Está chegando o ano-novo. Dizem que o tempo passa
rápido. É verdade. Por ser curta a existência, ele voa na cabeça das
pessoas. Na agenda da Terra, porém, funciona outra escala. Milenar.
Basta saber que os fósseis mais antigos de animais vertebrados datam
de 530 milhões de anos. Três extinções em massa das espécies ocorreram,
quase aniquilando a vida na Terra, até surgirem os primeiros
dinossauros, há 230 milhões de anos. Esses bichões encouraçados
dominaram o planeta, mas acabaram extintos, possivelmente por causa do
impacto de um asteroide. Começou, em seguida, há 65 milhões de anos, a
era dos mamíferos.
Façam as contas: o Homo sapiens surgiu há, apenas, 190 mil anos! Com o
fim da última era glacial brotou a agricultura, permitindo ao
sedentarismo humano substituir o nomadismo tribal. Somente então os
povos assumiram, verdadeiramente, as rédeas de sua sobrevivência. A
História, portanto, no sentido de ser a narrativa documentada da
humanidade, mal ultrapassa 10 mil anos.
Na régua planetária, ou seja, na evolução do mundo, um ano ou mesmo
décadas contam pouca coisa. Os processos de mudança na natureza são
longos, em geral imperceptíveis aos seres humanos, que tendem a
raciocinar com a mente impregnada pelas lembranças do passado recente.
Demora a assentar a poeira do tempo.
"A História me absolverá", discursou o jovem Fidel Castro,
defendendo-se contra a tirania de Fulgêncio Batista, naquela Cuba de
1953. Acreditava o líder revolucionário que seu julgamento no tribunal
seria modificado com o passar dos anos. Estava certo. Em 1959,
juntamente com Che Guevara, ele tomou o poder na ilha e virou herói. Mas
a democracia que defendeu com tanto ardor cedeu lugar à ditadura
cubana, que até hoje persiste. Paradoxo.
É complexa e tortuosa a História humana. Já os assuntos da natureza
seguem leis biológicas e físico-químicas mais precisas, conhecidas pela
ciência. Mesmo assim, sempre pairam dúvidas. Meu avô Zé Baptistella
afirmava que a cada década vivida ele percebia uma demora na chegada das
chuvas, obrigando os agricultores a atrasarem a semeadura do milho.
Será verdade?!
Cresce a previsibilidade dos modelos utilizados na agenda recente das
mudanças do clima. Sim, incertezas ainda persistem, afinal, somente nas
últimas duas décadas os cientistas andaram descobrindo o complexo
fenômeno do aquecimento global. Mas que ninguém duvide: o clima na
Terra, desde a sua origem, muda constantemente, e nós estamos sofrendo
esse processo. A civilização humana parece sempre estar despreparada
para enfrentá-lo.
Vejam só: o derretimento das geleiras ocasionará uma subida no nível
dos oceanos. As cidades litorâneas serão fortemente afetadas até o final
deste século. Milhões de pessoas terão de se mudar, prédios enormes
ruirão. Não se trata de "terrorismo ecológico". Você sabia que há 20 mil
anos, período nem tão distante assim, os oceanos estavam 130 metros
abaixo de hoje?
Visão de longo prazo não é comum na sociedade. Líderes sábios ou
governos visionários são raros. Os desafios, as angústias e as
mesquinharias do cotidiano turvam o olhar para a frente, impedindo os
grupos sociais e políticos de tomarem decisões arrojadas no presente,
necessárias para assegurar o futuro. Estratégias de longo prazo
curvam-se ao imediatismo das pessoas. Olho no umbigo.
O passado está cheio de exemplos mostrando que certas civilizações
sucumbiram, enquanto outras prosperaram, dependendo das decisões
desastrosas, ou virtuosas, tomadas pela sociedade da época.
Idiossincrasias das lideranças, entorpecimento religioso, jogo do poder,
vários motivos podem causar dificuldades para identificar e resolver,
na ocasião correta, os sérios problemas causados pelo crescimento humano
ante seus hábitats.
Pegue-se o caso da civilização maia. Seu colapso, ocorrido há mais de
um milênio, ilustra, tristemente, a tragédia do tempo perdido. Os povos
maias iniciaram seu período clássico por volta de 250 d. C., atingindo o
auge em 500 anos. Depois, declinaram. Estima-se em 5 milhões de pessoas
a população maia em seu apogeu. Na chegada dos espanhóis havia apenas
30 mil almas remanescentes.
A antiga sociedade brilhou em vasta extensão entre a Guatemala e o
México, sendo composta por vários reinos e cidades-sede. Sua
agricultura, preponderantemente o cultivo de milho e feijão, era
itinerante e totalmente manual. A razão básica de sua derrocada se
assenta na insuportável agressão ambiental causada pelo desmatamento
contínuo do território, caracterizado por solos frágeis e acentuada
deficiência hídrica. Crescia a população, caía a produtividade da terra,
reduzindo a segurança alimentar. Insustentável.
A gigantesca ameaça parecia distante para reis e nobres, que
enriqueciam, guerreavam e erguiam suntuosos templos na disputa de sua
grandeza. Suas luxúrias os impediram de ver o desastre secular se
aproximando. Três secas pronunciadas colocaram a pá de cal na
civilização maia.
Sob o patrocínio da ONU, a crise ambiental planetária acaba de ser
discutida em Cancún, no mesmo país que conheceu a falência
pré-colombiana. Não sei se eles ligaram uma coisa à outra. Mas tem tudo
que ver. Os maias, incapazes de prever seu trágico futuro, foram
imprevidentes na relação com a natureza. Ao destruí-la, eliminaram-se a
si próprios.
"O passado é uma lição para o presente", escreve Jared Diamond em seu
magnífico livro Colapso. Hoje, a sociedade globalizada enfrenta seu
maior desafio ambiental sem conseguir imaginar como estará, sequer, em
2100. Um século passa rápido. E poderá ser decisivo para o futuro da
civilização humana.
Bom ano-novo!
AGRÔNOMO, FOI SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO. E-MAIL:
XICO@XICOGRAZIANO.COM.BR
XICO@XICOGRAZIANO.COM.BR
Fonte: O Estado de S.Paulo
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