Os parceiros comerciais do Brasil, os concorrentes e a
Organização Mundial do Comércio (OMC) pedem esclarecimentos sobre as
operações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES). Querem saber se os empréstimos são concedidos com subsídios
incompatíveis com as normas internacionais. Brasileiros também gostariam
de saber mais sobre essas operações, pouco transparentes e muito mal
justificadas por dirigentes do banco, pelo ministro da Fazenda e por
outros defensores - incluído o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, cuja
veemência na defesa do banco é mais um motivo para que se exija da
instituição a maior transparência possível.
A OMC examina periodicamente as políticas dos países sócios. É um
exercício rotineiro, mas de grande importância para os participantes do
comércio internacional. O relatório divulgado pela organização oferece
uma ampla informação sobre as condições econômicas de cada país e sobre
suas práticas comerciais. Durante as consultas, diplomatas de vários
países - e o número é tanto maior quanto maior o peso do sabatinado -
participam da formulação de perguntas e expressam suas dúvidas sobre os
temas discutidos.
Embora a consulta seja parte da rotina da OMC, o governo do país
submetido a exame tem de estar preparado para defender suas políticas e
mostrar a conformidade de suas ações com o sistema internacional de
regras. Em Genebra, sede da OMC, diplomatas manifestaram a intenção de
pressionar os colegas brasileiros para obter explicações sobre os
financiamentos à indústria. Alguns já informaram estar trabalhando num
"dossiê BNDES".
O interesse é explicável por vários fatores - o volume dos
empréstimos à indústria, os custos às vezes menores que a Taxa de Juros
de Longo Prazo (TJLP) e a importância do banco no financiamento à
exportação. Além disso, o governo brasileiro atrasou a remessa das
informações. Deveria tê-las mandado em 2009.
Segundo o diretor do Departamento Econômico do Itamaraty, Carlos
Márcio Bicalho Cozedey, o governo dará toda informação relevante, mas
deixará de notificar a maior parte dos programas do BNDES.
De acordo com a interpretação de Brasília, esses programas não
envolvem subsídio. Como são empréstimos de longo prazo e no Brasil não
existe mercado para esse tipo de financiamento, não se dispõe de um
padrão para comparar com os juros do BNDES, explica o diplomata.
Só com o debate se saberá se esse tipo de argumentação será
convincente para os diplomatas estrangeiros e para os funcionários da
OMC envolvidos na consulta. No último exame das políticas de incentivos,
americanos, europeus e argentinos pediram explicações sobre a chamada
MP do Bem, editada para aliviar a carga fiscal de indústrias
exportadoras.
O episódio da MP do Bem ilustra uma das mais importantes distorções
da política brasileira. Aquela MP não concedeu à indústria brasileira
nenhuma vantagem especial em relação às empresas concorrentes. Somente
serviu para reduzir um pouco da absurda tributação sobre as exportações
do País.
O governo já lançou outras medidas com objetivos semelhantes. O
problema em relação às normas internacionais não existiria, e ninguém
cobraria explicações, se o sistema tributário brasileiro fosse menos
irracional e mais adequado às necessidades de uma economia aberta.
Enquanto o sistema não for reformado, o governo brasileiro continuará
forçado a justificar-se perante parceiros e competidores, embora as
exportações do País sejam muito menos subsidiadas que as de várias
potências altamente desenvolvidas.
O governo tem errado, portanto, duplamente. Em primeiro lugar, por
haver negligenciado uma efetiva política de competitividade. Uma bem
desenhada reforma dos impostos seria um item essencial dessa política.
Mas o governo preferiu o caminho mais confortável e produziu remendos
muito suspeitos para o olhar estrangeiro. Em segundo lugar, errou ao
conceder financiamentos em condições favoráveis a grupos selecionados
arbitrariamente, usando para isso até recursos do Tesouro. Brasília não
deve explicações apenas na OMC. Deve-as, antes de mais nada, aos
cidadãos deste país.
Fonte: O Estado de S.Paulo
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