Presença do Estado e do presidente no processo eleitoral: um fato sem precedentes no Brasil



por Bolívar Lamounier
 
Anuncia-se que Lula será o “apresentador” de Dilma Roussef na propaganda gratuita pelo rádio e pela televisão que começa a 17 de agosto. Pelo visto o presidente planeja uma espécie de clímax, uma vez que já vem participando intensamente da campanha há bastante tempo. Esse agigantamento da intervenção do Executivo na eleição é um fato sem precedente na história política brasileira. Para bem ressaltá-lo, é útil distinguir dois aspectos, a preponderância do Estado sobre a sociedade e a participação do presidente no processo eleitoral, especificamente.

Uso o termo “sociedade” para designar o conjunto do setor econômico privado, as organizações profissionais, religiosas e outras, as instituições educacionais, notadamente as universidades etc.[

Assim, voltando ao assunto, a preponderância do Estado é um traço permanente de nossa história. Foi estudado por muitos autores importantes, como Simon Schwartzman, o mais recente, no livro Bases do Autoritarismo Brasileiro (Editora Campus, 1982). Nos países  adiantados, a sociedade tem força suficiente para contrabalançar a do Estado.  Isto é especialmente claro nos Estados Unidos. Lá, o governo é fortíssimo, claro, mas a sociedade também o é. No Brasil, ao contrário, a máquina pública  exerce uma força de gravitação avassaladora. De um lado – “de baixo para cima, melhor dizendo -, todos os atores políticos querem participar dela, exercer influência por dentro dela – não por fora, contrapondo-se a ela e  tentando firmar um status de liderança diretamente na sociedade. Tempos atrás, fantasiava-se que a Fiesp seria um contraponto privado importante.  Na imprensa, ela costumava ser chamada a “poderosa Fiesp”. 

Com a rotinização da democracia e das disputas eleitorais, a percepção é outra. Hoje, a real dimensão dela aparece na quixotesca candidatura de Paulo Skaf ao governo de São Paulo. De cima para baixo, o Estado maneja um impressionante arsenal de recursos. Pode distribuir bondades sem fim – através dos bancos oficiais, por exemplo, dos quais nem as grandes empresas conseguem prescindir. Mas o fato novo são os programas sociais, Bolsa Família à frente, que o governo Lula soube transformar  em potentíssimas armas eleitorais.

O segundo aspecto a notar é a invasão do processo eleitoral pela figura pessoal do chefe do Estado.
Interferência o chefe de Estado sempre exerceu, desde o Império. Exerceu ou tentou exercer. Mas nunca nessa extensão. Na Primeira República (1889-1930), a “situação” -  ou seja, os governantes e seus aliados nos planos federal e estadual – esmagavam a oposição. Eram poucas as exceções a esta regra. No Rio Grande do Sul ela não funcionava. E houve períodos em que a governabilidade foi mantida à custa de considerável truculência ; no governo Arthur Bernardes (1922-1926), o estado de sítio vigorou do começo ao fim. De 1930 em diante, Getúlio sofreu forte oposição enquanto aprendia a manejar as rédeas do poder, mas a oposição começa a empalidecer a partir de 1935 e praticamente desaparece, é óbvio, de 1937 a 1945, período da ditadura. Em 1950 Getúlio consegue se eleger, mas mal consegue governar. Há uma crise permanente, cujo desfecho foi o suicídio, a 24 de agosto de 1954.  Juscelino Kubitschek, dono de uma personalidade afável, perfil de verdadeiro democrata, não interferiu no processo eleitoral. Não tentou ou não tinha como fazer o sucessor.  O eleito,  Jânio Quadros, fazia o gênero do oposicionista destemperado. Ao período militar este enfoque obviamente não se aplica. No novo período democrático que se estabelece a partir de 1945, nenhum dos presidentes, de Sarney e Collor não teriam condições de intervir, Itamar e Fernando Henrique também não, mas não interfeririam, ainda que as tivessem, pois tampouco tinham tal perfil.

Lula é portanto um fato eleitoral inteiramente novo no Brasil. Ele fabricou, literalmente, a candidata. Forçou-a  goela abaixo ao  PT.  Transferiu-lhe  praticamente todo o cabedal de votos que ela ora possui. E pretende concluir a obra no horário eleitoral gratuito, daqui a três semanas.   Criou, portanto, o papel de um presidente super-intervencionista na política eleitoral e especificamente no processo sucessório. Se o criou para o bem ou para o mal, é cedo para dizer.

UMAS  E OUTRAS

•    A foto de Chávez e Maradona  lado a lado, em postura meio marcial, é de um ridículo atroz.

•    O Datafolha deste fim de semana mostrou que 54%  dos eleitores opõem-se ao projeto que proíbe aplicar castigos corporais aos filhos. A maioria dos pais diz que levou palmadas ou beliscões na infância e que já os deu alguma vez em seus  filhos.  Isto lembra um pouco o fiasco do plebiscito sobre desarmamento. Em abstrato, a causa é das mais louváveis, mas em concreto as pessoas parecem rejeitar enfaticamente a intervenção do Estado em sua esfera privada e familiar.

•    Será que os analistas políticos não deviam ter um talismã, uma figura ou símbolo qualquer que os identifique ? Se resolverem adotar algum, eu desde já sugiro  o Lóris Delgado, aquele bichinho simpático que foi fotografado pela primeira vez há poucos dias. Sua característica principal são os olhos enormes, que lhe permitem enxergar  no meio da noite.

Fonte: Portal Exame

Comentários