São Paulo vai pagar a agricultor por serviço ambiental


O governo de São Paulo vai instituir o pagamento por serviço ambiental em 22 municípios para proprietários rurais que conservam nascentes formadoras de mananciais. “Já destinei R$ 3,5 milhões para essa iniciativa”, afirma o secretário do Meio Ambiente, Xico Graziano. Antes de deixar a pasta para coordenar o programa de governo do ex-governador José Serra à Presidência, o secretário deve assinar nos próximos dias a regulamentação da Lei de Mudanças Climáticas e a resolução do projeto inovador que trata do pagamento aos agricultores pelos serviços ambientais. Confira a seguir a entrevista concedida pelo secretário ao Sociedade Sustentável. Durante a conversa, Graziano faz um balanço das ações da secretaria na sua gestão:

Sociedade Sustentável - Quando assumiu a Secretaria do Meio Ambiente, quais eram os principais problemas da pasta? O que faltava?
Xico Graziano - Quando me preparava para assumir o cargo de secretário do Meio Ambiente no governo de José Serra, percebi que a secretaria não tinha gestão. A grande deficiência não dizia respeito ao conteúdo da agenda. A gestão é que era muito deficiente. Então transformei a gestão ambiental na minha prioridade.

Sociedade Sustentável - E como as pessoas reagiram?
Graziano - Alguns diziam: “De onde vem o Xico? Que notoriedade ele tem na questão ambiental?” Sou agrônomo, com mestrado em economia e doutorado em economia pela Fundação Getulio Vargas e deixo a secretaria completamente estruturada. Vamos, inclusive, editar um livro sobre o modelo de gestão ambiental que adotamos, contando como foi a nossa experiência.

Sociedade Sustentável - E quais as principais ações desenvolvidas na sua gestão?
Graziano - Quando assumi a pasta, os funcionários da secretaria eram emprestados de órgãos como a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). Dezenas de funcionários desempenhavam as mesmas funções com salários diferentes. Era uma bagunça total. Hoje, a secretaria tem funcionários próprios. Eu separei as funções da administração pública direta, que envolve planejamento e formulação, das ações indiretas, que tratam da execução. Assim, o governo dá as normas e os órgãos executivos as aplicam. Criamos uma lei que, após 26 anos, regulamentou o Conselho Estadual de Meio Ambiente. O Instituto de Botânica teve sua estrutura modificada, o Zoológico também. Unificamos o processo para obtenção de licença ambiental na Cetesb, antes vários órgãos cuidavam do assunto, e transformamos a Cetesb em uma agência ambiental. Montei uma equipe, desenvolvi projetos gerenciáveis, estabeleci a necessidade de produção de relatórios pelos diversos departamentos, obriguei todas as áreas da secretaria a estabelecer metas e a apresentar relatórios de desempenho. Me sinto realizado.
 
