Editorial Folha de S. Paulo
Notícia de que sigilo fiscal de mais três tucanos foi violado expõe de
maneira didática o aparelhamento do Estado em prol de interesses
partidários
Sabe-se, desde ontem, que Eduardo Jorge Caldas Pereira, vice-presidente do
PSDB, não foi a única vítima da ação criminosa de funcionários da Receita
Federal.
Além dele, tiveram os seus sigilos fiscais violados três outros nomes ligados
ao PSDB: Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro do governo Fernando
Henrique Cardoso; Ricardo Sérgio, ex-diretor da Previ; e Gregorio Marin
Preciado, parente do candidato tucano à Presidência, José Serra.
O caso, que já era grave, assume agora contornos escandalosos. Conforme a
Folha noticiou em junho, os dados fiscais do dirigente do PSDB constavam de
dossiê confeccionado pelo "grupo de inteligência" da campanha presidencial de
Dilma Rousseff.
Caracteriza-se, agora de maneira cristalina, uma operação ilegal urdida no
interior do organismo estatal com a intenção inequívoca de atingir José Serra,
de quem todas as figuras envolvidas são ou foram próximas.
Consta que as informações do Imposto de Renda dos tucanos foram acessadas,
sem nenhuma motivação profissional, nos terminais de agentes do fisco de Mauá
(SP), local onde foram feitas as cópias das declarações de EJ.
Estamos diante de um caso exemplar de "aparelhamento do Estado", expressão
que, de tão rotinizada, perdera o impacto que o novo escândalo lhe restitui.
Mais do que a simples ocupação fisiológica da máquina, o que se tem neste
didático episódio de aparelhamento são servidores públicos delinquindo no
exercício de suas funções em benefício do partido.
Não se trata de ocorrência isolada. Não estamos diante de um deslize, mas de
um método.
Recorde-se o grupo de petistas flagrados em 2006, num hotel em São Paulo, com
uma montanha de dinheiro de origem equívoca ao que tudo indica destinado a
comprar dossiê contra o mesmo Serra, então candidato ao governo.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva os batizou à época como "aloprados".
Sob a aparência de reprimenda, é uma maneira de tratá-los como inimputáveis. O
apelido já traduz algo da temerária leviandade com que o chefe do Executivo tem
relevado atos de delinquência praticados por servidores e militantes, cada vez
menos discerníveis uns dos outros.
O escândalo agora em tela guarda óbvia semelhança com a violação do sigilo
bancário do caseiro Francenildo Costa, o episódio talvez mais simbólico do
atropelo das garantias individuais por agentes graduados de um Estado posto a
serviço de seus membros.
A sucessão desses acontecimentos se beneficia do ambiente de impunidade que
este governo desde o início cultivou para os seus apaniguados -e que só fez
aumentar, à sombra da popularidade asiática do presidente.
A aclamação de Lula e da candidata que inventou para lhe suceder não pode
tornar cidadãos (ontem o caseiro, hoje os adversários, amanhã quem?) reféns da
sanha de um Estado desvirtuado por interesses particulares.
Se dependesse de alguns setores que compõem o atual grupo dominante, não há
dúvida de que o país caminharia na direção de um regime de vigilância policial.
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