
Há pouco seu governo inteiro junto com sua candidata à Presidência
produziram "mentiras descaradas" ao repudiarem as denúncias de que havia
na Receita quebras de sigilo fiscal de adversários políticos e que um
esquema de tráfico de influência e corrupção estava montado a partir da
Casa Civil.
Lula também se precipitou ao atribuir as quebras de sigilo a uma
"briga de tucanos". Baseava sua tese no fato de o mandante ser repórter
do Estado de Minas sem saber que à época Amaury Ribeiro estava em férias
a serviço de outrem.
O presidente da República dá razão ao antecessor que o chama de
"chefe de uma facção", quando escolhe insuflar a violência no lugar de
contribuir para apaziguar os ânimos.
É o que faria um estadista.
Justiça se faça, Lula não ficou só em sua tentativa de ridicularizar o
episódio. Muitos na imprensa partiram para ironias, achando um exagero a
reação de José Serra atingido, afinal, só por "uma bolinha de papel".
Foram duas imagens captadas em dois momentos diferentes, comprovou-se
ao longo do dia. Mas, ainda que o candidato tucano tenha feito drama,
continuam sendo inaceitáveis os ataques de militantes contrariados com a
passagem do tucano pelas ruas de Campo Grande (RJ). Brincar com isso é
má-fé, tratar como banal a violência eleitoral e, sobretudo, não
entender o valor em jogo.
Impedir um ato de campanha com tumultos é violência. Bem como foi
violência atirar um balão cheio de água sobre o carro onde estava a
candidata Dilma Rousseff ontem em Curitiba. O balão não a atingiu, mas
poderia ter atingido. Ainda assim resta a intenção: agredir.
O presidente da República condenará uma violência, mas aprovará a
outra? Ou dirá que estava apenas condenando o "teatro" do adversário?
Nisso não é crítico autorizado.
É partícipe e mesmo condutor de uma caminhada em direção ao
retrocesso: a nos tornarmos permissivos com o uso da violência na
política, assim como já estamos no rumo de revogar a integralidade do
preceito do livre pensar.
Ovos da serpente. É assim que começa: a Assembleia Legislativa do
Ceará aprovou projeto de um conselho para atuar entre outras funções no
"exercício fiscal sobre a prática da comunicação".
Em Goiás, a TV Brasil Central, do governo do Estado, não pode entrevistar adversários políticos.
O projeto de controle da mídia foi iniciativa de uma deputada
estadual do PT cearense, aprovado por unanimidade, e ainda precisa
passar pelo crivo do governador Cid Gomes.
A censura foi denunciada, num gesto inédito, ao vivo pelo jornalista
Paulo Beringhs, proibido de entrevistar o candidato ao governo Marconi
Perillo (PSDB), chamado no dia anterior de "mau caráter" pelo presidente
Lula em palanque.
Liberdade e luta. Já que Chico Buarque puxou o assunto ao manifestar
seu encanto com o fato de o governo Lula "não falar fino com Washington
nem falar grosso com Bolívia e Paraguai", vamos ao fato: o governo
brasileiro não deveria é falar fino com ditaduras.
Aliás, o mundo da cultura, que sofreu pesadamente os efeitos da
durindana local, nos últimos anos não se incomodou - se o fez não foi em
voz alta - com a maleabilidade das vértebras do presidente Lula diante
de tiranos.
A complexidade das relações exteriores não cabe em um jogo de
palavras. Já a condenação aos crimes das ditaduras às quais o Brasil se
dobra para espanto do mundo requer apenas dois atributos: coerência e
solidariedade.
Independentemente da opinião eleitoral.
Fonte: Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
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