O Estado de S.Paulo
A composição da sociedade que se responsabilizará pela
construção e operação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu,
no Pará, não deixa nenhuma dúvida quanto ao fato de que só há um grande
interessado na obra: o governo Lula. E seu interesse é
político-eleitoral. Para poder anunciar ainda em período pré-eleitoral o
início da construção de uma grande usina polêmica, de alto custo e de
resultados econômicos e financeiros no mínimo duvidosos ? o que afastou
boa parte dos investidores privados dispostos a aplicar em
infraestrutura com um mínimo de segurança ?, o governo a estatizou.
Na aparência, a usina parece despertar interesse dos investidores,
pois a empresa que fará a obra terá 18 sócios, conforme a documentação
entregue à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pelo consórcio
vencedor do leilão de Belo Monte. Mas a presença de mais de uma dezena
de empresas privadas na sociedade de propósito específico que está sendo
constituída para executar e operar a usina no Xingu resultará apenas na
diluição, entre elas, de fatias pequenas do capital da nova empresa. O
Estado, direta ou indiretamente, deterá mais de três quartos do capital
da sociedade que se responsabilizará pela construção e estará incumbida
de operar a usina. Trata-se, nitidamente, de uma nova empresa estatal.
A participação direta de estatais na nova sociedade corresponde
àquela que elas detinham no consórcio vencedor do leilão. A Eletrobrás
terá 15% do capital total, a Chesf terá outros 15% e a Eletronorte,
19,98%. Assim, as estatais da área de energia elétrica ficarão com
49,98% do capital de Belo Monte, ou seja, menos da metade, o que,
aparentemente, não assegura ao governo a maioria dos votos.
Houve, porém, uma notável mudança na participação dos demais sócios
no consórcio vencedor do leilão e, agora, na sociedade de propósito
específico que responderá pelas obras e pela operação da usina. No
consórcio, investidores privados ? empresas de engenharia e de
construção e empresas interessadas em produzir para consumo próprio
(autoprodutores) ? detinham a maioria do capital.
Na formação da nova sociedade, a participação das construtoras, que
era de 40% no consórcio, caiu para 12,5%. A diferença de 27,5% foi
preenchida com a entrada de novos investidores na empresa, como era
previsto. Ocorre que esses investidores são fundos de pensão de estatais
? Funcef, dos funcionários da Caixa Econômica Federal; Petros, dos
funcionários da Petrobrás; e Previ, dos funcionários do Banco do Brasil ?
e um fundo constituído com recursos do FGTS, todos controlados pelo
governo.
Destaque-se, ainda, que o BNDES poderá financiar diretamente até R$
13,5 bilhões, de uma obra cujo custo total está estimado em R$ 19
bilhões ? valor que profissionais da área de energia consideram
subestimado. Além disso, o BNDES pretende liberar empréstimos indiretos,
com a intermediação de outros agentes financeiros, para que sua
participação chegue a 80% dos investimentos.
Com a participação estatal de 77,5% no capital da nova empresa e a
oferta de financiamento estatal de 80% dos investimentos necessários, o
risco para os sócios privados fica muito reduzido. Observe-se, no
entanto, que, das empresas privadas que participam da sociedade, a
maioria é formada por construtoras, que provavelmente estão mais
interessadas na obra do que na operação da usina, dadas as apertadas
margens de rentabilidade que ela oferece em razão das tarifas máximas
que poderão cobrar. As tarifas foram artificialmente comprimidas pelo
governo com nítido objetivo eleitoral.
Não é de estranhar que, apesar da generosa oferta de financiamentos
públicos ? que já era conhecida à época do leilão ? e da forte presença
das estatais e dos fundos de pensão das estatais, que assumirão a maior
parte do risco do investimento, empresas com reconhecida experiência na
construção de grandes hidrelétricas ficaram fora do projeto. De certo
consideraram que Belo Monte é um risco grande demais, por causa das
condições impostas pelo governo.
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