Em 16 veículos, sem-terra invadem fazenda Guarani, em Presidente Bernardes; no total, 34 propriedades foram ocupadas só em janeiro
Sem-terra iniciam montagem de acampamento na fazenda Guarani, no Pontal
O capataz Carlos Eduardo dos Santos, de 30 anos, estava no curral
ordenhando uma vaca girolanda quando avistou o comboio de carros, motos e
kombis avançando pasto adentro, às 7h50 deste domingo,, em Presidente
Bernardes, no Pontal do Paranapanema, extremo oeste do Estado de São
Paulo. Ao ver as bandeiras vermelhas içadas sobre os carros, interrompeu
o serviço, pegou o balde de leite e gritou para a esposa: "Bem, ligue
para o patrão e avise que o MST está aí de novo."
A fazenda Guarani, é uma das 31 propriedades rurais invadidas ou
bloqueadas por acampamentos na região durante o final de semana pelo
grupo do Movimento dos Sem-Terra (MST) liderado por José Rainha Júnior.
Em todo o "janeiro quente", a jornada do movimento para cobrar a reforma
agrária invadiu 34 áreas e três repartições públicas.
A reportagem flagrou a invasão da Guarani. O comboio com 16 veículos -
carros, motos e peruas - e 50 pessoas partiu do acampamento Zé Maria,
pegou a SP-563 e se deslocou até a porteira
da propriedade. Os sem-terra arrebentaram o cadeado para abrir o
portão. Dois quilômetros à frente, sob algumas árvores, o comboio parou e
tudo o que havia dentro e sobre os carros - bambus, arames, lonas,
colchões, panelas, garrafas PET e até barracas de montar - foi posto
sobre o capim. Um grupo muniu-se de enxadões e cavadeiras e começou a
montar os barracos. Outro improvisou um fogão para preparar a comida. O
gado, assustado, correu para o outro lado do pasto.
O coordenador Cícero Bezerra de Lima começou a distribuir tarefas.
Ele disse que a fazenda tem cerca de 500 hectares e já foi considerada
devoluta pela Justiça. "Está em processo de desapropriação, mas a demora
é grande. Dá para assentar umas 30 famílias aqui." O sem-terra Hélio de
Souza, de 60 anos, e sua mulher Maurize, de 58, erguiam o seu barraco
de lona preta sobre uma estrutura de bambus. Ele contou que o casal vive
em acampamentos desde março de 2003. "A gente não conseguia mais pagar
aluguel."
As irmãs Elisângela Júlio dos Santos, de 27 anos, e Juliana, de 21,
foram incumbidas de vigiar a porteira. Uma inovação, já que a tarefa é
usualmente confiada a homens de aparência truculenta. "É a vez das
mulheres, não vê a Dilma presidente?", justificou Juliana, sem-terra que
já fez curso de modelo.
Elisângela conta que os pais são assentados ali perto, no
assentamento São Jorge, há 14 anos. Na mesma casa, além do casal, moram
seis filhos adultos e oito crianças. "Quatro são meus filhos e agora
estamos lutando para termos o nosso cantinho."
Duas viaturas da Polícia Militar chegaram uma hora depois da invasão.
Os policiais anotaram as placas dos veículos e pediram os documentos
dos invasores, mas ninguém entregou, alegando que não os portavam. Os
nomes que forneceram foram anotados.
O capataz disse que, para o dono da fazenda, Nilson Rigas Vitalle, já
tinha virado rotina registrar boletim de ocorrência e entrar na Justiça
com pedido de reintegração de posse. "Estou aqui há 11 anos e perdi a
conta de quantas invasões foram, sei que mais de dez." Mesmo assim,
fazenda continua produtiva, segundo ele. "São 800 bois em engorda."
Santos disse que, em algumas ocasiões, os sem-terra foram violentos e
fizeram estrago, mas não quis dar detalhes. "À noite, quem fica aqui com
eles sou eu e minha família."
Rainha disse ter mobilizado mais de 5.000 pessoas para a onda de
invasões. Pela sua contabilidade, em oito das 31 áreas, os sem-terra
acamparam do lado de fora, sem consumar a invasão. Foi o que ocorreu na
vicinal de acesso à usina Alcídia, do grupo ETH, em Teodoro Sampaio.
Era ali que as amigas Rosineide do Espírito Santo, de 40 anos, e
Cláudia Rodrigues Oliveira, de 35, iniciavam sua vida de sem-terra. As
duas trabalham como faxineiras na cidade e diaristas no campo e querem
um lote para melhorar de vida. "Depois que foi assentada, minha irmã
passou a ter tanta fartura que até tem condições de hospedar um parente
que chega", disse Rosineide, exibindo uma camisa com o nome do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Eu votei na (Dilma) Rousseff",
disse, sobre a nova presidente.
Para o presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antonio
Nabhan Garcia, os números divulgados pelo MST estão superfaturados. "Tem
fazenda que eles disseram ter invadido, mas o dono me disse que ninguém
entrou, nem está acampado." Para Rainha, há casos em que o proprietário
demora a ficar sabendo da invasão. "Muitos estão na praia, de férias."
A Polícia Militar não tinha, até a tarde deste domingo, 16, dados
sobre todas as ações. No Pontal e na Alta Paulista, os comandos
regionais contabilizavam 12 invasões, mas o levantamento na região de
Araçatuba deve ser divulgado hoje. As primeiras reintegrações de posse
para a retirada dos invasores foram dadas ontem para donos de fazendas
em Monte Castelo, Rinópolis, Iacri e Tupã, na Alta Paulista. Rainha
disse que os sem-terra vão cumprir as ordens judiciais.
Fonte: José Maria Tomazela - O Estado S.Paulo
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