A farra com dinheiro público voltou às manchetes, desta
vez por causa da transferência de recursos federais a entidades
fantasmas. O principal artífice da farra orçamentária, o senador Gim
Argello, renunciou ao posto de relator da proposta de Orçamento, mas
esse episódio é apenas uma pequena parte de um enorme problema. Os
desmandos são um velho costume e poderão continuar enquanto o governo
for incapaz de controlar o uso das verbas transferidas a Estados,
municípios e organizações privadas.
Segundo o último relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), em
31 de dezembro do ano passado havia 50.629 prestações de contas
apresentadas e não analisadas pelos Ministérios.
Esses documentos correspondiam a transferências totais de R$ 19,6
bilhões. Faltava a apresentação de mais 6.132 prestações de contas,
correspondentes a R$ 4,5 bilhões destinados a convênios, contratos de
repasse e outras formas de cooperação entre o governo central e
entidades tanto públicas - estaduais e municipais - quanto privadas.
Os números de transferências e prestações de contas apresentados no
relatório do TCU sobre as finanças federais de 2009 são incompletos. Os
autores do trabalho advertem para a insuficiência das informações
prestadas pelo Executivo até 31 de maio deste ano. Embora a realidade
seja quase certamente pior que o cenário mostrado no relatório, os dados
impressionam.
Treze instituições ou fundos da União são responsáveis por 89% das
contas apresentadas e não analisadas, correspondentes a 85% do valor
total. O pior desempenho é o do Fundo Nacional do Desenvolvimento da
Educação, com 15.426 contas não analisadas, equivalentes a 31% das
operações sob sua responsabilidade. Esses compromissos envolvem
transferências de R$ 4 bilhões.
Em seguida aparecem o Fundo Nacional de Assistência Social, com 6.588
prestações de contas não examinadas; o Ministério da Saúde, com 5.732; e
a Financiadora de Estudos e Projetos, com 3.587. O Ministério do
Turismo, envolvido nas transferências patrocinadas pelo senador Gim
Argello, fica em oitavo lugar nessa classificação, com 1.646 relatórios
não verificados.
O documento do TCU mostra o número de servidores efetivos à
disposição de cada um desses fundos ou entidades para o exame das
contas. Nas discussões sobre a análise de prestações de contas alega-se
com frequência a escassez de pessoal qualificado. Segundo diagnóstico
citado no relatório do TCU, os salários baixos, a alta responsabilidade e
até a possibilidade de sanções criminais estimulam a evasão de pessoal.
Além disso, "há grandes dificuldades para recrutar quadros
capacitados".
O diagnóstico pode ser correto, mas não se pode acusar o governo
petista de haver promovido grandes cortes de pessoal. Ao contrário: esse
governo se caracterizou pelo aumento dos quadros e pelo inchaço da
folha de pessoal.
Mas as contratações, em grande parte marcadas pelo aparelhamento e
pelo loteamento de cargos, pouco devem ter contribuído para aumentar a
qualidade e a eficiência dos quadros do funcionalismo. Há uma enorme
diferença entre empregar mais pessoas e empregar pessoas mais
qualificadas.
Ao mencionar a insuficiência de informações do Executivo, os autores
do relatório do TCU criticam o Siafi, o sistema de informações de
finanças públicas administrado pelo Ministério da Fazenda. O relatório
cita como ilustração o caso do Incra. O Siafi registra 598 prestações de
contas não analisadas em 31 de dezembro do ano passado, enquanto
documento enviado pelo Incra em 15 de março deste ano aponta um estoque
de 1.713 prestações de contas.
O aumento das transferências tem sido acompanhado, segundo o TCU, de
um aumento no atraso das contas apresentadas pelas entidades
beneficiadas. Os desmandos tendem a ampliar-se. Os próprios critérios de
transferências - mesmo quando não há fraudes - são discutíveis. Mas um
controle contábil mais eficiente já seria um progresso considerável.
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