Não
se deve olhar o resultado das contas públicas divulgado ontem meramente
pela ótica contábil. O emaranhado de cifras e conceitos é quase
incompreensível para a população em geral. A questão é política: o que
interessa é mostrar que a parcela crescente de recursos que o país
compromete com gastos do governo é o preço que a gestão Lula impôs à
sociedade para eleger Dilma Rousseff. São contas a pagar por muitos e
muitos anos.
A
despeito de toda a criatividade contábil empregada pelos técnicos
oficiais para inflar as receitas do governo, é bem possível que a meta
fiscal não seja atingida neste ano. Nos últimos 12 meses, o superávit
primário está em R$ 99,1 bilhões ou 2,85% do PIB. O resultado de outubro
(superávit de R$ 9,7 bilhões) foi o pior para este mês do ano desde
2005.
Até
o mês passado, a meta de superávit para este ano era de 3,3% do PIB.
Foi reduzida para 3,1% com a exclusão dos investimentos da Eletrobrás
dos cálculos. A estatal é um sorvedouro de dinheiro público e, com sua
gestão temerária, estava puxando o resultado das estatais para baixo. Ao
invés de tentar saneá-la, o governo preferiu varrer seus gastos para
debaixo do tapete.
Mas,
mesmo emagrecida, nem Papai Noel é capaz de fazer a nova meta fiscal de
2010 ser alcançada. O resultado primário é tradicionalmente deficitário
no fim do ano, quando o governo tem que arcar com pagamento de 13º
salário do funcionalismo. No ano passado, o déficit nominal saltou de R$
114 milhões em outubro para R$ 10 bilhões em dezembro.
Isso
significa que o governo petista não executará neste ano o esforço
fiscal necessário para reduzir a dívida pública. Se o passivo não cai, o
espaço para o corte de juros fica menor, os gastos saudáveis com
investimentos públicos não acontecem e o país mantém-se pagando caro
para rolar sua dívida, que cresceu R$ 18,8 bilhões em outubro e atingiu
R$ 1,64 trilhão.
O
governo tenta defender a escalada de gastos dizendo que era preciso
fazer frente à crise econômica. Isso poderia ser - e foi - válido para
2009. Mas, neste ano, acelerar a gastança foi pura e exclusivamente
irresponsabilidade. Ou em português mais claro: uso descarado dos
recursos da sociedade em favor de um projeto político. Gastou-se muito
para eleger a sucessora de Lula, não para acelerar o crescimento.
O
governo do PT está conseguindo jogar no limbo o arcabouço institucional
que permitiu ao país emergir da descrença internacional que grassava
até a década de 90 para um patamar respeitável. O firme tripé baseado em
responsabilidade fiscal, controle da inflação e câmbio flutuante
encontra-se trôpego.
No
caso das contas públicas, o resultado deste ano só não é numericamente
catastrófico porque a equipe econômica, sob as bênçãos do reconduzido
ministro Guido Mantega, lançou mão de uma série de mandracarias para
engordar as receitas.
Sem
elas, os R$ 99 bilhões do superávit fiscal seriam um terço menores. O
golpe mais vistoso foi desferido quando R$ 31,9 bilhões de uma dívida
feita para capitalizar a Petrobras foram transformados em R$ 31,9
bilhões de receitas. Shazam! A União também garantiu outros R$ 1,4
bilhão com a venda de créditos que tinha na Eletrobrás para o BNDES e
mais R$ 958 milhões com o pagamento antecipado, pela Caixa, de
dividendos ao Tesouro.
Um
dos vértices desta imensa criatividade contábil foi o BNDES: só nos
dois últimos anos, recebeu R$ 200 bilhões em aportes do Tesouro,
inflando a dívida bruta. A pretexto de não deixar as fontes de crédito
estancarem, o banco foi turbinado para emprestar como nunca. Os
critérios para isso foram, porém, bastante duvidosos, para dizer o
mínimo.
Uma
das operações mais esdrúxulas foram os empréstimos a frigoríficos, em
especial ao grupo JBS/Friboi. Foram R$ 11,4 bilhões desde 2008,
considerando também a compra de participação pelo BNDES no capital do
JBS e do Bertin, hoje enfeixados no mesmo grupo empresarial, conforme
análise de Mansueto Almeida.
Isso tornou o JBS o segundo maior grupo privado nacional, atrás apenas
da Vale - até 2005, o frigorífico goiano jamais figurara sequer entre as
200 maiores corporações brasileiras.
Quase
ninguém entendeu a atração do BNDES pelo JBS - conglomerado privado
onde o banco mais pôs dinheiro na sua história e do qual é hoje dono de
21%. A operação não aumentou a capacidade de exportação do país (mas
elevou a dos EUA, onde o JBS adquiriu a Swift Foods), nem gerou um bife
sequer de inovação tecnológica ou criou novos empregos - pelo contrário.
Mais
eis que surge agora uma bela explicação para tamanha camaradagem
oficial com o JBS: o grupo foi o maior doador da campanha vitoriosa de
Dilma Rousseff. Foram nada menos que R$ 10 milhões, conforme mostra O Estado de S.Paulo em sua edição de hoje.
O
valor supera até mesmo o de construtoras e bancos, dois dos setores
mais satisfeitos com o governo do PT. Depois do JBS aparecem, nesta
ordem, a Camargo Corrêa e a Queiroz Galvão. Ambas têm uma vistosa
carteira de obras incluídas no PAC, algumas envoltas em suspeita de
irregularidades e polêmicas, como a bilionária hidrelétrica de Belo
Monte.
Fecha-se,
então, o círculo: o governo abriu a torneira dos gastos, irrigou
negócios amigos e recebeu em retribuição, na campanha eleitoral, o
auxílio financeiro dos companheiros subsidiados. Com o país atolado
neste "capitalismo estatal", não surpreende que os resultados fiscais
sejam cada vez piores. A conta da eleição de Dilma está sendo
apresentada agora à sociedade. Quem vai pagar por isso?
Fonte: ITV
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