Em 9 de julho de 1932, paulistas se ergueram contra a ditadura. Perderam a batalha, mas mudaram a História
José Maria Mayrink - O
Estado de S.Paulo
Derrota militar, vitória política. Os paulistas que se
levantaram contra a ditadura de Getúlio Vargas foram vencidos nos campos
de batalha, mas a Revolução Constitucionalista de 1932, que custou
cerca de mil mortos dos dois lados, depois de 87 dias de combates, impôs
suas ideias e plantou sementes para a conquista de seu principal
objetivo, a democratização do País.
"Entrego o governo de São Paulo aos revolucionários de 1932",
declarou o presidente da República, em agosto de 1933, ao nomear
interventor do Estado o engenheiro Armando de Salles Oliveira, um dos
líderes civis da conspiração que levantou São Paulo em defesa de uma
nova Constituição.
O conflito se iniciou no dia 9 de julho, quando o coronel Euclides
Figueiredo assumiu o comando das operações do movimento, sob as ordens
do general Isidoro Dias Lopes, um dos chefes da Revolução de 1924, na
revolta dos paulistas contra o presidente Artur Bernardes.
"Está vitorioso, em todo o Estado, o movimento revolucionário de
caráter constitucionalista", anunciou a manchete de O Estado de S.
Paulo, na manhã do dia 10, domingo, iniciando a extensa e entusiasta
cobertura que faria até 29 de setembro, quando os exércitos combatentes
assinaram um armistício.
"Por que homens sérios como os líderes da Revolução embarcaram nessa
luta,tendo certeza de que não poderiam vencer?", pergunta escritor e
historiador Hernâni Donato, autor de A Revolução de 32, lembrando o
empenho de revolucionários como Julio de Mesquita Filho que insistiram
na guerra, acreditando ainda numa vitória, quando os chefes militares
optaram pela rendição.
O coronel Euclides Figueiredo também achava que havia possibilidade
de obter, senão a vitória, ao menos resultados satisfatórios pela causa.
Responsabilizado pela derrota, pelo fato de não ter avançado logo com
as tropas para o Rio, o coronel culpou os políticos. Ele não foi
adiante, conforme alegou, porque recebeu ordem de aguardar o general
Bertholdo Klinger, que viria de Mato Grosso com 6 mil homens. O general
desembarcou em São Paulo com meia dúzia de oficiais.
Estudioso do movimento, o advogado Antônio Penteado Mendonça, neto de
Antônio Mendonça e sobrinho-neto dos Mesquita, conspiradores e
combatentes de 1932, interpreta a decisão radical dos civis como uma
imposição das circunstâncias políticas. "Eles não tinham como vencer,
mas também não tiveram como não embarcar na Revolução, um acidente de
percurso na história de São Paulo", disse Mendonça, depois de lembrar
como Getúlio Vargas tentou esvaziar politicamente o Estado e como tratou
de desarmar o aliado que, em 1930, apoiou sua ascensão ao poder.
Na avaliação do jornalista Antônio Carlos Pereira, autor de Folha
Dobrada, história da Revolução publicada pelo Estado em 1982, os
paulistas acreditaram na vitória pelo menos até a segunda quinzena de
julho, quando ainda se esperava que o coronel Figueiredo avançasse para o
Rio, onde teria a adesão de unidades do Exército.
"Boa parte dos líderes acreditou até quase o final", afirma o
historiador José Alfredo Vidigal Pontes, autor do livro 1932, o Brasil
se Revolta (Editora Terceiro Nome, 2004), atribuindo a confiança na
vitória, sobretudo entre os soldados, à propaganda constitucionalista de
jornais e rádios. A esperança de derrotar as tropas governistas, apesar
de evidente desproporção de forças, era tão grande que, até o fim, não
deixaram de se apresentar voluntários para a luta. Segundo Donato, entre
48 mil e 55 mil homens se inscreveram nos postos de alistamento para
combater ao lado de batalhões da Força Pública (atual Polícia Militar) e
de contingentes do Exército.
