FHC conta como ele e Dona Ruth se instalaram no Palácio da Alvorada, para onde Dilma se muda em 10 dias
A presidente
eleita, Dilma Rousseff, muda-se dentro de 10 dias para o Palácio da
Alvorada, residência oficial dos presidentes da República. Por uma
questão de conforto e praticidade, os presidentes eleitos se instalam no
Alvorada na véspera da posse, enquanto o presidente em final de
mandato, já com mudança em andamento, instala-se na também residência
oficial da Granja do Torto ou num hotel.
Leia agora o interessante depoimento do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso sobre sua mudança para o Alvorada com a mulher, Ruth
Cardoso, no dia anterior à posse, e de como são, segundo sua descrição,
as instalações de que vai desfrutar a presidente Dilma.
O texto é parte das memórias políticas do ex-presidente, A Arte da Política — A História que Vivi
(Editora Civilização Brasileira, 2006, 700 páginas), na qual,
contratado pela editora, trabalhei junto a FHC durante 6 meses, entre
2005 e 2006.
NO COMEÇO, APENAS ALGUMA BAGAGEM
“Ruth e eu mudamos para o Alvorada no dia 31 de dezembro de 1994,
véspera da posse. Levamos alguma bagagem, e depois aos poucos nos
instalamos por completo. No geral, contudo, o que carregamos conosco
foram roupas, livros e objetos pessoais. A maioria de meus livros, como
os de Ruth, permaneceu em São Paulo, da mesma forma como nossos quadros.
Meus livros e uma grande massa de documentos atulhavam, naquela
época, uma casa da família na rua dos Ingleses, no bairro da Bela Vista,
onde nossa filha Bia havia morado. Como ilustração do que é nosso país,
registre-se que a casa foi assaltada duas vezes — estando eu na
Presidência da República…
(Segue-se trecho em que o ex-presidente conta em detalhes sua posse, que publicarei em outro post)
(…)
Sempre durmo bem, é uma espécie de bênção que recebi. Naquela noite, a
despeito da torrente de emoções e do extremo cansaço, não foi
diferente. Mas era a segunda noite que Ruth e eu passávamos no Alvorada,
e ainda estranhávamos o ambiente.
OS APOSENTOS SÃO AGRADÁVEIS E CÔMODOS — MAS O PALÁCIO É UMA REPARTIÇÃO PÚBLICA
Gosto, sempre gostei do Alvorada. Os aposentos presidenciais são
muito agradáveis e cômodos. E, claro, faziam-nos companhia os filhos e
netos. Até me sentir em casa, contudo, levou algum tempo.
O problema do palácio é que ele também é uma repartição pública,
embora o Alvorada, dos que tive a oportunidade de conhecer, seja dos que
menos dão essa impressão. Ainda assim trata-se de uma repartição
pública. No palácio e seu entorno devem viver umas cem pessoas, entre a
segurança presidencial, a guarda do Palácio, os empregados — mordomos,
garçons, cozinheiros, copeiras, arrumadeiras.
Há gente dia e noite operando nos setores de serviço. O Presidente e
sua família o tempo todo se defrontam com pessoas que não conhecem.
Passa-se a residir numa espécie de aquário — e, no caso do Alvorada, a
metáfora é ainda mais apropriada, sendo como é um edifício envidraçado.
No segundo andar, onde mora o Presidente, há privacidade. Só têm
acesso direto à área empregadas e garçons que atendem a família. Os
próprios ajudantes-de-ordens pedem licença para subir.
UM CLOSET TÃO GRANDE QUE FHC NÃO TINHA ROUPA SUFICIENTE PARA PREENCHÊ-LO
A família do Presidente chega ao andar por um elevador privativo. Ele dá para um pequeno hall e
para a porta principal dos aposentos. Aberta, conduz a um grande salão
confortavelmente mobiliado que transformamos numa espécie de sala de TV,
mas onde também tínhamos livros e minha mesa de trabalho, e dispúnhamos
de um excelente banheiro.
Muitas vezes fazíamos nesse salão nossas refeições — uma vez que a
enorme sala de banquetes do andar térreo só se destina a ocasiões
oficiais de gala. (Quando tinha convidados — políticos ou jornalistas,
por exemplo —, lançava mão de uma sala de almoço no térreo, erigida
posteriormente à construção original do palácio.)
Mais adiante, passado um hall, há outra sala que seria o escritório de Ruth, forrado de livros. Passa-se um vestíbulo e chega-se a um closet destinado ao Presidente, tão vasto que jamais tive roupas para preenchê-lo.
Uma passagem leva ao quarto do casal, com banheiros individuais e uma
varanda. Tudo muito grande, amplo e alegre. À medida que nos
familiarizamos com o Alvorada, passamos a usar todo o segundo andar,
cujo mezanino dispunha de um salão confortável, com poltronas, uma mesa
de jantar e uma copa anexa, que nos permitia fazer refeições também ali.
A ala residencial inclui vários apartamentos completos. Graças a
eles, pode-se aplacar a “solidão do poder” hospedando a família e alguns
amigos.
Ali vivi, com Ruth, oito anos intensos, de que me recordo, apesar das
muitas limitações e dos equívocos que possa ter cometido, e que
descrevo neste livro, com a sensação de dever cumprido.”
Fonte: Ricardo Setti - Veja.com
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