Ao deixar para o último dia de seu mandato a decisão de
não extraditar o criminoso italiano Cesare Battisti, imaginando que as
inevitáveis reações negativas de todos os países que repudiam o
terrorismo fossem neutralizadas pelo clima de confraternização das
festas de fim de ano, o ex-presidente Lula agravou um problema jurídico,
institucional e diplomático que começou há dois anos, por causa de uma
desastrada iniciativa do então ministro da Justiça, Tarso Genro. E legou
uma crise a Dilma Rousseff.
Condenado à prisão perpétua pela Justiça italiana como delinquente
comum, por ter assassinado quatro pessoas, Battisti alegou que as mortes
teriam motivação ideológica e se apresentou como ativista político. E,
depois de se esconder na França, tendo sido julgado à revelia, fugiu
para o Brasil, o que levou o governo italiano a pedir sua extradição.
Embora o pedido tenha sido negado pelo Comitê Nacional para os
Refugiados, órgão do Ministério da Justiça, e a Procuradoria-Geral da
República tenha emitido um parecer taxativo, recomendando a extradição
do criminoso italiano, Genro comprou a tese de que ele era militante
político, prometeu conceder o status de refugiado e, numa atitude sem
precedentes, ainda criticou a Justiça italiana.
Classificando a iniciativa de Genro como "grave e ofensiva", o
Ministério de Assuntos Estrangeiros da Itália divulgou nota manifestando
a "indignação de todas as forças políticas parlamentares, assim como da
opinião pública italiana e dos familiares das vítimas dos crimes
praticados por Battisti". Além de convocar o embaixador brasileiro em
Roma, o governo italiano entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal
(STF). Genro alegou que Battisti "pode não ter tido direito à própria
defesa, já que foi condenado à revelia" - o que foi refutado pela
chancelaria italiana. Ela lembrou que a Itália vive uma plena democracia
desde o fim da 2.ª Guerra Mundial e acusou o Brasil de contrariar
acordos internacionais de cooperação no combate ao terror.
As tensões aumentaram durante o julgamento do recurso do governo
italiano, pelo STF. Em novembro de 2009, a Corte decidiu - por 5 votos
contra 4 - que Battisti deveria ser extraditado. Mas, ao julgar uma
questão de ordem, ela entendeu que a palavra final caberia ao presidente
da República, que poderia extraditá-lo ou mantê-lo no Brasil. Alegando
que a decisão era confusa, os advogados do governo italiano entraram com
pedido de esclarecimento, perguntando ao STF se Lula teria liberdade
total para decidir ou se seria obrigado a levar em conta o tratado de
extradição firmado pelo Brasil com a Itália, em 1989.
Como em momento algum esse tratado fora invocado durante o
julgamento, o "esclarecimento" acabou abrindo brechas para que os
advogados do governo italiano entrem com novos recursos. Por isso, Lula
adiou ao máximo o anúncio de uma decisão há muito tomada. Para não
desautorizar Genro, desde o início ele deixou claro que concederia asilo
a Battisti. Mas, para evitar desgastes políticos e preocupado com os
recursos que o governo italiano pode impetrar no STF, pediu um parecer à
Advocacia-Geral da União (AGU) e adiou o anúncio da decisão até o
último momento.
Isso deixou a AGU numa posição difícil, uma vez que - como advertem
os especialistas em direito constitucional, penal e internacional -, do
ponto de vista jurídico, o presidente da República não pode, neste caso,
tomar uma decisão que contrarie acordos internacionais. E, se a decisão
for fundada apenas em razões políticas, o STF poderá anulá-la - como
admitiu o ministro Cezar Peluso, em recente entrevista ao Estado. Como
era de esperar, a AGU preparou um parecer político com roupagem
jurídica, dando a Lula a justificativa "técnica" de que precisava para
decidir em favor de Battisti.
O problema, no entanto, continua sem solução. Como do ponto de vista
formal a libertação do criminoso italiano depende de um alvará do STF,
vários ministros da Corte teriam pedido a Peluso que não o expeça e que
submeta a decisão presidencial a exame do plenário. Como o STF só irá se
reunir em fevereiro, Lula assistirá ao desfecho do caso a distância.
Caberá a Dilma Rousseff enfrentar um imbróglio jurídico, institucional e
diplomático cujo desfecho é imprevisível e que lhe pode acarretar
enorme custo político no início de seu mandato.
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