por Bolívar Lamounier
Uso o termo “sociedade” para designar o conjunto do setor econômico
privado, as organizações profissionais, religiosas e outras, as
instituições educacionais, notadamente as universidades etc.[
Assim, voltando ao assunto, a preponderância do Estado é um traço
permanente de nossa história. Foi estudado por muitos autores
importantes, como Simon Schwartzman, o mais recente, no livro Bases do
Autoritarismo Brasileiro (Editora Campus, 1982). Nos países adiantados,
a sociedade tem força suficiente para contrabalançar a do Estado. Isto
é especialmente claro nos Estados Unidos. Lá, o governo é fortíssimo,
claro, mas a sociedade também o é. No Brasil, ao contrário, a máquina
pública exerce uma força de gravitação avassaladora. De um lado – “de
baixo para cima, melhor dizendo -, todos os atores políticos querem
participar dela, exercer influência por dentro dela – não por fora,
contrapondo-se a ela e tentando firmar um status de liderança
diretamente na sociedade. Tempos atrás, fantasiava-se que a Fiesp seria
um contraponto privado importante. Na imprensa, ela costumava ser
chamada a “poderosa Fiesp”.
Com a rotinização da democracia e das
disputas eleitorais, a percepção é outra. Hoje, a real dimensão dela
aparece na quixotesca candidatura de Paulo Skaf ao governo de São Paulo.
De cima para baixo, o Estado maneja um impressionante arsenal de
recursos. Pode distribuir bondades sem fim – através dos bancos
oficiais, por exemplo, dos quais nem as grandes empresas conseguem
prescindir. Mas o fato novo são os programas sociais, Bolsa Família à
frente, que o governo Lula soube transformar em potentíssimas armas
eleitorais.
O segundo aspecto a notar é a invasão do processo eleitoral pela figura pessoal do chefe do Estado.
Interferência o chefe de Estado sempre exerceu, desde o Império.
Exerceu ou tentou exercer. Mas nunca nessa extensão. Na Primeira
República (1889-1930), a “situação” - ou seja, os governantes e seus
aliados nos planos federal e estadual – esmagavam a oposição. Eram
poucas as exceções a esta regra. No Rio Grande do Sul ela não
funcionava. E houve períodos em que a governabilidade foi mantida à
custa de considerável truculência ; no governo Arthur Bernardes
(1922-1926), o estado de sítio vigorou do começo ao fim. De 1930 em
diante, Getúlio sofreu forte oposição enquanto aprendia a manejar as
rédeas do poder, mas a oposição começa a empalidecer a partir de 1935 e
praticamente desaparece, é óbvio, de 1937 a 1945, período da ditadura.
Em 1950 Getúlio consegue se eleger, mas mal consegue governar. Há uma
crise permanente, cujo desfecho foi o suicídio, a 24 de agosto de 1954.
Juscelino Kubitschek, dono de uma personalidade afável, perfil de
verdadeiro democrata, não interferiu no processo eleitoral. Não tentou
ou não tinha como fazer o sucessor. O eleito, Jânio Quadros, fazia o
gênero do oposicionista destemperado. Ao período militar este enfoque
obviamente não se aplica. No novo período democrático que se estabelece a
partir de 1945, nenhum dos presidentes, de Sarney e Collor não teriam
condições de intervir, Itamar e Fernando Henrique também não, mas não
interfeririam, ainda que as tivessem, pois tampouco tinham tal perfil.
Lula é portanto um fato eleitoral inteiramente novo no Brasil. Ele
fabricou, literalmente, a candidata. Forçou-a goela abaixo ao PT.
Transferiu-lhe praticamente todo o cabedal de votos que ela ora possui.
E pretende concluir a obra no horário eleitoral gratuito, daqui a três
semanas. Criou, portanto, o papel de um presidente
super-intervencionista na política eleitoral e especificamente no
processo sucessório. Se o criou para o bem ou para o mal, é cedo para
dizer.
UMAS E OUTRAS
• A foto de Chávez e Maradona lado a lado, em postura meio marcial, é de um ridículo atroz.
• O Datafolha deste fim de semana mostrou que 54% dos eleitores
opõem-se ao projeto que proíbe aplicar castigos corporais aos filhos. A
maioria dos pais diz que levou palmadas ou beliscões na infância e que
já os deu alguma vez em seus filhos. Isto lembra um pouco o fiasco do
plebiscito sobre desarmamento. Em abstrato, a causa é das mais
louváveis, mas em concreto as pessoas parecem rejeitar enfaticamente a
intervenção do Estado em sua esfera privada e familiar.
• Será que os analistas políticos não deviam ter um talismã, uma figura ou símbolo qualquer que os identifique ? Se resolverem adotar algum, eu desde já sugiro o Lóris Delgado, aquele bichinho simpático que foi fotografado pela primeira vez há poucos dias. Sua característica principal são os olhos enormes, que lhe permitem enxergar no meio da noite.
Fonte: Portal Exame
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