O Estado de S.Paulo
O governo pode considerar um sucesso a capitalização da
Petrobrás - tanto para os objetivos da empresa quanto para as ambições
do atual grupo no poder. Pelo menos um dos obstáculos à exploração do
pré-sal, o financeiro, será menos assustador a partir de agora. Com a
venda de ações no valor de R$ 120,4 bilhões, equivalentes a cerca de US$
70 bilhões, a companhia obtém um reforço importante para a execução, em
cinco anos, de investimentos estimados em US$ 224 bilhões. Além disso, o
novo capital tornará mais atraente o balanço da companhia, permitindo
reduzir a relação entre dívida e recursos próprios, a chamada
alavancagem. Para o governo, a operação propiciou, além desses objetivos
e de possíveis dividendos políticos, um aumento de participação do
setor público no capital total da empresa. A soma das fatias da União e
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deve
passar de 39,8% para cerca de 48%. Qual a vantagem dessa mudança, se a
União já detém a maioria das ações com direito a voto e, portanto, o
controle administrativo?
O assunto pode justificar uma boa polêmica, exceto quanto a um ponto:
uma participação governamental muito além da necessária para o controle
da empresa é um desperdício. Esse fato é ainda mais evidente quando se
considera o prazo de retorno dos investimentos no pré-sal. O dinheiro
aplicado além do necessário seria muito mais útil se fosse destinado a
outras finalidades. Seria fácil produzir uma lista de carências muito
importantes em vários setores.
A decisão de aumentar a participação estatal na empresa foi tomada
bem antes do lançamento das ações. Talvez faltasse definir a nova
porcentagem, mas a intenção era clara. Há poucos dias foi anunciada a
disposição do governo de garantir o dinheiro necessário à capitalização,
se o número de ações comprado pelos minoritários fosse insuficiente.
Os preços de oferta dos papéis foram fixados segundo os padrões
previsíveis, um pouco abaixo dos níveis do mercado - com redução de
1,98% para as ações ordinárias e de 1,87% para as preferenciais,
tomando-se como referência as cotações de quinta-feira. Até aí, nenhuma
surpresa. A novidade foi outra.
A Petrobrás surpreendeu os investidores ao oferecer um lote adicional
equivalente a apenas 8,7% do volume básico da operação. Pelas
informações anteriores, poderia haver uma oferta extra de 20% e, se o
total ainda fosse insuficiente, mais um lote de 5% seria posto à
disposição dos investidores. Surpreendidos, analistas e operadores
propuseram diferentes explicações para essa decisão. A Petrobrás
poderia, por exemplo, ter decidido adiar parte da oferta para aproveitar
a reação favorável do mercado, se fosse o caso. Ou talvez tivesse
reestimado a demanda. Ou talvez o anúncio anterior da oferta adicional
em duas etapas tenha sido um truque para atrair os investidores.
A demanda pode não ter sido tão grande quanto se calculou a partir
das primeiras informações. Mas, segundo novas estimativas divulgadas
ontem, a procura foi quase um terço maior que o total dos papéis
oferecidos. À tarde, o assunto continuava misterioso.
Mas esse não é o único ponto obscuro na longa e complicada história
dessa capitalização. O processo foi iniciado há mais de um ano e desde o
começo foi viciado pela decisão do governo de aumentar a presença
estatal na exploração e na produção de petróleo. Tudo se tornou ainda
mais confuso quando se estabeleceu a forma de participação do governo no
aumento de capital.
A ideia da cessão onerosa de 5 bilhões de barris de petróleo do
pré-sal criou problemas de fixação de preços e até de cálculo dos
volumes disponíveis. Esta segunda questão continua sem resposta, porque
só um furo foi feito, até agora, nas áreas selecionadas, mas as decisões
finais foram tomadas como se houvesse conhecimento suficiente.
Por esses e outros fatores, não se pode avaliar a magnitude das
apostas feitas neste momento. Os dados até agora conhecidos indicam a
existência de reservas muito grandes nas amplas áreas conhecidas como
pré-sal. Por enquanto, o risco de ingerência política nas atividades da
Petrobrás é mais preocupante que as incertezas técnicas.
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