Muita gente confunde as orquídeas com parasitas. Mas não
tem nada que ver. As parasitas vivem à custa de seus hospedeiros, neles
introduzindo suas raízes para lhes sugar a seiva. Esse fenômeno,
próprio das chamadas ervas más, não ocorre com as orquídeas. Elas
simplesmente "moram" sobre as árvores.
Epífita: assim se denomina botanicamente a sua situação. Embora
existam espécies terrestres, normalmente as orquídeas se apresentam
longe do chão, estabelecendo uma associação sadia com as árvores,
agarrando-se aos galhos com suas grossas raízes, sem prejudicar ninguém.
Lá em cima, buscam luz sombreada e aproveitam-se da água e dos
nutrientes que encontram nas cascas da parceira, cheias de materiais em
decomposição, enriquecidos com a poeira trazida pelos ventos. Vivem numa
boa, sem atrapalhar ninguém.
As flores de orquídeas encantam a humanidade há milênios. Surgidas há
84 milhões de anos, as orquídeas espalharam-se pelo mundo, inexistindo
apenas na Antártida. Dizem que Confúcio, o grande filósofo oriental, por
elas se interessou, indicando que foram os chineses os primeiros a
destacá-las em sua cultura ornamental. Na Europa, os gregos primeiro a
admiraram, curiosamente denominando-a orchis, palavra que significa
"testículos". Supõe-se a estranha denominação pela semelhança de uma
espécie de orquídea, descrita na época por Teofrasto de Lesbos, como
ostentando dois pequenos tubérculos subterrâneos. Acabou confundida,
simbolicamente, com a virilidade.
Colecionadores e aficionados sempre zelaram pelas orquídeas de forma
amadora, pouco comercial. Seu cultivo exige estufas adequadas, nas quais
se busca reproduzir o microclima - umidade e luz - das matas onde se
escondem. Outra razão é seu restrito florescimento, verificado apenas
uma vez ao ano. Lindas e raras, assim sempre foram consideradas as
orquídeas.
Há muitas décadas, porém, essa história começou a mudar. Tudo se
iniciou com a descoberta do processo de hibridação vegetal, por meio do
qual se realiza, em laboratório, o cruzamento de duas espécies nativas
de orquídeas, gerando um descendente inusitado. No Brasil, somente por
volta de 1950 a técnica começou a ser pioneiramente aplicada por um
médico mineiro, o dr Alberto Carlos Pereira Junior, de Guaxupé.
Professor de Biologia e apaixonado por essas maravilhosas flores,
após anos de tentativas e erros promovendo a germinação das minúsculas
sementinhas das orquídeas cruzadas no laboratório doméstico, onde
aprimorava sua docência em Biologia, a hibridação ganhou seu lado
comercial nos viveiros Rinaldi, destacado floricultor paulista de então.
Quem testemunhou a história foi Tonico Pereira, seu filho jornalista.
O aprimoramento das variedades ganhou impulso decidido quando, mais
tarde, os pesquisadores descobriram o uso da clonagem na reprodução das
plantas. Isso foi fundamental porque normalmente os híbridos são
estéreis, ou seja, não se reproduzem sexuadamente. Então, por meio da
clonagem, consegue-se produzir milhares de idênticos descendentes da
planta escolhida. Eles surgem a partir do meristema, ou gema de
crescimento, aquela bolotinha que se observa na base dos bulbos das
orquídeas. Dê uma olhada.
Estima-se que atualmente se cultivem 100 mil híbridos de orquídeas no
mundo, inscritos obrigatoriamente na Royal Horticultural Society, em
Londres. É para lá que acaba de ser enviada a solicitação do registro da
Rhynchosophrocattleya Ruth Cardoso, uma deslumbrante orquídea
desenvolvida pelo desembargador e orquidófilo paulista Damásio de Jesus.
Com flores amarelas e um pequeno detalhe vermelho no labelo, a nova
orquídea foi apresentada na inauguração do Orquidário Ruth Cardoso,
situado ali no Parque Villa Lobos, na capital paulista. Obra dos
arquitetos Décio Tozzi e André Graziano, o caprichado orquidário é único
no mundo.
Única e especial também foi Ruth Vilaça Corrêa Leite, nascida em
Araraquara, no interior de São Paulo, no início da primavera de 1930. O
Brasil jamais se esquecerá da simpática primeira-dama que odiava
bajulação, preferindo ostentar sapiência.
Antropóloga, professora universitária (na USP), sua trajetória de
vida combinou ensino e pesquisa com liderança na sociedade civil. A
defesa dos direitos das mulheres e dos jovens, o fortalecimento da
democracia, a construção de uma ordem mundial mais justa foram os
principais campos de atuação de Ruth Cardoso em prol do desenvolvimento e
da paz social.
Durante o mandato presidencial de seu marido, Fernando Henrique
Cardoso, Ruth fundou e presidiu o Conselho da Comunidade Solidária. A
iniciativa mobilizou parcerias entre ONGs, universidades, empresas e
governos para a construção e a difusão de programas sociais inovadores.
Contra o clientelismo político, a favor da emancipação humana.
Intelectual famosa, jamais perdeu o jeito simples de viver. Gostava
de cozinhar, adorava quitutes, colecionava vidraria, fazia amizades,
adorava plantas e flores. Ruth Cardoso foi, realmente, exemplar.
Para ela escrevi um singelo poema, tristemente inspirado no dia de
seu falecimento, quando me ocorreu homenageá-la sugerindo ao governo
construir o orquidário que hoje leva seu nome, um local de exposição das
mais belas flores que existem.
"Sobre sua lápide repousava uma enorme flor de cattleya. Quem ali a
colocou para espantar a tristeza da morte sabia de sehttp://draft.blogger.com/post-create.g?blogID=3841713992243592438u gosto pela vida.
Meiga, singela, cultivava o hábito das pessoas simples do interior.
Intelectual, professora, curtia a existência com graça e ternura, sempre
acompanhada pelas flores, as orquídeas em especial. Era o que eu mais
pensava naquele momento dolorido: Ruth Cardoso era uma flor de pessoa."
AGRÔNOMO, FOI SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO. E-MAIL: XICO@XICOGRAZIANO.COM.BR
Fonte: O Estado de S.Paulo
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