Fernando Henrique Cardoso
A campanha eleitoral termina sua primeira fase como se
estivéssemos escolhendo entre duas ou três pessoas em razão de suas
diferentes psicologias, grandes feitos, pequenas fragilidades pessoais
ou o que mais seja. E não porque representam caminhos diversos para o
País.
O governo de Lula e do PT iniciou-se disposto a exercer o papel de
renovador da política e da ética. Termina abraçado com a despolitização e
o clientelismo. Ser pragmático é o que conta; ter bons índices de
popularidade, aproveitar as águas calmas de um produto interno bruto
(PIB) em ascensão para distribuir benesses para todos os lados, fazer
discursos inconsistentes, mesmo que chulos, para agradar a cada
audiência. E, sobretudo, criar muitas imagens, registrando desde o
ridículo até o sublime. Lula, na Bolsa, autodefinindo-se como sumo
sacerdote do capitalismo financeiro global representou o coroamento de
uma trajetória. Como se de suas mãos escurecidas de petróleo brotassem
ações ricas em dividendos futuros, e não do esforço árduo de gerações de
trabalhadores, técnicos e políticos para viabilizar a Petrobrás como
uma grande companhia, da qual todos nos orgulhamos.
Por trás das máscaras dos candidatos, contudo, existem opções reais.
Se elas se apresentam desfiguradas pelas técnicas mercadológicas, nem
por isso deixam de representar distintas visões do País e interesses
diversos. É por isso que, diga-se ou não, o dia de hoje é marcante. Em
primeiro lugar, porque, a despeito de o chefe da Nação ter-se comportado
como chefe de facção, chegando a falar em extermínio de adversários;
apesar da massa de recursos mobilizada em propaganda direta ou indireta,
com as cornucópias públicas a jorrar rios de anúncios sobre "grandes
feitos"; em que pese o personalismo imperial do presidente em sua
verborreia incessante; não obstante tudo isso, com certeza pelo menos
40% dos eleitores não se dispõem a coonestar tal estado de coisas. E é
pouco provável que os que ainda pendem para o outro lado alcancem hoje
os 50% mais um dos votos válidos. A tentativa plebiscitária do "nós bons
versus eles maus" não colou, a menos que se condene metade do País ao
infortúnio de uma qualificação negativa perpétua.
Em segundo e principal lugar, o dia de hoje é importante porque abre
um caminho para a convergência entre os que resistem ao rolo compressor
do oficialismo - o PSDB com José Serra e o PV com Marina Silva. Temos em
comum a recusa ao caminho personalista e autoritário. Rejeitamos a
ideia de que esse caminho seja o único capaz de trazer progresso
econômico e bem-estar social. Sabemos que, juntamente com o que de
positivo possa haver sido alcançado nos últimos oito anos, houve também a
penetração avassaladora de interesses partidários na administração
pública. Também nela penetraram os interesses de grandes empresas,
fundos de pensão e sindicatos. São esses os atores que, em aliança
oportunista, dão sustentação à ideia de que é o Estado o motor do
crescimento econômico. Os que resistem ao rolo compressor acreditam que o
antídoto para esses males é o fortalecimento das instituições, o
respeito às regras legais e a afirmação de lideranças que não dividam o
País entre "eles" - os maus - e "nós" - os bons.
Não é pouca coisa, portanto, o que está em jogo. Segundo o mantra
oficial, a disputa política estaria resumida a dois blocos. No primeiro
estariam os que estão comprometidos com o interesse popular, com o
bem-estar social e com a defesa dos interesses nacionais pelo Estado. No
segundo, os "moralistas", que só se preocupam com o mundo das leis e
com a honestidade na política porque já estão bem na vida. Vencendo o
primeiro, o povo se beneficiaria com a distribuição de renda, as bolsas,
emprego abundante, etc., e o País, com mais investimento e com a ação
estatal para incentivar a economia. Vencendo o segundo, prevaleceriam os
interesses dos que não olham para "o andar de baixo", na metáfora
expressiva, embora incorreta, e podem se dar ao luxo de exigir formas
corretas de conduta.
É preciso recusar essa visão distorcida do País. Na verdade, ele tem
vários andares, e um ou mais elevadores que sobem e descem. Há
mobilidade social e mobilidade política. O que hoje pode ser visto como
"moralismo" amanhã pode tornar-se aspiração de todos os andares. É esta a
batalha a ser travada. Não denunciamos a corrupção, o clientelismo e a
ineficiência por "moralismo", mas, sim, para mostrar, em nome da justiça
social, o quanto os andares de baixo perdem com a ineficiência, a
corrupção e o clientelismo. Não aceitamos que os defensores do
patrimônio público ou os que denunciam o abuso do poder político sejam,
por isso, chamados de elitistas. Haverá mais, e não menos, inclusão
social e desenvolvimento, quanto mais eficiência houver no governo e
decência, na vida pública.
A votação de hoje provavelmente nos levará ao segundo turno. Nele
será indispensável mostrar que o PSDB não apenas foi decente, como
também fez muito pelo social quando foi governo. A começar pela
estabilização, que é obra do nosso governo. Fez e está credenciado a
fazê-lo novamente, junto com Marina, porque sabe que não há
desenvolvimento de longo prazo sem sustentação ambiental.
Sem se arvorar em ser o único portador desses valores, é isto que
Serra representa: a recusa da confusão entre malandragem e proximidade
com o povo, entre abuso estatal no controle da economia e ação vigorosa
do governo no manejo das políticas econômicas e sociais. O dia é hoje, a
hora é agora, para começar a construir um futuro melhor: o País merece
um segundo turno no qual o confronto aberto entre os contendores dê aos
eleitores a oportunidade de ver as diferenças entre os caminhos
propostos, encobertas até aqui pela rigidez das máscaras mercadológicas.
SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Pois é Presidente!
ResponderExcluirMas temos consciencia disso desde 2005!
Na verdade,a população não contou com o apoio da oposição e não fez o trabalho que deveria fazer para evitar o resultado de 2006.
Governar um pais não pode ser imune aos descalabros.
E a oposição e população não devem se pautar pela complacência!
Uma Nação não é uma empresa, que pode fechar as portas e abrir outra!
Uma pena! O trem passou na estação e resolveram esperar o próximo, destinado ao acidente!
Que Deus nos ajude amanhã, porque perdemos as rédeas da condução do Pais por nossas próprias mãos!
Lis Chaves
Lis Chaves
É um absurdo que o legado de um estadista que nos livrou da hiperinflação e criou os programas sociais que o PT apenas mudou o nome não seja fortemente elogiado, reconhecido em campanhas!
ResponderExcluirConcordo com Lis Chaves. Quem naõ faz, toma.
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