O País seria outro em muitos aspectos se o presidente
Lula tivesse convocado a administração federal a fazer o que dela a
sociedade cobra com a mesma determinação empregada para fazê-la
trabalhar cada vez mais pela candidatura Dilma Rousseff. E a máquina
pública faria jus aos volumosos impostos recolhidos da população se os
devolvesse sob a forma de serviços de boa qualidade no ritmo requerido,
com o mesmo empenho e assiduidade com que se engajou na campanha
sucessória, a fim de suprir as notórias deficiências da ex-ministra no
embate eleitoral.
Fiel à sua proclamada prioridade "como presidente" este ano, não
bastou a Lula carregar a sua afilhada pelo Brasil afora em eventos ditos
administrativos, pelo que já recebeu uma penca de multas aplicadas pela
Justiça Eleitoral. Tampouco deve ter considerado suficiente sincronizar
o anúncio de medidas na área de políticas públicas com as promessas da
candidata na montagem de uma assim chamada "agenda positiva". Foi só ela
defender a intensificação do combate ao crack, por exemplo, e eis que,
num primário jogo de cartas marcadas, o Planalto apresentou o que seria
um programa nacional nesse sentido.
Com igual despudor, apostando na falta de informação e senso
crítico da parcela do eleitorado com que conta para eleger a
ex-ministra, Lula resolveu colocar o Ministério em regime de prontidão
para fazer por Dilma o que ela não conseguiria por conta própria. Na
terça-feira, ele reuniu o Gabinete para exigir de seus integrantes
dedicação plena à campanha eleitoral. "O povo brasileiro", avisou na
véspera, "merece que nós possamos concluir o trabalho que começamos."
Naturalmente, nenhum dos mobilizados há de ter tido dúvidas sobre a
natureza desse trabalho.
Coincidência ou não, no mesmo dia do comando de ordem unida dado
por Lula, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, divulgou pessoalmente um
boletim estatístico eivado de falsidades. A julgar pelos números
manipulados, o governo Lula é ainda melhor do que o seu titular diz ser e
o governo Fernando Henrique ainda pior do que o lulismo apregoa. Dados
referentes ao primeiro ano da gestão FHC, por exemplo, foram omitidos
para aumentar a diferença da variação da renda nacional per capita nos
dois governos.
As verdades distorcidas foram parar sem demora no site da
candidatura Dilma e ela mesma se valeu de uma delas (sobre a evolução do
salário mínimo) na sua vez de ser sabatinada pelo Jornal Nacional. A
operação casada prosseguiu nos dias seguintes, quando os Ministérios da
Saúde e dos Transportes contestaram fatos e números apresentados pelo
candidato oposicionista José Serra no mesmo programa. Menos de 2 horas
depois, com incomum agilidade, a Saúde divulgou nota oficial respondendo
à crítica do tucano à extinção dos mutirões criados quando chefiou a
Pasta. "Os mutirões foram incluídos na Política Nacional de Cirurgias
Eletivas, criada em 2004", diz a nota.
Com isso, segundo o governo, o número desses procedimentos
programados subiu de 1,5 milhão para 2 milhões. O texto parece ignorar
relatório oficial de março passado atestando o contrário. Em 2002,
último ano da gestão Serra, foram 484 mil cirurgias de 17 modalidades.
Em 2009, esse total caiu para 457 mil. O governo se vangloria das 319
mil operações de catarata no ano passado, ante 309 mil há 8 anos. Mas
finge desconhecer a fila de mais de 170 mil candidatos a cirurgias nas 7
maiores cidades do País, conforme revelou O Globo. Nada disso,
evidentemente, impediu o PT de anunciar no seu site que a Saúde rebatera
as "mentiras de Serra".
Já o Ministério dos Transportes negou a informação do candidato de
que, a contar de 2003, foram aplicados em estradas apenas R$ 25 bilhões
dos R$ 65 bilhões arrecadados com o imposto para obras de infraestrutura
(Cide), entre outras. A Pasta desmentiu também que a Rodovia Fernão
Dias, que liga São Paulo a Belo Horizonte, estivesse "fechada", como
afirmou Serra. O ponto não é o direito (ou o dever) dos governos de
contestar com fatos objetivos as acusações que lhe são dirigidas. Mas o
governo Lula, a pretexto de se defender, se mobiliza para fazer
propaganda enganosa com fins eleitorais.
Fonte: Agência Estado
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