A meta tucana é dar uma guinada, para longe do Irã, de Chávez, de Cuba. E com o comércio gerido por uma SuperCamex, sem o Itamaraty
Rever o Mercosul, afastar-se de países não-democráticos como Cuba,
Irã e ditaduras africanas, e abandonar o viés ideológico da política
comercial são as linhas-mestras da plataforma de política externa do
candidato José Serra (PSDB). Mas o assunto está longe de ter um grande
destaque nas propostas de governo dos dois candidatos da oposição.
Mas, segundo apurou o Estado, as diretrizes do
tucano vão propor a flexibilização do Mercosul, liberando o Brasil para
buscar acordos bilaterais, e a criação de uma SuperCamex, nos moldes do
United States Trade Representative (USTR), que daria à política
comercial do País status de ministério, subordinado à Presidência. De
quebra, seria uma maneira de "despolitizar" a política comercial e
acabar com a grande influência do Itamaraty sobre o assunto.
Não existe um núcleo formal dentro da campanha de Serra para
debater o assunto, mas há três nomes ouvidos pelo candidato e que
apresentam sugestões. Na área de comércio exterior, Rubens Barbosa,
ex-embaixador do Brasil em Washington e atual presidente do Conselho
Superior de Comércio Exterior da FIESP, e Roberto Giannetti da Fonseca,
diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior
(Derex) da FIESP e ex-secretário executivo da Camex no governo FHC. Para
política externa, o mais ouvido é Sérgio Amaral, que foi porta-voz do
governo FHC e cotado para ser chanceler em um eventual governo tucano.
Xico Graziano, o coordenador do programa de governo de Serra,
supervisiona.
Os tucanos minimizam a política de diversificar os destinos de
exportação brasileira, uma das grandes bandeiras do governo Lula. Para
os petistas, foi essa diversificação que permitiu ao Brasil passar quase
incólume pela crise financeira mundial. Os tucanos afirmam que a
estratégia seguiu motivos políticos e não trouxe benefícios concretos,
pois as vendas para África e Oriente Médio, por exemplo, continuam sendo
minúsculas. Uma aposta mais acertada, argumentam, seria aprofundar os
acordos na América do Sul, liberar o Brasil para mais acordos bilaterais
e intensificar as relações com os EUA.
Na visão dos tucanos, a diplomacia da era Lula associou o Brasil a
nações não democráticas, prejudicando seu "soft power" e sua capacidade
de liderança global. Serra já afirmou que o líder iraniano Mahmoud
Ahmadinejad, integra a "turma de ditadores" da história, como Adolf
Hitler e Josef Stalin. "O que ganhamos com essa aproximação? Nada. E
perdemos muito em imagem e credibilidade", diz Sérgio Amaral. "Este
governo tem a tendência de ver o mundo através de afinidades
ideológicas, e nem sempre é assim."
Para Amaral, apostar no G-20 é exemplo de atuação construtiva do
Brasil, que deve se aprofundar, enquanto associar-se ao Irã na questão
nuclear não é. Os tucanos minimizam o fato de o Brasil ter adquirido um
destaque maior no cenário internacional durante o governo Lula. As
diretrizes de Serra devem abordar o que a campanha chama de "falso
protagonismo" do Brasil, ao se oferecer de mediador de assuntos
polêmicos como o conflito do Oriente Médio e a questão nuclear no Irã.
Amaral admite que o carisma do presidente Lula ajudou o Brasil a
conseguir mais espaço no cenário internacional, mas entende que os
presidentes dos outros países são pragmáticos. "Se o novo presidente,
seja quem for, levar adiante políticas que são importantes, será
respeitado internacionalmente", diz . Sua avaliação é que o Brasil tem a
desempenhar, na América do Sul, um papel que até agora não conseguiu.
"Se você não consegue propor uma visão para a América do Sul e atuar em
conflitos aqui, como o das papeleiras (conflito entre Uruguai e
Argentina por causa de instalação de indústrias de celulose na
fronteira), qual é o sentido de tentar resolver o conflito no Oriente
Médio?"
A cobrança já foi comentada por José Eduardo Dutra, presidente do
PT. "O efeito principal da política externa se dá na economia, nas
relações comerciais. Dizia-se que, se a gente não embarcasse na Alca,
seria uma tragédia para o Brasil. A Alca já foi sepultada. E qual o
resultado de nossa política externa? Até 2002, 60% das exportações
brasileiras eram para a União Europeia, Estados Unidos e Japão. Hoje,
esses três representam menos de 40%. Tivemos uma diversificação que
permitiu um desempenho melhor durante a crise."
Um dos projetos centrais dos tucanos, em um eventual governo Serra,
é despolitizar a política comercial - criando uma SuperCamex, órgão com
status de ministério dedicado a conduzir a política comercial do País.
"Hoje em dia, o Itamaraty tem o controle da política comercial", diz
Rubens Barbosa.
"Queremos uma espécie de USTR, subordinado à Presidência, que seria
uma Camex fortalecida." Para Barbosa e Roberto Giannetti, a Camex vive
relegada a um comando de terceiro escalão. Se fosse promovida a
ministério, daria maior prioridade à política comercial. "Os outros
ministérios como o da Agricultura e o Itamaraty, precisam se subordinar à
Camex para decisões de comércio exterior", diz Barbosa. "Se o
Itamaraty, por exemplo, quer um acordo com a Rússia, precisa passar pela
Camex." Uma ideia seria o próprio Serra coordenar essa SuperCamex nos
primeiros seis meses de governo.
