O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) está preocupado, pois entendeu que
satirizar um candidato na TV gera desigualdade no processo eleitoral.
Ufa! Agora os indefesos candidatos já podem respirar aliviados e se
concentrarem na campanha em que, na mesma TV, durante a propaganda
eleitoral gratuita, um terá 10 minutos a mais que o outro para expor
suas ideias. Isso sim é democrático, igualitário e... Droga... Aqui
caberia uma piada, mas não posso fazê-la.
Agora é contra a lei ridicularizar o candidato. Então, lembre-se: por mais ridículo que ele seja, guarde segredo.
Exemplo: Ainda que Collor ridiculamente ligue pra casa de um jornalista o
ameaçando de agressão, por mais tentador que seja não mire sua lupa
cômica nisso. Ele é candidato, e candidato aqui não fica exposto, fica
blindado. O TSE nao é o feirante japonês que deixa a mercadoria exposta
para que possamos apalpar e cheirar antes de levar. Ele é o coreano do
Paraguai que a deixa na vitrine. Você não toca, não cheira. Apenas paga.
Quando chegar em casa, reze antes de abrir a caixa.
Danilo Gentili (foto) diz que "muito político faz chorar com a mesma matéria-prima que o humor faz rir"
E a discussão se essa censura é ou não constitucional? Tenho fé que em
breve teremos uma resposta sensata. Logo após eles chegarem à conclusão
de outra discussão que há anos os perturbam: afinal, o fogo é ou não
quente?
O humorista pega a verdade e a exagera. Ao contrário do político, a
verdade é imprescindivel para o sucesso de seu trabalho.. E esse é o
problema. Num país onde culturalmente é bonito lucrar com a mentira, a
verdade não diverte. Assusta. Indigna.
Onde já se viu um coronel permitir que manguem de sua cara em sua
província? Então censuremos! Por isso, recentemente, tivemos imprensa
brasileira censurada, jornalista estrangeiro expulso, repórter agredida e
agora, humorista amordaçado. É melhor que o Estado defina o que pode ou
não ser passado para o público, assim o público continua passando o que
interessa para o Estado.
Aristófanes, pai da comédia antiga, exercia abertamente sua função de
fazer o público rir, criticando instituições políticas e seus
representantes. Se fosse brasileiro, hoje, Aristófanes não poderia
realizar seu ofício. A visão democrática do TSE está mais atrasada que a
da Grécia de 400 a.C.
Henri Bergson, filósofo francês, afirmou que "não há comicidade fora
daquilo que é propriamente humano. Comicidade dirige-se à inteligência
pura". Filosoficamente, o pessoal do TSE não é humano, nem inteligente o
bastante para compreender o que foi escrito há quase um século atrás.
Freud, pai da psicanálise, entendeu que "rir estrondosamente, satirizar
personagens e acontecimentos fazem parte da nossa experiência cotidiana e
é crucial pra nossa condição humana". Um século depois, temos uma lei
que impede a manifestação do cômico num evento tão importante pra
sociedade como a eleição. Psicossocialmente falando, a democracia
brasileira encontra-se retardada.
Estudos observam que primatas riem de boca aberta para manifestar raiva e
hostilidade. A evolução preservou o instinto do riso no ser humano para
que fosse a válvula de escape substituta à agressão física. A lei
eleitoral quer abafar o instinto compulsivo da piada e do riso (e sabe
lá Deus aonde isso vai pode explodir). Biologicamente, eles estão
forçando um passo atrás na escala evolutiva.
Enquanto o Brasil se orgulha de dialogar com países desenvolvidos o
suficiente para que nenhuma forma de comunicação seja restrita, a gente
fica aqui rindo das imitações de Silvio Santos, porque é o que se pode
fazer no momento. Claro, enquanto o Silvio Santos não for candidato.
Muito político faz chorar. Com a mesma matéria-prima o humorista faz
rir. Para o TSE a segunda opção é uma ameaça e precisa ser contida.
A liberdade de expressão aqui tem o mesmo conceito de liberdade do
zoológico. Faça e fale o que quiser. Você é livre! Desde que não passe
os limites da sua jaula.
Não me multem, por favor. Isso não foi uma piada.
DANILO GENTILI é comediante stand-up e repórter do CQC da Band
Fonte: Folha.com
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