Parlamentares destinaram 577 emendas para promoção de eventos e divulgação de turismo em 2010, o que fez a verba original, de R$ 32,6 milhões, subir para R$ 798,8 milhões; prática, que derrubou Gim Argello, foi identificada pelo governo
O esquema de pagamento de verbas federais a
entidades de fachada - que derrubou o senador Gim Argello (PTB-DF) da
relatoria do Orçamento de 2011 após denúncia do Estado - é um verdadeiro
hit entre os parlamentares. O governo obteve sinais da farra, mas não
conseguiu tampar o ralo. A previsão de gastos em promoção de eventos
para divulgação de turismo interno em 2010, que originalmente era de R$
32,6 milhões, saltou para R$ 798,8 milhões após receber 577 emendas de
parlamentares.
O levantamento foi realizado pela ONG Contas Abertas. Houve um aumento de 2.351% no montante das emendas.
Coisa semelhante ocorreu com as verbas para outra ação, "fomento a
projetos de arte e cultura". A proposta de R$ 116,9 milhões foi
turbinada para R$ 391,5 milhões, um aumento de 235%, graças a 258
emendas.
"Houve uma verdadeira febre dos parlamentares para fazer emendas
nessas ações", disse o fundador e secretário-geral da Contas Abertas,
Gil Castello Branco. Ele suspeita que a causa não é o inconformismo dos
parlamentares com o descaso do Executivo em relação ao turismo interno e
às manifestações culturais. "Elas configuram um ralo por onde há uma
corrupção bilionária relacionado a repasses de verbas via ONGs."
A verba reservada este ano para repasses a entidades sem fins
lucrativos, nas quais se enquadram ONGs, atinge R$ 4,5 bilhões. Desses,
R$ 2,7 bilhões já foram liberados até ontem. Nessa bolada, estão
misturadas entidades sérias que de fato prestam serviços à sociedade e
organizações de fachada para as quais são desviados recursos públicos.
A preferência pela promoção de festas para desviar dinheiro federal
tem uma explicação. "São despesas de caráter subjetivo. Quanto custa um
show? Quanto custa uma festa? Qual o valor correto para a iluminação, o
som, o palco?" questionou Castello Branco. É diferente de uma obra, por
exemplo, na qual há critérios objetivos para determinar se ela está ou
não superfaturada.
Suspeita
O escoadouro de verbas pela via da realização de eventos não é
segredo na Esplanada dos Ministérios. Não é por acaso que a Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2011 já proibiu emendas que
determinem o repasse de verbas federais para entidades privadas
realizarem eventos na área de turismo. Depois das denúncias do Estado, a
restrição será estendida à área de cultura.
"Avaliávamos que estava frágil, que não estava bom", disse o ministro
do Planejamento, Paulo Bernardo, ao comentar as proibições da LDO. Ele
acrescentou que, já em 2010, o governo converteu a maior parte das
emendas para patrocínio de festas pelo Ministério do Turismo em emendas
voltadas a investimentos em infraestrutura turística. De fato, dos R$
798,8 milhões que os parlamentares queriam aplicar em festas, R$ 433
milhões viraram obras.
A Controladoria-Geral da União (CGU), que fiscaliza os gastos do governo, também já havia detectado o problema.
"A realização de eventos festivos e turísticos com recursos oriundos
de emendas parlamentares é bastante vulnerável e fértil em problemas",
informou o órgão em nota.
A controladoria acrescentou que o Ministério do Turismo já tomou
providências, como limitar o valor dos cachês de artistas e proibir
gastos de difícil mensuração. O ministério checa in loco cerca de 35%
dos eventos realizados. "Isso melhorou a situação, mas não eliminou as
possibilidades de fraude", admitiu a CGU.
Técnicos da Comissão de Orçamento alertam que fechar a entrada para
emendas em turismo e cultura não resolverá o problema. O mesmo esquema
pode ser utilizado em programas de qualificação profissional, como já
foi detectado.
Fonte: Lu Aiko Otta e Edna Simão - O Estado de S.Paulo
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