Voluntários. A mobilização foi geral. Formavam-se batalhões nas
cidades do interior, onde milhares de inscritos se aglomeravam nas
estações à espera de condução para a capital. Muita disposição, mas
faltavam treinamento, armas e munições. Não havia fuzis para todos, ou
eram fuzis velhos e descalibrados. Em 15 de junho, quando os primeiros
tiros foram disparados na região do Túnel, divisa de São Paulo com
Minas, os paulistas contavam com 20 mil voluntários, 13 mil soldados da
Força Pública e 3.612 homens do Exército. Até o fim do conflito, teriam
sido alistados 60 mil voluntários - ou 200 mil, segundo alguns
historiadores -, mas nunca mais de 40 mil tiveram condições de lutar.
Além do desequilíbrio de forças, São Paulo enfrentou a
contrapropaganda do governo que considerou separatista o movimento pela
constitucionalização do País, uma aspiração nacional. A ditadura de
Vargas divulgou também que, sob a direção do italiano "presidente
Matarazzo", os paulistas iam expulsar os nordestinos de seu território.
Essa invenção levou Ceará, Paraíba e Bahia a recrutar voluntários para
combater os constitucionalistas. Não foi fácil desfazer a mentira,
porque de fato havia um pequeno grupo radical do Partido Republicano
Paulista (PRP) que defendia o separatismo.
Cercado pelas forças federais e impedido de comprar armamento no
exterior, São Paulo inovou. Engenheiros da Escola Politécnica fabricaram
balas, obuseus e - seu maior feito - trens blindados. Na retaguarda,
mulheres ocupavam na indústria as vagas deixadas pelos homens que
estavam nas trincheiras e confeccionavam, em casa ou em oficinas de
costura, milhares de fardas, ataduras e perneiras para os soldados. Os
jornais publicavam apelos para a doação de binóculos e arrecadação de
ouro para a guerra.
"As centenas de milhares de brasileiros envolvidos na luta
confrontaram-se em 64 combates principais e em outros tantos de menor
envergadura", escreve Donato. O Governo Provisório, que tinha 24 aviões
militares para enfrentar a aviação constitucionalista, de apenas sete
aparelhos civis mal adaptados, chegou a mobilizar 350 mil homens e 250
canhões. Em 22 de agosto, no céu de Cruzeiro, foco do conflito no Vale
do Paraíba, ocorreu o primeiro combate aéreo do País, entre dois aviões
paulistas e dois federais. "As infantarias suspenderam o combate para
acompanhar o espetáculo", registra Donato.
A força aérea governista bombardeou Campinas e outras cidades do
interior e do litoral. Num hotel do Guarujá, Santos Dumont teria
assistido a um bombardeio de Cubatão e por isso se teria enforcado,
desgostoso com o emprego militar de seu invento. Em 14 de julho, o
Estado publicou uma mensagem de Santos Dumont que apoiava os
constitucionalistas e fazia um apelo à união nacional. São Paulo lutava
sozinho, apesar de ter recebido manifestações de solidariedade de
simpatizantes de sua causa no Rio Grande do Sul, em Minas, em Mato
Grosso e na Amazônia, com movimentação militar. Houve ainda protestos de
estudantes contra o governo em Salvador, Belo Horizonte e Rio. A
esperada adesão de gaúchos e mineiros não se concretizou.
Após a rendição paulista, os principais líderes da Revolução de 1932,
civis e militares, foram presos e exilados. Entre eles, os irmãos Julio
e Francisco Mesquita, Antônio Mendonça, Guilherme de Almeida, Paulo
Duarte, general Bertholdo Klinger, general Isidoro Dias Lopes e coronel
Euclides Figueiredo. Retornaram um ano depois, quando Getúlio decretou a
anistia. A convite do novo interventor, depois eleito governador,
Armando de Salles Oliveira, seu cunhado, Julio de Mesquita Filho
coordenou em 1934 a criação da Universidade de São Paulo (USP), antigo
sonho seu e de outros revolucionários.
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