Li com espanto a entrevista do sr. Gilberto Carvalho publicada neste
jornal na edição de domingo passado (“Ninguém engana a Dilma nem põe
faca no pescoço dela”, 5/12, A10). Espanto porque imaginei que o
entrevistado devesse estar mais preocupado em se defender de insinuações
que podem manchar a sua biografia ─ a de haver sido receptador de
propinas extorquidas por um bando de seus companheiros de partido que
teriam usado a administração petista de Santo André para obter recursos
para uso político, como afirmam procuradores estaduais ─ do que em dar
curso a calúnias contra mim.
Lula, segundo o entrevistado, recusa o termo “mensalão” para
caracterizar os desatinos praticados nas relações entre seu governo e a
Câmara dos Deputados, quando da alegada compra de apoios políticos. Na
verdade, trata-se de mero jogo de palavras para negar a periodicidade da
propina, e não sua existência. Artifício semelhante a outro ─ este com
consequências jurídicas maiores ─ quando afirmou que o dinheiro
utilizado naquelas práticas teria sido obtido de “sobras de campanha”,
esquecendo-se de que houve transações entre poder público e agentes
privados como no caso da Visanet.
Para melhorar a imagem presidencial, Gilberto Carvalho diz que Lula,
ao negar que seu governo tenha comprado votos, me acusa nominalmente de
tê-lo feito para aprovar a emenda da reeleição. Ora, jamais houve
qualquer indício nem qualquer afirmação direta de que eu assim
procedera. Mais ainda, os rumores sobre uma escuta telefônica feita
entre deputados de um Estado que estariam envolvidos em tais práticas
aberrantes surgiram num jornal meses depois de aprovada a referida
emenda, com votação avassaladora ─ 80% no Senado e margem de mais de 20
votos acima dos 308 requeridos na Câmara.
No caso, a referida escuta teria feito alusão ao primeiro nome de um
de meus ministros. Para evitar dúvidas o ministro eventualmente aludido
foi, por decisão própria, à Comissão de Justiça da Câmara, prestou todos
os esclarecimentos e desafiou quem dissesse o contrário da verdade, que
era sua inocência. Posteriormente, três ou quatro deputados ─ mais
tarde ligados à base do governo Lula ─ renunciaram a seus mandatos para
evitar cassações, confessando culpa, mas sem qualquer envolvimento do
PSDB e muito menos do governo ou meu.
Se não fosse o suficiente ser um procedimento contrário à ética,
mesmo em termos pragmáticos, seria de todo descabido comprar o que era,
explicitamente, oferecido: a opinião pública, os editoriais de toda a
mídia e a maioria avassaladora do Congresso Nacional eram favoráveis à
emenda da reeleição, contra a qual se batiam isoladamente o PT e os
“malufistas”, pela razão de haver nessas correntes quem quisesse
disputar as eleições presidenciais e temesse minha força eleitoral,
comprovada na reeleição em primeiro turno em 1998. Estes são os fatos.
Custa-me a crer que Lula, para se defender do indefensável no caso do
mensalão, ataque a honra de um ex-presidente que foi seu amigo nas
horas difíceis e que não usa de artimanhas para desacreditar
adversários. Dói mais ainda que pessoas como Gilberto Carvalho ecoem o
sabidamente falso para endeusar o chefe. Sinal dos tempos, que arrastam
mesmo os que parecem ser melhores a cair na calúnia, na mesquinharia e
na mediocridade.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
CARTA PUBLICADA NO ESTADÃO DESTA QUARTA-FEIRA
Comentários
Postar um comentário