O procedimento dos interessados em ter acesso a
declarações de renda da empresária Verônica Serra, filha do candidato
tucano ao Planalto, destoa do que, tudo indica, tenha sido o padrão
seguido nas violações do sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB,
Eduardo Jorge Caldas Pereira, e de três outras pessoas ligadas ao
ex-governador. Nesses episódios, para obter o que queriam, os predadores
da intimidade alheia contavam com afinidades políticas ou a ganância de
servidores da agência da Receita em Mauá, na Grande São Paulo - uma
verdadeira casa da mãe joana, com senhas individuais expostas e
documentos eletrônicos ao alcance das vistas de qualquer um.
No caso de Verônica Serra, que antecedeu os dos demais em cerca de
uma semana (de 30 de setembro a 8 de outubro do ano passado), o método
seguido foi mais complicado na urdidura e mais simples no trâmite final.
Alguém falsificou a assinatura da contribuinte - e o seu reconhecimento
num cartório onde ela nem sequer tinha ficha - numa solicitação de
cópia de documentos e incumbiu um tipo que habita as cercanias do Código
Penal, devidamente identificado no formulário, de apresentá-la à
Delegacia da Receita de Santo André. Ali, burocraticamente, a servidora
Lúcia de Fátima Gonçalves Milan fez o que lhe era pedido, repassando ao
titular da procuração as declarações de Verônica relativas aos
exercícios de 2007 a 2009.
Por enquanto, pode-se apenas especular sobre os porquês das
diferenças de estratagema. Mas o intuito era claramente o mesmo:
recolher material que pudesse ser usado contra Serra na sua futura
disputa com a escolhida do presidente Lula, Dilma Rousseff. Àquela
altura, no último trimestre de 2009, embora o governador paulista ainda
se negasse a assumir a pretensão e o mineiro Aécio Neves ainda não
tivesse largado mão da esperança de ser ele o candidato, já não havia
dúvidas sobre quais seriam os principais contendores da sucessão. E não
passa pela cabeça de ninguém que a turma da pesada do PT fosse esperar a
formalização das candidaturas para só então juntar papelório que
pudesse comprometer o tucano e seus aliados.
Seria, no mínimo, subestimar a capacidade de iniciativa do "setor de
inteligência" petista, como viria a ser conhecido. Principalmente porque
os responsáveis pelo trabalho sujo não precisariam gastar tempo e
energia para preparar o terreno por excelência de onde escavariam a
matéria-prima desejada. O campo da Receita Federal começou a ser
aplainado para servir aos interesses do partido quando, em 31 de julho
de 2008, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, demitiu o então
secretário do órgão, Jorge Rachid, há 5 anos e meio no cargo. Desde
então, a isenção e o profissionalismo deram lugar ao aparelhamento e à
politização das decisões do Fisco. É o que atesta o escândalo das
quebras de sigilo para fins eleitorais.
A contar da denúncia, a Receita levou praticamente duas semanas até
anunciar a abertura de inquérito administrativo sobre o vazamento de
declarações de renda de Eduardo Jorge, cópias das quais apareceram em
mãos de membros do comitê nacional de Dilma Rousseff. Depois, quando
vieram a público as demais violações, depois que a Justiça autorizou o
vice-presidente do PSDB a ter acesso aos autos da investigação, os
hierarcas da Receita, acionados pelo governo, correram a desvincular da
campanha eleitoral os ilícitos revelados. Afinal, disseram sem
enrubescer, o que havia na agência de Mauá era um "balcão de compra e
venda de dados sigilosos", movido a "propina".
Não que não fosse - outros 140 registros também foram vasculhados
ali. Se tivesse uma gota de vergonha, aliás, o secretário Otacílio
Cartaxo já teria se demitido. Eis, em suma, o que o governo Lula e a
cultura petista fizeram do Fisco: uma repartição em que o livre tráfico
de informações presumivelmente seguras sobre os contribuintes
brasileiros se entrelaça com o uso da máquina, literalmente, para
intuitos eleitorais torpes. O crime comum e o crime político se
complementam. Agora, destampada a devassa nas declarações de Verônica
Serra, vem o presidente Lula falar em "bandidagem". Se quiser saber quem
é o responsável último por essa degenerescência, basta se olhar no
espelho.
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