Nenhum outro político brasileiro tem no currículo uma vida pública
como a de José Serra, 68 anos, candidato do PSDB à sucessão de Lula.
Jovem, presidia a União Nacional dos Estudantes (UNE) quando veio o
golpe de 64, que o levou ao exílio, expatriação que duraria até 1978.
De volta ao Brasil com diploma de economia no bolso, foi secretário do
Planejamento, deputado constituinte, senador, ministro do Planejamento
e da Saúde, prefeito e governador. Sobre Dilma Rousseff, ele diz: “Hoje
me choca ver gente que sofreu sob a ditadura no Brasil cortejando
ditadores que querem a bomba atômica, que encarceram, torturam e matam
adversários políticos, fraudam eleições, perseguem a imprensa livre,
manipulam e intervêm no Legislativo e no Judiciário. Isso é
incompatível com a crença na democracia e o respeito aos direitos
humanos”.
O senhor já enfrentou todo tipo de adversário em eleições, mas,
desta vez, a se fiar nas palavras do presidente Lula, vai concorrer com
um “vazio na cédula”, preenchido com o nome de Dilma Rousseff. Afinal,
quem é seu adversário nesta eleição?
Só tenho a certeza de que não vai ser Lula, cujo mandato termina no
próximo dia 31 de dezembro. Adversários são todos os demais candidatos
à Presidência da República. Por trás dos nomes na tela da urna
eletrônica há a história, as propostas e a credibilidade de cada um.
Minha obrigação é me apresentar aos brasileiros sem subestimar nem
superestimar os demais. Deixemos que os eleitores julguem. É muito bom
que os candidatos sejam diferentes entre si e também em relação aos
presidentes que já deram sua contribuição ao Brasil. A beleza da vida
está justamente em cada um ter seus próprios atributos.
Depois que os repórteres da sucursal de VEJA em Brasília
desvendaram uma tentativa de aloprados do PT de, uma vez mais, montar
uma central de bisbilhotagem de adversários, as operações foram
desautorizadas pela cúpula da campanha. O senhor responsabiliza a
candidata Dilma Rousseff diretamente pelas malfeitorias ali planejadas?
Só cabe lamentar e repudiar as tentativas de difusão de mentiras, de
espionagem, às vezes usando dinheiro público, às vezes usando dinheiro
de origem desconhecida, como em 2006. São ofensas graves e crimes que
ferem até mesmo direitos básicos assegurados pela Constituição
brasileira. Isso não é honesto com o eleitor. É coisa de gente que
rejeita a democracia. A candidata disse que não aprova esse tipo de
atitude, mas não a repudiou, não pediu desculpas públicas nem afastou
exemplarmente os responsáveis. Essa reação tímida e a tentativa de
culpar as vítimas fazem dela, a meu ver, responsável pelos episódios.
Por que para a democracia brasileira é positivo experimentar uma alternância de poder depois de oito anos de governo Lula?
Querer se pendurar no passado é um erro, não de campanha, mas em
relação ao país. Eleição diz respeito ao futuro. Por isso, a questão
que se coloca agora aos eleitores é escolher o melhor candidato, aquele
que tem mais condições de presidir o Brasil até 2014. Eu ofereço aos
brasileiros a minha história de vida e as minhas realizações como
político e administrador público. Ofereço as minhas ideias e propostas.
Espero que os demais candidatos façam o mesmo, para que os brasileiros
possam comparar.
Como o senhor conseguiu governar a cidade e o estado de São
Paulo sem nunca ter tido uma única derrota importante nas casas
legislativas e sem que se tenha ouvido falar que lançou mão de
“mensalões” ou outras formas de coerção sobre vereadores e deputados
estaduais?
Em primeiro lugar, é preciso ter princípios firmes, não substituir a
ética permanente pela conveniência de momento. É vital ter e manifestar
respeito à oposição, ao Judiciário, à imprensa e aos órgãos
controladores. Exerci mandatos de deputado e senador durante onze anos.
Todos os que conviveram comigo no Congresso sabem que minhas moedas de
troca são o trabalho, a defesa de ideias e propostas, o empenho em
persuadir os colegas de todos os partidos e regiões. O segredo está em
três palavras: ouvir, argumentar, decidir. Há o mito de que emendas de
deputado são sempre ruins. Não são. Na maioria das vezes, elas visam a
resolver ou aliviar problemas reais que afligem as pessoas de sua
região. Portanto, atender os deputados segundo critérios técnicos é
atender seus eleitores. Outra coisa fundamentalmente diferente é
distribuir verbas ou cargos em troca de votos. Isso eu nunca fiz e
nunca farei.
