O presidente que exige uma mulher no Planalto nega socorro à mulher condenada à morte por apedrejamento
Até na morte por apedrejamento o Irã dos
aiatolás consegue ser mais brutal com as mulheres. Os homens, enterrados
até a cintura, ficam com os braços livres para proteger o rosto. Nem
isso será permitido a Sakineh Mohammadi Ashtiani, viúva de 43 anos, já
punida com 99 chibatadas e agora à espera do ritual instituído em 1983. O
Código Penal determina que as mulheres sejam enterradas até a altura do
busto, com as mãos amarradas por cordas e o corpo envolvido por um
tecido. Não podem sequer defender-se das pedras atiradas a curta
distância sob o olhar da multidão reunida na praça.
O grupo de executores, liderado pelo juiz que assinou a sentença,
inclui os jurados que ordenaram a condenação, parentes da vítima,
figurões da comunidade e voluntários anônimos. Todos são homens: no
Irã, mulheres não apedrejam; só podem ser apedrejadas. Para que a
plateia não se sinta frustrada pela morte rápida, as pedras que
circundam o alvo são pequenas. O juiz atira a primeira. A agonia que se
encerra com o traumatismo craniano não dura menos que uma hora.
Tanto pelo espetáculo da perversidade primitiva quanto pela ausência
de motivos para a condenação, o caso de Sakineh provocou uma intensa
mobilização na internet. Como em quase todos os países, multidões de
brasileiros decidiram lutar pelo cancelamento do espetáculo da barbárie.
E alguém teve a ideia de lançar a campanha “Liga, Lula”, inspirada na
convicção de que Mahmoud Ahmadinejad não se negaria a atender a um
pedido de clemência formulado pelo amigo brasileiro.
Lula também acha que ouviria um sim. Mas não vai ligar. Caso ligasse,
não iria além de observações sobre o método escolhido para o
assassinato. “Eu, sinceramente, não acho que nenhuma mulher deveria ser
apedrejada por conta de… ter, sabe, traição”, gaguejou nesta
quarta-feira. Adultério – ou “traição”, prefere Lula – não chega a ser
um crime hediondo, certo? Se é assim, estariam am de bom tamanho a
cadeira elétrica, uma injeção letal, a câmara de gás, até mesmo a forca.
Matar a pedradas pode parecer um exagero aos olhos dos ocidentais,
talvez ponderasse na conversa telefônica.
Mas a conversa não haverá, sublinhou a continuação da discurseira.
“Um presidente da República não pode ficar na internet atendendo tudo
que alguém pede de outro país”, justificou-se. “Veja, eu pedi pela
francesa e pelos americanos que estão lá, pedi para a Indonésia por um
brasileiro, pedi para a Síria por quatro. É preciso cuidado, porque as
pessoas têm leis, as pessoas têm regras, as pessoas, sabe… Se começam a
desobedecer as leis deles para atender o pedido de presidentes, vira
uma avacalhação”.
Avacalhar quer dizer desmoralizar, ridicularizar, tratar
desleixadamente, não levar a sério. Não combina com a história de
Sakineh. Mas a expressão usada pelo campeão da vulgaridade se ajusta
admiravelmente ao próprio governo: a Era Lula é uma avacalhação. Há
sete anos e meio, em seus vários significados, o verbo é conjugado o
tempo todo pelo governo em geral e pelos condutores da política externa
em particular.
Lula se desmoraliza ao tratar como problema político uma causa
humanitária. Para defender o parceiro, virou ajudante de carrasco. Não
pode ser levado a sério alguém incapaz de compreender que os direitos
humanos prevalecem sobre todas as leis ou regras. Lula encara dramas com
desleixo e participa de chanchadas com muita aplicação. É ridícula,
enfim, a argumentação invocada para mascarar a verdade escancarada. Para
recusar ou endossar pedidos, para estuprar ou tratar respeitosamente
normas legais, Lula não se orienta por princípios. Segue a partitura do
hino à avacalhação.
O que importa é a conveniência eleitoreira, o parentesco ideológico,
a cumplicidade mafiosa. Fidel Castro, por exemplo, emplacou três
pedidos em três anos. Foi para atender ao ditador-de-adidas que o
presidente autorizou a deportação dos pugilistas Guillermo Rigondeaux e
Erislandy Lara, fez que não leu a carta da blogueira Yoani Sanchez e
acusou o preso político Orlando Zapata de se se deixar morrer no 85° dia
da greve de fome. Hugo Chávez emplaca todos, até os que declamados ao
som da lira do delírio. Foi para agradar ao bolívar-de-hospício que Lula
violentou as leis de Honduras e transformou em pensão a embaixada
brasileira. É para ajudar o comparsa venezuelano que hostiliza o governo
colombiano e afaga as FARC.
Para eleger Dilma Rousseff, tornou-se um colecionador de
delinquências eleitorais. Para fechar negócio com José Sarney,
promoveu-o a homem incomum. Para chegar à presidência, exigiu que os
corruptos fossem justiçados. Para consolidar-se no poder, tratou de
nomeá-los amigos de infância. No momento em que se recusou a estender a
mão a Sakineh em respeito às leis do Irã, estava ajudando Hugo Chávez a
desrespeitar as leis da Colômbia. Enquanto o chefe adulava os
narcoterroristas das FARC, o ministro Celso Amorim tentava estuprar a
legislação israelense que proíbe a entrada na Faixa de Gaza de
autoridades estrangeiras que podem ser utilizadas pelo Hamas como peças
de propaganda.
Lula acha que uma brasileira merece a Presidência sobretudo por ser
mulher. Mas acha que não merece misericórdia uma iraniana que só foi
condenada à morte por apedrejamento porque é mulher. Anda chorando
quando lembra que a longa temporada no poder está acabando. Não se
comove com a prisioneira angustiada com a aproximação do fim macabro.
Pune brasileiros que dão palmadas nos filhos. Absolve iranianos que
matam a pedradas.
O candidato sem chances ao Nobel da Paz nem imagina o que é um
humanista. Desde sempre fez a opção preferencial pelos pastores da
violência. Dilma Rousseff acha que todas as mulheres devem apoiá-la
porque é mulher. Não deu um pio sobre a saga da iraniana que vai morrer
por ser mulher. Lula só pensa em Lula. Dilma não consegue pensar.
Como Sakineh, o Brasil merece e precisa ser salvo. Ela depende da
solidariedade internacional para livrar-se do horror. O país só depende
da sensatez dos brasileiros.
Fonte: Augusto Nunes - Veja.com
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