Sandra Cureau. Subprocuradora-geral da República
Logo depois das eleições estaduais de 1986, um jornal do
Rio Grande do Sul apontou Sandra Cureau como uma das perdedoras do
pleito, por não ter conseguido conter os abusos na propaganda dos
candidatos. Era a primeira experiência de Cureau como procuradora
eleitoral. Quase 25 anos depois, investida no papel de xerife da eleição
presidencial, a subprocuradora-geral da República desabafa: "Não dá
para fazer milagre".
A dose de realismo que ganhou com o tempo não lhe tirou a disposição
para a tarefa de ver cumprida a lei.
Sandra Cureau - ela costuma escrever "Quirrô" para os que têm
dificuldade de pronunciar o sobrenome francês - é personagem nas multas
já aplicadas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva por propaganda
antecipada. "Não sou eu quem multa, ele é que não consegue ficar com a
boca calada", justifica a subprocuradora.
A atuação até aqui tem lhe valido ataques constantes na internet,
disparados sobretudo por simpatizantes da candidatura petista. Entre os
comentários mais amenos contra ela na blogosfera, o "blog da Dilma",
autointitulado "o maior portal da Dilma Rousseff (candidata petista à
Presidência) na internet", sugere que a subprocuradora é partidária do
adversário tucano José Serra, "ave com plumagem colorida, de bico torto e
virado para a direita".
"Jeitinho". "Fiquei muito chateada quando resolveram colocar a minha
família no meio. Não tem nada a ver, estou cumprindo o meu dever, não
estou perseguindo ninguém", reagiu Cureau. "Eu representei contra todos
os candidatos que já lançaram a candidatura, na proporção dos ilícitos
cometidos", completou a subprocuradora. Ela também já pediu punição para
José Serra, o PSDB e Marina Silva, do PV.
Para a propaganda fora de época, problema mais comum na fase da
pré-campanha, a lei eleitoral prevê o pagamento de multa de até R$ 25
mil. Nenhuma das multas aplicadas neste ano pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) atingiu o valor máximo. Sandra Cureau avalia que a
propaganda extemporânea é um fato grave, mas de consequências
praticamente nulas do ponto de vista da Justiça eleitoral.
"Aí vale a tradição do jeitinho. Os candidatos a cargos maiores têm
bons advogados e recorrem, recorrem, recorrem. Ou então pagam a multa. A
multa é barata: é mais negócio pagar a multa e ver o candidato subir
nas pesquisas", teoriza a ex-estudante de direito da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul e atual doutoranda pela Universidade de
Buenos Aires.
Ex-militante. Política é uma de suas paixões desde a época do grêmio
estudantil no Colégio Estadual Júlio de Castilhos. No dia do golpe
militar de 64, a adolescente Sandra Cureau estava entre os alunos que
movimentaram a emissora Juliana, pelo serviço de alto-falantes da
escola. Enquanto as emissoras de rádio da cidade estavam fora do ar, a
Juliana convocava os alunos a refletir sobre o início do regime militar
(1964-1985).
Hoje, em momentos de maior tensão, a subprocuradora recorre aos
romances policiais, outra paixão. No momento, ela lê A Farsa, do
norte-americano Christopher Reich. O personagem principal é um médico,
que descobre uma segunda identidade da mulher depois da morte dela. Uma
avalanche nos Alpes muda o destino do personagem e dá início a uma
grande investigação.
Sandra Cureau conta com apenas 14 assessores para o trabalho de
fiscalizar as eleições presidenciais, já incluída uma estagiária. É um
time menor, por exemplo, do que o de advogados do PT e do governo
envolvidos no processo eleitoral.
Caixa 2. Algumas investigações são missão quase impossível, avalia a
subprocuradora, como buscar rastros de dinheiro de origem ilícita no
pleito. "Dá para imaginar uma eleição sem caixa 2?", pergunta a
repórter. Cureau: "Tinha de dar, mas desse jeito, é muito difícil, a
gente continua batendo num problema que é a quebra do sigilo".
Com vista para o céu imenso de Brasília e as águas do Lago Paranoá, o
gabinete de Sandra Cureau acumula pilhas de papel. Há também exemplares
do recém-lançado Código Florestal, Desafios e Perspectivas, que ajudou a
coordenar, preocupada com a iminente mudança nos limites de
desmatamento, em debate no Congresso.
Com o início da propaganda eleitoral, começa a fase mais difícil da
campanha, prevê a subprocuradora. "A possibilidade de que haja
propaganda em desacordo com a lei é muito maior, as pessoas são
extremamente engenhosas", disse, repetindo um termo - "engenhosa" - com
que já classificou a estratégia de Lula para promover sua candidata, a
ex-ministra Dilma Rousseff, ao Planalto.
Encerrada a fase da pré-campanha, os fins de semana deverão ser de
trabalho. As caminhadas, frequentes até a subprocuradora assumir a
chefia da área eleitoral do Ministério Público, não devem ser retomadas
tão cedo.
Os pareceres e representações de Sandra Cureau vão se multiplicar?
"Se for uma coisa pequena, que não seja relevante, deixo passar, não vou
entupir o tribunal com bobagens", resume. "Vai ser uma eleição muito,
muito, muito complicada", diz a xerife do pleito: "O termo não é muito
simpático, mas, na verdade, é isso mesmo: xerife".
Fonte: Marta Salomon - O Estado de S.Paulo
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