O Estado de S.Paulo
Fiel a seu costume de contar a história à sua maneira,
sem o mínimo compromisso com os fatos e a verdade, o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva mais uma vez falou sobre a "herança maldita"
recebida em 2003, ao iniciar seu primeiro mandato. Desta vez, o rosário
de inverdades foi desfiado perante o Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social. O evento foi uma das várias despedidas programadas
pelo presidente para este mês. De novo ele falou sobre o País quebrado e
sobre o mau estado da economia no momento da transição do governo. De
novo ele se entregou a uma de suas atividades prediletas, a autolouvação
despudorada, atribuindo a si e a seu governo a inauguração de uma
economia com fundamentos sólidos, estabilidade e previsibilidade. As
pessoas informadas e capazes de discernimento conhecem os fatos, mas
talvez valha a pena recordá-los mais uma vez, para benefício dos mais
jovens e dos vitimados pela propaganda petista.
A primeira informação escamoteada pelo presidente Lula e pela
companheirada é a origem da crise inflacionária e cambial de 2002. Os
problemas surgiram quando as pesquisas mostraram o crescimento da
candidatura petista. Não surgiram do nada e muito menos de uma perversa
maquinação dos adversários. Os mercados simplesmente reagiram às
insistentes ameaças, costumeiras no discurso petista, de calote na
dívida pública e de outras lambanças na política econômica. Figuras
importantes do partido haviam apoiado um irresponsável plebiscito sobre a
dívida e mais de uma vez haviam proposto uma "renegociação" dos
compromissos do Tesouro.
Tinha sólidos motivos quem decidiu fugir do risco proclamado pelos
próprios petistas. A especulação cambial e a instabilidade de preços
foram o resultado natural desses temores. A Carta ao Povo Brasileiro,
com promessas de seriedade, foi o reconhecimento do vínculo entre a
insegurança dos mercados e as bandeiras petistas.
Essas bandeiras não foram inventadas pelas fantasmagóricas elites
citadas pelo presidente nas perorações mais furiosas. São componentes de
uma longa história. Petistas apoiaram algumas das piores decisões
econômicas dos últimos 30 anos. Uma de suas figuras mais notórias
aplaudiu entre lágrimas uma das mais desastradas experiências dos anos
80, o congelamento de preços do Plano Cruzado. Nenhum petista ensaiou
uma discussão séria quando os erros se tornaram mais que evidentes e o
plano começou a esboroar-se.
Naquele período, como nos anos seguintes, petistas continuaram
pregando o calote da dívida externa. Ao mesmo tempo, torpedearam todas
as tentativas importantes de reordenação política e econômica e
resistiram a assinar a Constituição.
O PT combateu as inovações do Plano Real. Foi contra a desindexação
de preços e salários. Resistiu ao saneamento das finanças estaduais e
municipais. Combateu - como já vinha combatendo - a privatização de
velhas estatais, mesmo quando não havia a mínima razão estratégica para
manter aquelas empresas sob o controle do Tesouro. Criticou a Lei de
Responsabilidade Fiscal e atacou todas as iniciativas de ajuste das
contas públicas.
A economia foi retirada do caos e seus fundamentos foram consertados,
nos anos 90, contra a vontade do PT. O saneamento e a privatização de
bancos estaduais permitiram o resgate da política monetária. Graças a
isso foi possível, em 2003, conter o surto inflacionário em poucos
meses. O Banco Central simplesmente manejou ferramentas forjadas na
administração anterior.
Todos os princípios e instrumentos de política econômica essenciais à
estabilidade nos últimos oito anos são componentes dessa herança mais
que bendita. Se os tivesse abandonado há mais tempo, o governo Lula
teria sido não só um fracasso, mas um desastre. Mas a fidelidade aos
princípios do governo FHC nunca foi total. O inchaço da administração, o
loteamento de cargos, a desmoralização das agências de regulação e o
desperdício são partes da herança deixada à sucessora do presidente
Lula, além de compromissos irresponsáveis, como o de um trem-bala mal
concebido e contestado econômica e tecnicamente. Esse legado não será
descoberto aos poucos. Já é bem conhecido.
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