Limites e mito da internet - Editorial do O Globo



Em um dos pontos altos da programação da Campus Party, uma espécie de happening de aficcionados por tecnologia realizado em São Paulo, o ex-vice-presidente americano Al Gore e Tim Berners-Lee, criador da rede mundial de computadores — a World Wide Web, www —, demonstraram preocupação com as tentativas de controle da internet, por governos ou corporações empresariais.

De fato, se existe algo incompatível com qualquer tipo de cerceamento é a rede de computadores, a ser preservada de todo tipo de repressão ao direito universal à livre expressão — o que não pode ser entendido como garantia de impunidade. A internet, como a imprensa, precisa ser um espaço livre a opiniões e informações, respeitados os limites legais e éticos.
Mas há outros perigos na internet, além dos citados por Gore, Prêmio Nobel da Paz em 2007, por sua militância ambiental, e Berners-Lee. Estes riscos existem de dentro para fora da rede de computadores, não são uma ameaça a ela em si. Trata-se do mau uso que tem sido feito deste poderoso instrumento de comunicação, de difusão de informações, capaz de remodelar até mesmo a forma de se trabalhar em qualquer campo de atividade.
O bielorusso Evgeny Morozov, professor da universidade americana de Stanford, chama a atenção para os limites da internet. Autor de “The net delusion”, algo como “A ilusão da rede”, Morozov coloca o dedo num ponto nevrálgico: “A internet não faz mágica. Não podemos simplesmente assumir que acesso à tecnologia vai transformar a sociedade”, declarou em entrevista ao GLOBO.
O fato de haver um instrumento de fácil acesso a informações, de propagação de texto, som e imagem, não significa que ele necessariamente estimulará as liberdades e a democratização dos regimes políticos na Terra. Pode ser o contrário, a depender do caso.
Se a internet é ferramenta eficiente em prol da democracia, também pode ser usada em sentido oposto, por regimes fechados, por grupos autoritários em defesa de seu projeto político. Serve de prova o manejo da rede em campanhas eleitorais, quando tem sido utilizada na difamação de candidatos e instituições.
Evgeny Morozov, na entrevista, chamou a atenção da iniciativa do Wikileaks de procurar grandes jornais no mundo para lhes entregar os milhares de informes diplomáticos secretos vazados do Departamento de Estado americano.
Fica evidente que, diante da “anarquia” reinante na rede mundial de computadores, cada vez mais ganha importância a credibilidade de quem veicula a informação, para que ela possa ser aceita.
Comentário do professor: “É tão irônico como ver gurus da internet falando sobre o poder de blogs e rede sociais usando livros...” Eis por que é uma aposta equivocada achar que as editoras de jornais e revistas desaparecerão devido à revolução digital.
Não se deve esquecer que os grupos de comunicação “tradicionais” não param de se expandir neste novo universo eletrônico. E com a grande vantagem de terem construído sólida credibilidade, moeda inexistente no vertiginoso mundo da internet.
A rede não é mesmo milagrosa, apenas uma ferramenta de comunicação de grande eficácia. Para o bem e o mal.

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