Boletim de estatísticas divulgado anteontem pelo Ministério da Fazenda
apresenta números e conceitos errados ou distorcidos para inflar os
feitos do governo Luiz Inácio Lula da Silva, subestimar resultados da
gestão anterior e esconder fragilidades atuais da política econômica.
Repleto de quadros com títulos em tom otimista e gráficos destinados à
exibição em slides, o documento de 136 páginas privilegia comparações
com o passado e aborda temas que têm sido explorados pela campanha da
candidata governista ao Planalto, Dilma Rousseff (PT).
Conforme a Folha noticiou ontem, a compilação de dados foi
divulgada pelo próprio ministro Guido Mantega, algo inusual, como parte
de uma agenda de eventos oficiais favoráveis à estratégia eleitoral
petista.
Números relativos ao crescimento econômico, por exemplo, foram no mesmo dia para a página oficial da campanha de Dilma.
Em meio às centenas de cifras citadas no boletim, há desde informações
negadas pelos próprios gráficos que as ilustram até erros de cálculo --e
as contas erradas favorecem o governo.
Um caso evidente é o do quadro destinado a atestar a solidez das contas
do Tesouro Nacional, cujo texto diz que, "até 2010, já são 12 anos de
superavit acima de 2% [do Produto Interno Bruto]".
O gráfico logo abaixo mostra, neste ano, receitas de 19,9% e despesas de
18,5% do PIB ou, numa subtração simples, superavit de 1,4%.
LULA X FHC
Os números do ano passado não estão explicitados nas curvas coloridas, mas deveriam mostrar um superavit ainda menor, de 1,25%.
Mais importante, omite-se a meta oficial para o superavit federal, de
2,15% do PIB, que o governo não tem conseguido cumprir --pela primeira
vez nesta década-- mesmo com recordes de arrecadação tributária.
É falsa também a taxa de crescimento da renda per capita atribuída aos
dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), ou, seja, ao período
1995-2002.
O quadro informa o percentual de 3,5% nos oito anos, o que o texto
descreve como "praticamente estável". O cálculo, no entanto,
desconsidera o crescimento do primeiro ano tucano, que elevaria o
percentual a 6,2%.
"Deficit de transações é passageiro e não compromete crescimento", diz
título sobre o desempenho do país nas transações de bens e serviços com o
exterior. Já o quadro mostra tendência de piora desde 2005.
Mesmo quando os números usados no boletim não estão errados, outros critérios utilizados ajudam a alavancar os resultados.
A evolução do salário mínimo, em dólares, aproveita a queda da moeda
americana e produz um salto dos valores; o custo da máquina
administrativa não contabiliza gastos com pessoal e fica abaixo dos
investimentos em infraestrutura.
OUTRO LADO
A assessoria da Fazenda reconheceu haver erros e impropriedades no
boletim divulgado pelo ministro Guido Mantega, mas negou a intenção de
induzir uma leitura favorável dos dados.
A afirmação de que o superavit fiscal está acima de 2% do PIB há 12
anos, informou a pasta, foi equivocadamente incluída no quadro sobre o
governo federal.
O dado se refere aos resultados de todo o setor público, incluindo
Estados, municípios e estatais. Nesse caso, a meta de superavit, de
3,3%, também não vem sendo cumprida desde 2009.
O cálculo do crescimento da renda per capita sob FHC, afirma-se, será
corrigido, assim como a informação de que o gasto com juros acumula seis
anos de queda. A assessoria diz que, no primeiro caso, os números
continuarão mostrando forte aceleração da renda nos últimos anos; no
outro, a ideia era mostrar uma tendência.
Segundo a Fazenda, a taxa de câmbio foi escolhida para demonstrar a
evolução do salário mínimo com objetivo de variar em relação ao boletim
anterior, de maio, em que o salário mínimo era deflacionado pelo INPC,
índice usado para os reajustes anuais.
A afirmação de que o deficit nas transações de bens e serviços com o
exterior é "passageiro", argumenta-se, baseia-se na expectativa de
melhora da economia internacional, alta das exportações e ganhos futuros
como o petróleo do pré-sal.
De acordo com a Fazenda, o conceito de "custeio da máquina
administrativa" segue jargão da área técnica e não considera despesas
com pessoal, compromissos em saúde, educação e transferências de renda,
entre outros.
Fonte: Gustavo Patu - Folha.com | |||
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