As virtudes e as fraquezas dos jornais não são
recatadas. Registram-nas fielmente os sensíveis radares dos leitores.
Precisamos, por isso, derrubar inúmeros mitos que conspiram contra a
credibilidade dos jornais. Um deles, talvez o mais resistente, é o dogma
da imparcialidade absoluta. Transmite a falsa certeza da neutralidade
jornalística. Só que essa separação radical entre fatos e interpretações
simplesmente não existe. É um engano, um jogo de marketing. É
necessário cobrir os fatos com uma perspectiva mais profunda. Convém
fugir das armadilhas do politicamente correto, da desinformação dos
estrategistas eleitorais e do contrabando opinativo semeado pelos
arautos das ideologias.
Boa parte do noticiário de política, mesmo em ano eleitoral, não tem
informação. Está dominado pelo declaratório e ofuscado pelos lances do
marketing da campanha. Dilma Rousseff, por exemplo, continua sendo
apenas uma embalagem, um enigma a ser decifrado. Maquiada, penteada e
produzida pelo comando de sua campanha, ainda não mostrou a verdadeira
face. Suas convicções, aparentemente, mudam como chuva de verão. Lança
um programa de governo. Tem reação? "Não assinei, não li, só rubriquei."
A leviandade constrange e desqualifica a candidata. Instaurou-se, sob a
égide de certas esquerdas, a política do descompromisso radical com os
fatos. A saída é sempre a mesma: ninguém sabe, ninguém viu.
No documento de 19 páginas protocolado no Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), e depois estrategicamente escanteado pela tática do "não li, só
rubriquei", a candidata ressuscitou as mesmas teses que apareceram
marcadas com a força das suas impressões digitais na primeira edição do
3.º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Você lembrará, caro
leitor, que o presidente Lula seguiu o mesmo roteiro da sua criatura.
Pressionado pela reação da sociedade, disse que tinha assinado "sem ler"
e mandou que o pacote fosse refeito. O procedimento é sempre o mesmo. E
é essa reiteração da leviandade malandra que preocupa. Será que as
teses do PNDH-3 conhecidas e já rechaçadas pela sociedade não são a
verdadeira cara da candidata?
Quem é Dilma Rousseff? Qual é sua biografia real? O que a candidata
oficial, sem blindagens e proteções, efetivamente pensa a respeito dos
temas que dominam a agenda pública: liberdade de imprensa, controle da
mídia eletrônica, aborto, propriedade privada, invasões de terras pelo
MST?
Os defeitos, as virtudes e o pensamento de José Serra são patentes. O
idealismo coerente de Marina Silva, embora sem a força de uma poderosa
máquina eleitoral, também é bastante evidente.
Dilma Rousseff, no entanto, continua empacotada. Dilma não é Lula, um
carismático de livro e mestre da conciliação. Conseguirá impedir que os
radicais do PT imponham sua política do atraso? Recentemente, João
Pedro Stédile, o mais influente dirigente do MST, previu que o Brasil
viverá uma explosão de ocupações de terra se Dilma vencer as eleições.
"Com Dilma, nossa base social perceberá que vale a pena se mobilizar",
disse Stédile, armado de uma sinceridade cortante.
Na verdade, Dilma é o terceiro mandato de Lula. Mas sem o carisma,
sem a habilidade, sem o domínio das bases e sem a ginga do criador. E
isso precisa ser dito com todas as letras. Segundo Hélio Bicudo,
fundador do PT, deputado federal pelo partido, vice-prefeito de São
Paulo na gestão Marta Suplicy, "Lula quer Dilma Rousseff no poder para
continuar mandando no País". Dilma não tem luz própria. É, apenas, um
elo no projeto autoritário de poder do presidente da República.
"Não estou no PT desde 2005", diz Bicudo. "Retirei a filiação porque
entendi que o PT não cumpria mais seus ideário." Referindo-se ao papel
de Lula no mensalão, não tergiversa: como ele "diz que não sabia? Lula
manda no PT". Com forte dose de ceticismo, vislumbra um horizonte
sombrio para a democracia brasileira: "É uma vergonha. A Constituição
diz que se deve olhar a vida pregressa do candidato. Mas a lei resumiu
isso a um processo criminal. Vamos continuar tendo bandidos na política.
Veja os envolvidos no mensalão. Foram denunciados pelo procurador-geral
da República. Mas, pela lei, poderiam candidatar-se." E conclui:
"Quando um presidente da República nomeia nove ministros do STF, não há
como garantir independência."
Bicudo, com razão, manifesta crescente preocupação com o uso político
das estruturas do Estado. O recente silêncio da Receita Federal sobre o
vazamento do Imposto de Renda do tucano Eduardo Jorge Caldas Pereira é
um exemplo preocupante. O secretário da Receita Federal, Otacílio
Cartaxo, revelou saber exatamente quem cometeu o crime. Mas disse
precisar de mais 120 dias para concluir as investigações.
Adia-se,
aparentemente, a punição dos culpados para não prejudicar o desempenho
da candidatura oficial.
Ao contrário de Hélio Bicudo, não sou tão pessimista, sobretudo
quando penso no Supremo Tribunal Federal. Presumo, sinceramente, que o
nomeado, ao sentir o peso e a dignidade da toga, é capaz de deixar de
lado interesses menores e olhar para o bem do Brasil. A História
registra um belo capítulo de independência. Thomas Becket, jurista,
chanceler da Inglaterra e amigo do rei, disse ao seu protetor: "Se está
pensando que terá um obediente pupilo, está enganado e seu amor se
transformará em ódio." E assim foi.
Henrique II tentou manipular o
amigo, mas Becket foi fiel à sua consciência e ao seu cargo. Foi
executado a mando do rei. O monarca perdeu um leal servidor, mas a
Inglaterra ganhou um herói e a Igreja Católica proclamou um novo santo.
A programação eleitoral gratuita é, quando muito, uma aproximação da
verdadeira face dos candidatos. Tem muito espetáculo e pouca informação.
Só o jornalismo independente pode mostrar o verdadeiro rosto dos
candidatos. Sem maquiagem e sem efeitos especiais. Temos o dever de
fazê-lo.
Carlos Alberto Di Franco - O
Estado de S.Paulo
DOUTOR EM COMUNICAÇÃO, É PROFESSOR DE ÉTICA E DIRETOR DO MASTER EM
JORNALISMO E-MAIL: DIFRANCO@IICS.ORG.BR
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