanismo que gera essa situação. Surgem os protestos e o sistema
proporcional é posto em xeque.
Enéas Carneiro, anos atrás, tornou viável que personagens
desconhecidos tivessem assento na Câmara dos Deputados. Desta vez foi
Francisco Everardo Oliveira Silva, o palhaço Tiririca, cuja avassaladora
votação permitiu a eleição de candidatos até conhecidos, mas que não se
elegeriam apenas com os sufrágios próprios. A ideia que se fixou foi a
de que políticos sem voto usaram um artista para atrair o eleitorado,
enganando-o. Usaram as regras do jogo eleitoral para alcançar um
resultado politicamente fraudulento.
Apesar disso, o mecanismo de eleição proporcional, consagrado pela
Constituição de 1988, é bom. Baseia-se na premissa de que as diversas
correntes de pensamento têm o direito de participar da composição dos
Parlamentos. Quando calibrado, tende a fortalecer os partidos.
O sistema distrital, apontado como alternativa ao proporcional, é, a
rigor, um modo majoritário de escolha. Se adotado, nas atuais
circunscrições - os Estados e os Municípios - seriam feitos cortes que
traduziriam as frações correspondentes aos distritos. Estes seriam
tantos quantas fossem as cadeiras para o Legislativo. Neles o candidato
mais votado seria eleito e representaria a comunidade respectiva. Em tal
mecânica, os políticos pesam mais que os seus grêmios partidários.
É um modo interessante de seleção das cadeiras, aparentemente
simples. Tem, todavia, as suas objeções. O corte dos distritos seria uma
operação que exigiria remanejamento a cada censo populacional, já que
as proporções de eleitores dentro de uma mesma cidade ou de um mesmo
Estado variariam conforme a mobilidade e o crescimento demográficos. O
risco de tal engenharia produzir distorções é grande. O desenho
distrital poderia ser deliberadamente manipulado (gerrymandering).
Além disso, a má distribuição de cadeiras, já evidente, seria
acentuada. Um distrito em São Paulo deixaria ainda mais óbvia a sua
desproporção em relação à dimensão de um equivalente em Roraima
(malapportionment).
Imagine-se, ainda, que num determinado Estado, que elege oito
deputados federais, um partido tenha 35% do eleitorado. Isso o faria ter
direito a pelo menos duas cadeiras, no sistema proporcional. Nos
distritos, no entanto, uma média de tal ordem poderia importar em
derrota em todos eles.
Ademais, o debate nas eleições majoritárias tende a levar em
consideração temas locais. Teses transcendentes de fronteiras regionais -
como as de interesse de negros, índios, homossexuais, mulheres,
aposentados, etc. - poderiam ficar sem representação, porque os votos
distribuídos territorialmente, muitas vezes, não fariam as maiorias
distritais.
Diante de tais críticas, alguns defendem o sistema distrital misto,
praticado na Alemanha e no México. Uma metade dos eleitos seria
escolhida majoritariamente e a outra, proporcionalmente. A opção,
todavia, antes de solucionar, agravaria o problema. O pior de ambas as
técnicas seria juntado.
Em razão de se disponibilizar metade das vagas para a eleição
majoritária, os distritos teriam de ser grandes - o que elevaria o custo
das campanhas, contrariando uma das principais bandeiras dos defensores
do sistema distrital. De outro lado, a possibilidade de as minorias
obterem representação diminuiria. Com metade das vagas disponíveis,
seria mais difícil alcançar uma delas.
Tudo isso sem contar que, nas alternativas pensadas, a Constituição
teria de ser alterada. A curto prazo, portanto, a manutenção do sistema
proporcional impõe-se no Brasil.
Então, por que não aprimorá-lo? Antes de se pensar em listas
fechadas, que retiram do eleitor a chance de escolher diretamente o seu
representante, há coisas mais simples a cogitar. A extinção das
coligações proporcionais, por exemplo. Ela pode ser feita mediante
alteração legislativa ordinária. Ajudaria a diminuir a gravidade das
mazelas do sistema político brasileiro.
De fato, embora referidas na Constituição, as coligações podem ser
interpretadas como necessariamente majoritárias. Estas, sim, fazem
sentido. Formar maioria exige alianças. As coligações proporcionais não
têm nenhuma razão de ser. Sobretudo agora, depois de o Supremo Tribunal
Federal (STF) determinar que o suplente do partido deve ser chamado a
ocupar o assento do parlamentar que renunciou ou que foi convocado para
um cargo público. A sucessão e a substituição dessa cadeira pertenciam à
coligação, mas o STF mudou tal diretriz. Agora o mandato é sempre do
partido.
A coligação proporcional é um artifício eleitoral insustentável
racionalmente. Existe somente para as eleições. Em nada ajuda na
governabilidade ou na sustentabilidade democrática. Sua extinção
depuraria o sistema político brasileiro. Seria o fim das legendas de
aluguel, desprovidas de conteúdo ideológico, que servem, basicamente,
para majorar o tempo de rádio e TV para os partidos maiores e para
albergar candidatos que só têm viabilidade no regime de coligações, pois
não representam proposta alguma.
A extinção da coligação proporcional simplifica a lista dos
beneficiários de cada voto. Sem coligações, o eleitor passa a votar num
time que ele pode identificar. Será mais fácil ele perceber que, votando
num Enéas ou Tiririca, corre o risco de eleger um colega de partido
dele. Seria um progresso nada desprezível.
ADVOGADO ESPECIALISTA EM DIREITO ELEITORAL, É MEMBRO DA COMISSÃO DO SENADO FEDERAL PARA A
ELABORAÇÃO DO ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO ELEITORAL
ELABORAÇÃO DO ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO ELEITORAL
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