Ex-presidente e senador eleito fala sobre o governo Lula e analisa disputa Serra-Dilma
O ex-presidente Itamar Franco parece mais sereno com a idade. "Eu me eduquei a não ter mágoas", diz o recém-eleito senador pelo PPS de Minas Gerais a reboque da popularidade do ex-governador Aécio Neves (PSDB).
As rusgas - ou "algumas tristezas", como ele diz - com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o PSDB foram deixadas para trás, talvez com base no ensinamento do velho senador Teotônio Vilela, que lhe recomendou a "não deixar a mágoa passar da garganta para baixo porque faz mal ao coração". Hoje, aos 80 anos, Itamar Franco é um dos principais cabos eleitorais do presidenciável José Serra (PSDB) em Minas.
"Minas pode indicar a virada necessária para o Serra ganhar as
eleições. Agora, ele precisa tocar os corações mineiros. Aí vem o
problema político", afirma o ex-presidente. Apesar de mais suave, Itamar
continua direto e franco. O problema político, analisa, é a necessidade
de Serra se assumir como oposição e de adaptar o discurso para
diferentes estratos sociais. Ao lado de Aécio, Itamar acha que a
oposição precisa ser mais autêntica e se contrapor ao governo Lula,
mostrando as transformações sociais obtidas graças ao Plano Real,
implantado na transição entre o seu governo e o de FHC.
"Quando a dona Dilma (Rousseff, presidenciável do PT) diz que todos
melhoraram de vida, por que eles não rebatem dizendo o seguinte: o
pãozinho custava de manhã um preço, de tarde outro, de noite outro. E,
além do pãozinho, o salário do trabalhador à noite estava totalmente
corroído. A inflação era de 4% ao dia. Hoje é de 5% ao ano."
Enquanto rabisca um papel e diagnostica o resultado das eleições em
Minas, Itamar Franco manda recados aos tucanos, a Serra e a Fernando
Henrique. "Sei que eles vão jogar tudo no lixo, mas eu falo assim mesmo.
Eles não gostam que eu fale." Logo em seguida, deixa claro que as
advertências ao presidenciável são feitas com extrema cautela e
consideração: "Eu estou fazendo uma crítica positiva. Serra terá meu
voto, meu apoio cívico".
"Leio que o ex-presidente Fernando vai querer uma conversa cara a
cara quando o petista puser o pijama. Ora, o que assistimos a todos os
dias na televisão? Ataques ao presidente Fernando. E por que ele vai
esperar o homem por pijama? Por que não já vem agora, com um minuto ou
45 segundos no programa do Serra, e diz assim: olha presidente Lula, eu
estou aqui, e me chame para o debate na hora que quiser. Faça isso antes
de terminar o horário eleitoral. Porque não adianta ele querer esconder
a face. Toda hora eles (o PT) mostram a face dele. O que vai adiantar
ele dizer que quer debater com o Lula depois que ele sair do governo?
Nada", irrita-se Itamar.
O senador eleito repudia estratégias baixas de campanha, atribuídas
por ele a parte do PT. Reconhece, porém, que também os tucanos cometem
seus excessos, como o vídeo que comparou petistas a cães rottweilers. E
os reprova. "Empobrece muito a política brasileira e é por isso que
começa a haver essa descrença. Agora também o PSDB faz isso porque a
agressão parte primeiro deles. Eles ficam toda hora atacando o
ex-presidente. Cada um usa a arma que quer usar. Eu condeno. Acho que a
campanha deve se dar em alto nível."
O debate religioso e de valores terá seu espaço em Minas Gerais, com
seu lado conservador, reconhece Itamar Franco. Porém, mais uma vez, o
ex-presidente faz advertências a seus aliados e adversários: "Tem horas
que você tem que buscar os valores sim. Temos que mostrar aos moços e às
moças que o Brasil não surgiu com o presidente Lula. Mas, de repente,
todo mundo volta a ser religioso. Uma hora fala de aborto, outra hora
fala dos gays. São temas muito sensíveis. Por que não falou logo de uma
vez: eu defendo a legislação atual em relação ao aborto. O Serra, pelo
que sei, defende a legislação atual", afirma. Minas, segundo ele, "é
fundamentalmente religiosa". "Acho errado é usar a religião para ganhar
votos."
O discurso duro de Itamar reserva momentos de bom humor, coisa rara
de se ver em suas atuações políticas no passado. "O governo do pão de
queijo foi tão bom que eu poderia ter cobrado royalties", brinca,
relembrando a maneira pejorativa a que muitos se referiam a seu mandato.
Segundo ele, Serra não tinha campanha em Minas. "Por mais que
falássemos do nome de Serra, tinha cidade em que não havia nenhuma
propaganda dele. Ele descuidou de Minas. Mas para eles não perderem
muito tempo, é só chamar Aécio. É colocar Aécio na campanha'', prega.
Serra, segundo ele, deve ter a humildade de deixar Aécio ''ensiná-lo'' a
fazer campanha em Minas.
Fonte: Malu Delgado - O Estado de S.Paulo
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