A América Latina tem sido um laboratório de destilação de fórmulas
de aparência democrática criadas para sufocar a democracia. O principal
centro de elaboração desta alquimia é a Venezuela do coronel Hugo
Chávez, o golpista frustrado de 1992, mas eleito pelo voto popular seis
anos depois. Nenhum reparo a fazer, pois, se todo golpista decidisse se
submeter ao teste das urnas, o continente estaria em melhores condições.
Chávez, porém, partiria para aplicar seu método populista de
"democracia direta", por meio da convocação de um plebiscito para
examinar a proposta de convocação de uma constituinte. O ardil está em
aplicar o método logo após a vitória eleitoral, maneira infalível de
garantir sem maiores riscos a criação da Câmara para rever a
Constituição, e o seu controle. O modelo foi exportado para o Equador e
Bolívia, onde Rafael Correa e Evo Morales, como seu inspirador,
plasmaram constituições ao bel-prazer.
Pois a mesma proposta, na essência, apareceu na boca da candidata
do PT, Dilma Rousseff, na entrevista concedida ao programa "Roda Viva",
da TV Cultura. Não surpreende, mas serve de alerta. Não surpreende
porque o transplante deste modelo chavista para o Brasil seduz o PT e
parte do governo Lula há algum tempo. Consta inclusive do programa do
partido. A nacionalização do kit chavista de geração de uma "democracia"
sem alternância no poder e sem liberdades republicanas produziu a ideia
de convocação de uma constituinte "apenas" para executar as reformas
política e tributária. Pode-se imaginar o risco que correrá a
estabilidade política e institucional do país caso regras em áreas
essenciais como estas puderem ser alteradas em votações por maioria
simples, numa câmara dominada pelo PT e aliados fisiológicos. E mesmo
que fosse a coligação tucana.
Na entrevista, Dilma reafirmou o credo petista a favor do
financiamento público de campanha e da votação em lista. São ideias
muito polêmicas, pois a estatização completa dos gastos em eleição não
elimina o risco do caixa dois, e o voto em lista, não individualizado,
concede poder absoluto às cúpulas partidárias na escolha dos candidatos
(aliás, bem ao estilo petista). A controvérsia em torno dessas bandeiras
desaconselha que possam ser tomadas decisões sobre elas numa
constituinte, ainda mais contaminada pelo resultado de uma eleição
presidencial. Nada garante, também, que esta constituinte não possa
cometer desatinos em outros campos. E, de mais a mais, câmaras revisoras
são convocadas em momentos políticos muito específicos, como o de
mudança de regime, não para tratar de temas tópicos. Se não há maioria
qualificada no Congresso para rever a Carta é porque não existe consenso
na sociedade em torno desta revisão. Elementar. A proposta de contornar
a questão pelo atalho da constituinte exclusiva tem DNA golpista.
Na verdade, existem aperfeiçoamentos na legislação eleitoral que
prescindem de mudanças constitucionais. A Lei da Ficha Limpa é um
exemplo. Além disso, há dispositivos neste campo que ainda não foram
suficientemente testados para ser revistos, caso do mandato de quatro
anos com uma reeleição consecutiva, um dos alvos da militância que apoia
Dilma. O assunto é sério, delicado, e não pode ser esquecido na agenda
de debates na campanha presidencial.
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Um importante alerta, Welbi. Mas, se me permite acrescentar mais algumas informações a seu artigo, devo dizer que o perigo de uma "constituinte restrita para a reforma política e tributária" é muito maior do que se pensa. Como se costuma dizer no jargão popular, "o buraco é mais embaixo"!
ResponderExcluirPergunte a qualquer jurista constitucionalista e vai descobrir que não existe "constituinte restrita" nem "constituinte limitada". Só exite "Constituinte" e ponto. O Poder Constituinte é sempre originário, inicial, soberano, ilimitado e, principalmente, incondicionado. Isso significa que não importa com quais motivos uma Constituinte é chamada, nem importa com que limitações, tarefas ou poderes determinados ela é convocada. Uma vez instalada ela é soberana e ilimitada, podendo fazer o que quiser.
Vamos supor a seguinte situação: convoca-se uma Constituinte só para fazer reforma tributária e política (o incrível é que até agora ninguém se atinou para o fato de que essa mesma reforma pode ser feita por emendas e a Constituinte não é necessária). Elegemos então os constituintes e eles, depois de empossados, decidem que fazer uma nova Constituição é melhor do que remendar a atual. Nós, eleitores indignados, entramos com uma ação no STJ alegando que os constituintes não podem alterar as limitações de seu mandato constituinte. Qual será o resultado da ação? Uma súmula que diz que o Poder Constituinte é originário, ilimitado, soberano e incondicionado!
E agora eu pergunto: você realmente acha que a Dilma e o PT não sabem disso? Que os mentores do mensalão e amigos do peito de Hugo Chaves nunca pensaram nessa estratégia? É caminho aberto para instalar no Brasil a constituição que eles quiserem!
Devemos dizer NÃO À CONSTITUINTE.
Welbi, peço licença para divulgar o post em que falo sobre esse assunto no meu blog:
ResponderExcluirhttp://blogardino.blogspot.com/2010/07/constituinte-para-reforma-tributaria-e.html
Abraço.