O candidato tucano avalia que o Mercosul tem falhas graves.
Define-o como "uma farsa" e "uma barreira para que o Brasil possa fazer
acordos comerciais". Não se trata de extingui-lo, avisa Rubens Barbosa,
mas de flexibilizá-lo: "Precisamos liberar o País para procurar acordos
bilaterais". Hoje em dia, o Mercosul é uma união aduaneira, estrutura
que exige concordância de todos os sócios para se fechar um acordo
comercial, e uma tarifa externa comum para importação de terceiros
países. Giannetti e Barbosa defendem retroceder a um estágio anterior,
apenas de livre comércio, liberando os países do bloco para fazer
acordos bilaterais.
Essa ideia de flexibilização deverá constar das diretrizes de
política externa do programa de Serra. "Nos últimos cinco anos, 100
acordos bilaterais de comércio foram fechados no mundo, mas o Brasil
fechou apenas um, com Israel", diz o texto proposto.
Na relação com a Argentina, os tucanos pregam um endurecimento.
Esse país, na avaliação de Barbosa, "está desrespeitando regras da
Organização Mundial de Comércio (OMC), violando o tratado com as
sucessivas medidas protecionistas contra produtos brasileiros". A
decisão do governo brasileiro de ceder ao Paraguai na renegociação das
tarifas de energia excedente de Itaipu é para ele "outro exemplo da
política de generosidade do governo".
Serra também tem feito críticas ao governo do presidente boliviano
Evo Morales: os bolivianos, em seu entender, estariam fazendo "corpo
mole" em relação ao tráfico de drogas e o governo seria "cúmplice"
disso. O governo Lula reagiu com ironias. "Serra está tentando ser o
exterminador do futuro da política externa. Já destruiu o Mercosul, quer
destruir nosso relacionamento com a Bolívia e já disse que Mahmoud
Ahmadinejad é um Hitler", comentou o assessor especial da Presidência
Marco Aurélio Garcia.
O melhor caminho, segundo os tucanos, seria aprofundar os acordos
existentes na América do Sul, enquanto se buscam novos acordos
bilaterais. E Amaral diz que é preciso fazer valer as regras do bloco.
"A Argentina impõe barreiras, nós entendemos. A Bolívia se apropria da
Petrobrás, o Brasil entende. Não dá para só compreender e tolerar; sendo
condescendentes com a violação das regras, nós estamos desfazendo as
instituições do bloco", diz o ex-porta-voz de FHC.
A Rodada Doha de negociações comerciais, outra prioridade no
governo Lula, poderia ficar de molho em um governo tucano. "No governo
Lula, ficaram oito anos preocupados com Doha e descuidaram do resto",
ataca Barbosa. "A ideia é esquecer Doha por enquanto e agilizar acordos
bilaterais", sugere Amaral. O governo atual, diz ele, orienta-se "por
uma realidade ultrapassada, com uma mentalidade pré-fim da Guerra Fria".
Um exemplo disso, segundo ele, são as alianças de países de Terceiro
Mundo para chegar a mudanças. A China fez outra coisa: "Abandonou essa
visão norte e sul e atua em simbiose com os EUA. A Índia também, e foi
reconhecida como potência nuclear ao assinar um acordo nuclear com
Washington."
Ele também acha que está na hora de o Brasil reativar o
relacionamento com os EUA. "Por muito tempo os EUA foram vistos com
desconfiança, e com motivo, por causa de suas ingerências em questões
financeiras, de comércio e política interna dos países da região", diz.
"Mas hoje as circunstâncias são totalmente diferentes. O novo presidente
tem uma proposta de não ingerência nos assuntos dos países, de
multilateralismo. Ele representa muito do que nós queríamos. Podemos
adotar uma política de confiança."
A relação com a Casa Branca, que azedou após divergências no caso
de Honduras e do Irã, precisa ser resgatada, acredita a oposição. O
Brasil costurou com a Turquia um acordo para troca de combustível
nuclear do Irã. Para os EUA, o acordo era insuficiente e ameaçava o
consenso necessário à adoção de sanções contra os iranianos no Conselho
de Segurança da ONU. A posição do Departamento de Estado era que o
Brasil mostrava-se "ingênuo" e estava sendo usado pelo Irã - cujo
objetivo, segundo eles, era apenas ganhar tempo. A secretária de Estado
americana , Hillary Clinton, anunciou sanções um dia depois de o
Itamaraty comemorar o acordo com a Turquia - o que irritou profundamente
o governo brasileiro.
Essa decisão deu origem a várias críticas contra o presidente
Barack Obama. O governo brasileiro se sentiu traído pela Casa Branca,
que não esperou os resultados do acordo mediado pelo Brasil. Lula
entendeu que Obama estava dando um tiro no pé ao endurecer contra o Irã.
"Não foi uma atitude de quem ganhou o Nobel da Paz", afirmou.
Outra divergência ocorre no caso de Honduras. Os americanos acham
que o Brasil tem sido duro demais com o presidente eleito, Porfírio
Lobo, e intransigente em sua defesa do líder deposto Manuel Zelaya - o
que estaria atrapalhando a reconstrução da estabilidade política dos
hondurenhos.
A Casa Branca vê os movimentos do Brasil com reservas. Uma das
consequências disso é que a visita de Obama ao País deve ficar para o
próximo governo. Amaral resume o impasse: "Não dá para ter uma política
de defesa da democracia em Honduras, e uma diferente em Cuba".
Fonte: Patrícia Campos Mello - O Estado de S.Paulo
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