Presidente do BC diz que se supervisão oficial substituir auditorias haverá aumento do 'risco moral' no mercado
Em sua primeira entrevista exclusiva desde que
o socorro de R$ 2,5 bilhões ao Banco Panamericano foi anunciado, o
presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, rebate os ataques
feitos nos últimos dias à instituição, critica os controles do banco
(auditorias interna e externa) e diz que, em última instância, o
responsável pelos problemas era o controlador (Silvio Santos).
"O único prejudicado foi o acionista controlador, que assumiu o
prejuízo de acordo com a lei - corretamente - e era, em última análise, o
responsável", afirmou ao Estado no início da tarde desta quinta-feira. A seguir, os principais trechos da conversa.
Como o BC descobriu a fraude?
O BC, dentro de seu processo de análise sistêmica, fez uma avaliação
consolidada do total das posições dos bancos cedentes e cessionários (de
carteiras de crédito) e concluiu que havia uma inconsistência.
Quem era responsável por descobrir isso?
O responsável número 1 é o acionista majoritário. Em seguida, os
órgãos de controle da instituição: os conselhos, a auditoria interna,
controles internos etc. Além do controle externo, do ponto de vista do
mercado/ investidores, que é feito pela auditoria externa. Essa é a
linha de responsabilização direta pela integralidade dos resultados
contábeis da instituição. O trabalho de supervisão do BC faz uma série
de avaliações que não substituem os controles internos e a auditoria
externa.
Como recebe a crítica de que o BC demorou para descobrir?
Essas críticas revelam um mal-entendido sobre o papel da supervisão.
Primeiro, seria operacionalmente inviável substituir todos os controles
internos e a auditoria externa. Mas o mais importante e mais grave:
aumentaria de forma descontrolada o chamado risco moral, aquele do qual
todos partem do pressuposto de que o governo está olhando todos os
detalhes, substituindo todos os órgãos controladores e auditores. De
maneira que os gestores, os auditores, os investidores passam a não
fazer seu trabalho, baseados no preceito de que o governo fará por eles.
O BC agiu a tempo de não causar prejuízo ao poder público, aos
depositantes, ao sistema financeiro e à economia. O único prejudicado
foi o acionista controlador, que assumiu o prejuízo de acordo com a lei -
corretamente - e era, em última análise, o responsável.
É preciso rever a regulação das auditorias externas?
A regulamentação, no momento, tem de ser aplicada.
Mas ela é adequada?
No momento não se revelou inadequada. Mas estamos sempre, a qualquer
momento, com o Comitê da Basileia e os demais bancos centrais do mundo,
revisando a regulamentação para buscar aperfeiçoamentos.
Quando o sr. diz que a responsabilidade era do controlador, das auditorias, etc, é possível afirmar que eles foram omissos?
Isso será a essência do processo administrativo. Não pode haver por
parte da autoridade pré-julgamento. Há um procedimento legal muito
rigoroso que terá de ser seguido
O sr. tem dito há tempos que o sistema financeiro está com
boa saúde, se saiu bem na crise, etc.
Mas ouvimos que, se o Panamericano
tivesse sido liquidado, veríamos sérios problemas.
É correta a afirmação de que o sistema financeiro brasileiro resistiu
muito bem à crise, que os níveis de capitalização dos bancos são
adequados e todo o aparato prudencial brasileiro é usado como modelo no
mundo. Isso não quer dizer que não possa haver problemas. Não há dúvida
de que uma liquidação desnecessária, que seria o caso - porque o
acionista controlador tinha condições de cobrir o prejuízo - causaria
prejuízo aos credores, para o próprio Fundo Garantidor de Crédito (FGC,
que emprestou os R$ 2,5 bilhões) e para uma percepção de mercado de
riscos sistêmicos que poderiam não existir.
O fato de parte desse rombo ter sido gerado em cartão de
crédito não exibe com mais clareza a necessidade de uma regulamentação
desse setor?
Existe um Grupo de Trabalho, do qual o BC faz parte, que está
exatamente trabalhando em uma proposta de regulamentação desse setor.
