Míriam Leitão e Alvaro Gribel
Então é isso? Uma eleição cuja campanha começou antes da hora
acabou antes que os votos sejam depositados na urna? A vencedora de
véspera já estendeu a mão, magnânima, à oposição; seus dois maiores
caciques começaram uma briga intestina; cargos são distribuídos entre os
partidos da base e os assessores já preparam os planos e projetos.
Fala-se do futuro como inexorável.
O quadro está amplamente
favorável a Dilma Rousseff, mas é preciso ter respeito pelo processo
eleitoral. Se pesquisa fosse voto, era bem mais simples e barato
escolher o governante. Imagina o tempo e o dinheiro poupado se
pesquisas, 30 dias antes do pleito, fossem suficientes para o processo
de escolha? A estrutura da Justiça Eleitoral, as urnas distribuídas num
país continental, mesários trabalhando o dia inteiro, computadores
contando votos; nada disso seria necessário. Mas como eleição é a
democracia num momento supremo, respeitá-la é essencial. Os que estão em
vantagem, e os que estão em desvantagem, não podem considerar o
processo terminado porque isso amputa a melhor parte da democracia,
encerra prematuramente o precioso tempo do debate e das escolhas.
Dilma
já sabe até o que fará depois de ser eleita, como disse na sexta-feira:
“A gente desarma o palanque e estende a mão para quem for pessoa de boa
vontade e quiser partilhar desse processo de transformação do Brasil.”
Os jornalistas insistiram, ela ficou no mesmo tom: “Estendo a mão para
quem quiser partilhar. Eu não sei se ele (Serra) quer. Você pergunta
para ele, se ele quiser, perfeitamente.” Avisou que se alguém recusasse,
não haveria problema: “Pode ficar sem estender a mão, como oposição
numa boa que vai ter dinheiro.” Já está até distribuindo o dinheiro
público.
Feio, muito feio. Por mais animador que seja para Dilma
os resultados da pesquisa — e deve ser difícil segurar a ansiedade — ela
deveria pensar em algumas coisas antes. Primeiro, que falta o principal
para ela ganhar: o voto na urna. Segundo, que o eleitor muda de ideia
na hora que quer, porque para isso é livre. Terceiro, que, novata em
eleição, deve seu sucesso a fatores externos a ela: o presidente Lula, o
momento econômico e a eficiência dos seus marqueteiros. Aliás, o
marketing de Dilma tem sido tão eficiente em aparar todas as arestas de
sua personalidade que criou uma pessoa que nem ela deve conhecer.
O
salto alto não é só dela, a bem da verdade. A síndrome das favas
contadas se espalha por todo o seu entorno, cada vez mais desenvolto.
Por isso já começaram a brigar os generais de cada uma das bandas:
Antonio Palocci e José Dirceu. Da última vez que brigaram, os dois
caíram. A disputa dos partidos da base de apoio pelos cargos públicos,
como se fossem os despojos da guerra já vencida, é um espetáculo que
informa muito sobre valores, critérios e métodos do grupo.
A
desenvoltura do já ganhou é tanta que até o presidente Lula, dono da
escolha autocrática de Dilma, parece meio enciumado e reclamou que já
falam dele no passado. E avisou: “Ainda tenho caneta para fazer muita
miséria.” A declaração inteira é reveladora: “Tem gente que fica falando
aqui como se eu já tivesse ido embora, mas ainda tenho quatro meses e
alguns dias de governo. Alguns falam como se eu já tivesse ido. Tem
gente que se mata para ser presidente por um dia e ainda tenho quatro
meses e alguns dias. Ainda tenho a caneta para fazer muita miséria nesse
país.”
O sentimento é um perigo. O presidente Lula já está
fazendo miséria. Atropelou o calendário eleitoral, zombou das multas na
Justiça, pôs o governo que dirige para trabalhar pela sua candidata como
se a máquina pública fosse um partido político.
Há uma lista
enorme de misérias econômicas que o governo Lula tem feito nesse final
dos tempos. Os gastos foram inchados, aumentos salariais ao
funcionalismo já foram concedidos no próximo orçamento, restos a pagar
se aproximam dos R$ 100 bilhões, projetos são precipitados sem análise
de risco, o Tesouro vai emitir uma montanha de dívida para capitalizar a
principal estatal. Enfim, o governo no finalzinho não lembra em nada o
comedido início. Aliás, a razão da briga entre os generais José Dirceu e
Palocci é exatamente esse ponto: se é melhor ter uma cara de
austeridade, ou continuar fazendo miséria.
O curioso da
insegurança que bateu no presidente Lula é que foi ele mesmo que
explicitou o clima de “fui” na campanha de Dilma Rousseff com aquele
filmete do: “entrego em suas mãos.”
Na sexta, Dilma disse mais:
“Meu projeto político é ficar quatro anos. Na próxima eleição, digo o
resto do projeto.” Então ela já começou a pensar na eleição de 2014? Mas
pelos cálculos petistas, a história brasileira está decidida até 2022. É
Dilma, agora. Depois, Lula em dois mandatos. Está tudo decidido para os
próximos doze anos. O país teria assim um período de 20 anos de governo
petista.
Quando Dilma brigou com Palocci em 2005 e disse que o
projeto de zerar o déficit público era rudimentar, ela usou a conhecida
expressão de Garrincha: “Falta combinar com os russos.” Agora, falta
combinar com os brasileiros.
Fonte: oglobo.com
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