Pedro S. Malan
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disputou cinco
eleições presidenciais. Na primeira (1989), disputou palmo a palmo com
Leonel Brizola o direito de ir para o segundo turno com Fernando Collor.
Cerca de uma década e meia depois, já presidente, Lula agradeceu
publicamente a Deus por não ter ganho aquela eleição. Porque,
reconheceu, não estava preparado para isso.
Na segunda e na terceira tentativas (1994 e 1998), Lula perdeu no
primeiro turno para Fernando Henrique Cardoso. Quem sabe um dia, talvez,
Lula reconheça que, em ambas as ocasiões, também não estava preparado
para governar o País - nem seu partido tinha quadros para tal. Afinal,
em 1994 os principais economistas de seu partido lhe asseguraram que o
Plano Real era apenas uma tentativa de estelionato eleitoral, que não
duraria mais que alguns meses. Em 1998, Lula e o PT não conseguiram
convencer o eleitorado de que tinham alguma ideia coerente sobre o que
fazer para enfrentar a crise internacional de 1997-1998 e seus efeitos
sobre o País.
Na quarta disputa (2002), Lula apareceu totalmente repaginado por uma
competente marquetagem política: o irritado líder sindical foi
substituído por um novo personagem, com visual, gestos e postura mais
tranquilizadores para a classe média e um discurso na linha do "paz e
amor". Mas a herança que o PT havia construído para si mesmo na área
econômica - a oposição ao Real, ao Proer, à Lei de Responsabilidade
Fiscal, bem como seu irresponsável empenho pelo plebiscito (de 2000!)
propondo a suspensão dos pagamentos das dívidas externa e interna -
levou à necessidade de uma gradual desconstrução dessa herança, iniciada
ainda em 2002. Mas houve segundo turno.
A quinta disputa, em 2006, já se deu num contexto internacional e
doméstico que, do ponto de vista econômico e social, favorecia
enormemente o governo, apesar dos escândalos políticos que marcaram o
período e que contribuíram para que Lula, que esperava ganhar no
primeiro turno, tivesse, outra vez, de disputar um segundo turno.
O ano de 2010 representa, em mais de um sentido, e na visão de
legiões de eleitores, uma espécie de sexta campanha presidencial com
Lula na disputa, ainda que agora por meio de interposta pessoa. Foi
exclusivamente de Lula a escolha da candidatura oficial. Foi de Lula a
decisão de transformar esta eleição num tipo de plebiscito a favor ou
contra o seu nome. É de Lula a clara definição da estratégia geral de
seu governo, expressa na litania oficial sobre as heranças malditas
pré-2003 e no "nunca antes jamais" pós-2003 - que viraram parte do nosso
folclore político.
Não adianta vozes sensatas do PT escreverem que "os ganhos obtidos
pelo Brasil a partir de 2003 se assentaram sobre avanços e resultados
realizados em governos anteriores (...). Fazer tabula rasa destas
contribuições seria atentar contra a própria história do País" (Antônio
Palocci). Ou: "Não tenho dúvidas de que o Brasil evoluiu positivamente
ao longo dos últimos 15 anos" (Paulo Bernardo).
O fato é que essa não é a visão do presidente Lula. Tampouco a de sua
candidata, que em entrevista recente nas páginas amarelas da revista
Veja respondeu com um categórico "discordo" a uma pergunta exatamente
sobre esse tema. E vai em frente, com a ladainha da "herança maldita" e
do "nunca antes" - de 2003, este suposto marco zero de uma idealizada
nova era.
É forçoso reconhecer que essa esperteza retórica (para a qual faltou
oposição política à altura), a persistência de Lula (em média, um
discurso por dia útil) e, particularmente, seu gradual aprendizado no
governo - e seus recursos - lhe renderam muitos frutos e elevada
popularidade. Mas o "imbatível carisma", o "inigualável tirocínio" e a
"genialidade política sem par", aos quais legiões hoje tecem loas, não
permitiram a Lula ganhar as eleições de 1989, 1994 e 1998 e evitar um
segundo turno em 2002 e 2006. O que mudou mais: o homem ou as
circunstâncias? A resposta é: ambos.
É claro que as circunstâncias mudaram: além de uma herança não
maldita e de uma política macroeconômica não petista (até 2006), nunca
será demais repetir - já que este governo decidiu simplesmente ignorar
fatos que não lhe convêm (e se apropriar indevidamente de outros quando
lhe convêm) - que a economia internacional teve desempenho excepcional
no quinquênio 2003-2007. O que contribuiu para a crise que se lhe
seguiu, e para a qual estávamos mais bem preparados, porque nos
beneficiamos das realizações até ali alcançadas, inclusive por este
governo.
É claro que Lula mudou, e está mudando de novo nesta reta final da
campanha, que vê como tão sua quanto de sua candidata, não hesitando em
assumir agressivamente a linha de frente da campanha, como no recente
"pronunciamento à Nação", em meio a um programa no horário eleitoral de
seu partido.
O grave não é apenas o achincalhe à Justiça Eleitoral, a perda do
"senso de medida" e a noção de que a popularidade lhe permite dizer
qualquer barbaridade, como, por exemplo, "a elite brasileira não sabia o
que era capitalismo: foi necessário um metalúrgico entrar na
Presidência para ensinar como se faz capitalismo" ou "a elite tenta dar
golpe a cada 24 horas neste país", referindo-se aos grandes jornais de
circulação diária.
Tão grave quanto é o fato de que a crise internacional de 2007-2009, e
a necessária resposta dos governos dos países desenvolvidos, foi vista
entre nós como configurando não algo temporário e "contracíclico", mas
como uma permanente mudança de paradigma, no sentido de demonstrar a
necessidade de um papel de muito maior liderança do governo - e de suas
empresas, financeiras e não financeiras (existentes e por criar), no
processo de desenvolvimento econômico do País. Ainda é forte entre nós a
ideia de que dois mais dois podem ser cinco - desde que haja vontade
política.
ECONOMISTA, FOI MINISTRO DA FAZENDA NO GOVERNO FHC
E-MAIL: MALAN@ESTADAO.COM.BR
Fonte: - O Estado de S.Paulo
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