Sociedade Sustentável - O que se tornou permanente e deve ser tocado por futuras gestões e o que gostaria de ter feito, mas não deu tempo?
Graziano – Várias ações agora são permanentes. Veja o caso da gestão das Unidades de Conservação (UCs). Na minha gestão, começamos a tirar os parques do papel no Estado de São Paulo. As UCs, gerenciadas pelo Instituto Florestal (IF), passaram a ser de responsabilidade da Fundação Florestal (FF). Não foi apenas uma troca de nome, há uma enorme diferença em relação ao instituto, que é um órgão pesado, da administração direta, com funcionários públicos, pesquisadores. A fundação é uma autarquia, é CLT, possui regime jurídico próprio. Então, a mudança fez toda a diferença. Outra coisa, São Paulo tem 50 UCs, dessas só seis tinham plano de manejo. Como tocar as ações voltadas para as UCs com esse quadro? O que poderíamos fazer sem plano de manejo? Nada. É o plano de manejo que te indica o que pode ser feito, qual caverna você pode trabalhar... Em todas as UCs, incluindo as Áreas de Preservação Ambiental (APAs), nós montamos ou estamos finalizando a constituição de conselhos de gestão. Criamos o cargo de chefe de unidade de conservação. Antes era o seguinte: o “Zé Antonio”, emprestado pela Cetesb, com salário de R$ 5 mil, cuidava da Juréia. Em Campos do Jordão o responsável era o “Tiago”, pesquisador, com salário de R$ 2,5 mil.  Era tudo gente emprestada. Acabamos com isso. Fizemos concursos para contratação de pessoal para o cargo de chefe de UCs. Essa agenda não tem volta.  São Paulo passou a ser referência nacional em gestão de UCs.
A agenda que estabelecemos para questões sobre mudanças climáticas está traçada para uma década e é reforçada pela legislação que aprovamos a respeito. Qualquer que seja o governo vai ter de cumprir. Isso é importante neste processo, pois não cabe interrupção, mesmo que haja mudança de governo. Por isso, o nosso plano é resultado de um modelo de gestão estruturado. Na área de resíduos sólidos também estabelecemos uma estratégia bem definida. Pusemos fim aos lixões no Estado e criamos uma lei que estabelece políticas para os setores produtivos, a exemplo do que existe hoje na Europa. Lá, as diretivas fixam prazos paras indústrias se adequarem. Aqui, agora, é a mesma coisa. Quem vier a seguir terá de continuar nessa linha.
Sociedade Sustentável – E como ficou a política referente ao ecoturismo?Graziano – Não se pode descartar a importância do ecoturismo na construção de uma consciência ambiental. Os ambientalistas vêem com muita reserva o ecoturismo. Em geral, acham que é uma ameaça ao ecossistema. Nós tivemos de vencer esse barreira. Em fui a Bariloche, na Argentina, conhecer o que diziam ser um sistema bem-sucedido e exemplar de ecoturismo. Lá os índios ameaçados pelo parque passaram a ser parceiros quando foi dado a eles o direito de levar turistas para caçar, creio que javali. Aí o sujeito viu um sentido em proteger o ecossistema, que pode gerar renda.
Sociedade Sustentável - E como foi a sua relação com os poderes municipais?
Graziano –  Foi muito importante incorporar e reforçar a nossa ação com a contribuição dos municípios, apesar de o Ministério Público ser contra e os ambientalistas mais ainda. Eles acham que qualquer coisa passada para os municípios será malfeita. Como se Estado e União fizessem tudo bem feito. Eles dizem: “Se passar para o município, vai estar mais sujeito a corrupção. Como se houvesse grau de corrupção diferenciado para o poder público estadual, federal e municipal. Eu sei bem o que tive de fazer à frente da secretaria. Não foram poucos os demitidos.  
O fato é que o Projeto Município Verde Azul foi um sucesso total. Com a adesão ao Protocolo Verde de Gestão Ambiental Compartilhada, os municípios passaram a assumir metas, se candidataram a ser certificados e a ter prioridade no acesso aos recursos públicos. Houve um crescimento fantástico no número de secretarias e de departamentos municipais de meio ambiente. Cerca de 90% dos municípios têm conselhos municipais de meio ambiente. Nós obrigamos, na linha do se não tiver conselho, não ganha pontos e, sem os pontos, vai ter dificuldade para obter verba. Com isso, aumentou o número de pessoas ajudando na questão ambiental. O que tem de gente nova – agrônomos, biólogos, engenheiros ambientais - contratada e treinada nesse período, é uma coisa fabulosa.
Sociedade Sustentável - E na educação ambiental, quais as ações da sua secretaria?
Graziano –  Quando assumimos, não havia educação ambiental. Todo mundo gosta de discutir a questão e a sua transversalidade. No governo federal, eles estão nisso há oito anos. O que se faz de reunião para discutir o tema, é fantástico. Se discute o construtivismo na agenda ambiental. Aí vem esse, aquele, o Leonardo Boff ... Aí você pergunta, o que impede a educação ambiental? Então, aprovamos uma lei de educação ambiental. A secretaria passou a contar com uma coordenadoria de educação ambiental e formulamos um projeto chamado Criança Ecológica, que é o maior sucesso.  Hoje devemos estar com 500 municípios trabalhando com a gente. Mais de 150 mil crianças já usam o material pedagógico preparado pela secretaria. Milhares de jovens já visitaram a Vila Ecológica no Parque Villa Lobos. Antes desse processo, a educação ambiental se resumia a duas coisas: plantar uma árvore no Dia da Árvore e fazer bonequinha com produtos que podem ser reciclados. Hoje temos um projeto com começo, meio e fim.

Sociedade Sustentável - O que não andou no ritmo previsto?
Graziano –  A agenda de recursos hídricos. Ela atrasou um ano, mas está sendo tocada. Nós também ficamos muito tempo na dependência de Brasília resolver a questão das mudanças no Código Florestal, o que atrasou o andamento de muitas agendas. Não é que ficou para trás, mas alguns aspectos não estão resolvidos.

Sociedade Sustentável - E como foi sua relação com os agricultores no Estado, eles estão muito resistentes a mudanças?
Graziano – Os agricultores brasileiros ainda temem a legislação ambiental. Existe uma encrenca muito grande entre ambientalismo e ruralismo, o que é uma coisa insana. Tem amigo meu, gente que conheço, que diz assim: “Virei casaca. Era agricultor, ruralista e virei ambientalista.” Eu sempre digo: sou as duas coisas. É a minha história. Venho da agricultura. Mantive, à frente da secretaria, boas relações com ambientalistas. O agricultor te ajuda, por exemplo, na recuperação de mata ciliar, que é proteger o córrego, as nascentes, a biodiversidade local. Mas quando você diz a ele que 20% da área de produção terá de ser transformada em reserva legal, aí ele cai fora. As reservas legais de São Paulo desapareceram na década de 40. Então, imagina... Nós conseguimos bons exemplos de que é possível avançar. Obtivemos adesão de mais de 90% do setor sucroalcooleiro ao Protocolo Agroambiental. Por ele, entre outras ações, o setor de cana antecipa em 14 anos o fim da queima da palha da cana para 2014, em áreas mecanizáveis, e 2017, para as não mecanizáveis. E aprovamos a lei de proteção ao Cerrado.

Fonte: Antonio Gaspar - Terra

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