Muitas coisas já foram feitas, já foram levadas. A próxima etapa será a
regulamentação das tarifas de cartão de crédito que são cobradas por uma
parte do sistema, os bancos. Existem discussões em andamento com o
Congresso Nacional para definir se se justifica ou não criar um sistema
de fiscalização do cartão de crédito, que pode ser o BC ou qualquer
outra entidade reguladora.
Há hoje um vácuo regulatório?
O cartão de crédito é como muitos outros setores do Brasil, em que não há necessariamente um regulador específico.
Já existem indícios de que houve desvio de dinheiro ou, por enquanto, o que se tem é uma certeza de que havia fraude contábil?
No momento, o processo administrativo está em andamento, em início
ainda, e a investigação do Ministério Público está também se iniciando.
Portanto, ainda não temos nenhum relatório das áreas de fiscalização que
chegue a alguma conclusão a esse respeito. Esse é um processo que tem
de seguir rigorosamente as normas e todo o procedimento regimental para
que seja bem feito e não possa ser contestado no futuro.
Qual a chance de o rombo ser maior que R$ 2,5 bilhões?
São duas coisas diferentes. Essa investigação do BC mostrou que o
problema do banco é um pouco inferior a R$ 2,1 bilhões. A parte do
cartão de crédito foi feita pelo Conselho do banco. O BC, de novo, não
tem acesso ao cartão de crédito. Sobre os demais aspectos do banco,
certamente isso será objeto de continuada avaliação dos acionistas.
Agora, o que eu quero dizer é o seguinte: o BC, pelo risco moral,
jamais, com instituição nenhuma, pode afirmar: "Não existe mais problema
com ninguém." Isso, por definição, seria o risco moral. O BC não pode
fazer esse tipo de afirmação. O BC sempre tem de dizer: "Riscos existem;
em qualquer banco, em qualquer financeira, em qualquer instituição
financeira, a todo tempo."
Não está claro o que aconteceu na parte de cartões. A
princípio, se fala em R$ 400 milhões de prejuízo. Mas pode ser mais. Se
for mais, pode bater no próprio banco e levar a que os cálculos sejam
refeitos?
O BC não faz raciocínios teóricos nem especulações sobre o que pode
acontecer. Não há, no momento, nenhuma evidência achada pelo BC de que
problemas no cartão possam levar a passivos para o banco.
Outra operação no caso envolve um CDB que teria sido comprado
há tempo, com rentabilidade muito distinta da paga às pessoas físicas.
Não houve falha do BC em observar essa operação?
Não. Você quer que o BC substitua o acionista controlador para
defender o interesse dele? O BC não pode ficar julgando a cada momento
se o banco está captando caro ou barato.
Em termos de supervisão, o diretor Alvir Hoffmann
(Fiscalização) disse que existiriam operações que já têm de três a
quatro anos. Esse não é um período muito grande para descobrir esse tipo
de inconsistência?
O BC agiu a tempo e a hora porque evitou prejuízos para o setor
público, para os depositantes, para o sistema, para a economia
brasileira, etc. Agiu quando o processo todo adquiriu uma dimensão que
tinha um interesse sistêmico.
Não era o caso de descobrir antes de virar risco sistêmico?
Não. Repetindo para não perdermos mais tempo: o BC agiu a tempo e a
hora porque a função do BC é prevenir riscos que levem a prejuízos para o
País, para o sistema e, nesse caso, para os depositantes, que não
perderam nenhum centavo.
Como é que fica a investigação daqui para a frente?
As informações vão sendo remetidas para o Ministério Público na
medida em que forem apuradas. Não é um processo em que apenas ao fim
será enviado. O BC já remeteu na semana passada as primeiras informações
ao MP, deve remeter mais informações nesta semana e, no curso das
investigações, vai informando o mais cedo possível ao MP. O BC olha do
ponto de vista administrativo, o MP olha do ponto de vista penal.
Os ex-diretores vão ser chamados pelo BC para se explicar no
processo administrativo. O fato de eles estarem nessa situação os impede
de sair do Brasil?
Compete ao Ministério Público Federal pedir à Justiça uma ação nesse sentido. A decisão final é da Justiça.
Fonte: Leandro Modé, Fabio Graner e Fernando Nakagawa - O Estado de S. Paulo
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