O PT fez?
Fez. Cito como exemplo as agências que criei quando fui ministro da
Saúde, a Anvisa e a ANS. Sabendo como eu atuo, nenhum parlamentar, nem
mesmo os do meu partido, sequer me procurou em busca de alguma
indicação. Eles sabiam que não teriam êxito. E qual é a situação agora?
O atual governo loteou totalmente as agências entre partidos,
fatiando-as entre grupos de parlamentares e facções de um mesmo
partido. A mesma partilha se abateu sobre os Correios e sobre a maioria
– se não todos – dos órgãos públicos. O loteamento foi liberado e se
generalizou. Essa prática é uma praga que destrói a capacidade de
gestão governamental e turbinou como nunca a corrupção. Mais ainda, a
justificativa oferecida foi a de que se tratava de “um mal necessário”
para garantir a governabilidade. Se eleito, vou acabar com isso à base
de um tratamento de choque.
Por que criar um Ministério da Segurança Pública e como ele
atuaria exatamente no combate ao crime, que, no atual regime
federativo, é uma atribuição estadual?
A segurança é um problema em todos os estados. Portanto, é um
problema nacional. O governo federal e o presidente, que é o chefe do
governo, não podem mais fingir que o problema da segurança está
equacionado. Não está. Segurança é um dos três grandes problemas do
Brasil. Temos de enfrentá-lo. O Brasil não pode continuar a ter 50 000
homicídios por ano. É um número escandaloso. Apenas o crescimento
econômico não arrefece os criminosos. O Nordeste é um exemplo disso. A
região experimentou um crescimento expressivo, mas a população sofre
com a explosão da criminalidade. Só a Presidência da República reúne as
condições para coordenar uma ação nacional da magnitude que o problema
exige. Precisamos criar um SUS da segurança. O Ministério da Segurança
será o símbolo e a ferramenta dessa prioridade. Com ele, estou dizendo
o seguinte: brasileiros, vamos encarar o desafio para valer, vamos
resolver essa situação. Esse será meu compromisso como presidente.
Falando em federação, como concertar com os governadores uma
reforma tributária em que ninguém se sinta lesado ou pagando a conta?
É menos complicado do que parece, e nem é necessário mexer na
Constituição. Para começar, é preciso aprovar uma lei que preveja que
os impostos sejam explicitados nos preços das mercadorias. Isso
aumentará a consciência das pessoas a respeito da carga tributária. Em
São Paulo, fizemos uma lei para criar a Nota Fiscal Paulista, um
instrumento de grande sucesso através do qual 30% do imposto estadual
sobre o varejo é devolvido aos contribuintes, com crédito direto na
conta bancária. Vamos criar a Nota Fiscal Brasileira, para devolver
parte dos tributos federais. A reforma que farei vai aliviar a carga
tributária incidente sobre os indivíduos, desonerar os investimentos,
simplificar a formidavelmente complexa estrutura de tributos atuais.
Além disso, restabeleceremos a neutralidade em relação à distribuição
de recursos. É uma proposta coerente.
Segundo o folclore, o senhor seria seu próprio ministro da
Fazenda, seu ministro do Planejamento, seu presidente do Banco Central
e seu ministro da Saúde…
Nossa! É folclore mesmo. Quem trabalha ou trabalhou comigo sabe que
não centralizo a administração, que dou grande autonomia às diferentes
áreas. Fixo metas, objetivos, acompanho, cobro, mas nunca imponho nada
exótico ou irrealista. E mais: tenho grande capacidade de ouvir.
Como seria a política econômica em um eventual governo Serra? Qual é o perfil ideal para o cargo de ministro da Fazenda?
A manutenção da estabilidade é inegociável. Isso significa manter a
inflação baixa. Com a combinação dos regimes fiscal, monetário e
cambial, caminharíamos sem rupturas para um ambiente macroeconômico
cujo resultado inevitável seria a trajetória descendente dos juros. Uma
taxa de juros menor é, aliás, condição para atrair mais investimentos
privados destinados à infraestrutura, sem ter de dar os subsídios que
hoje distorcem o processo. Quanto mais alta a taxa real de juros, maior
é a taxa interna de retorno exigida pelos investidores privados em
infraestrutura. Para compensar o juro alto, o governo é obrigado a dar
subsídios.
E o perfil do seu ministro da Fazenda?
É preciso ganhar a eleição primeiro. Mas sempre cuidei de reunir à
minha volta, na administração e no Congresso, pessoas preparadas,
prudentes, com reconhecido espírito público. Escolho gente experiente,
com senso prático e desapegada de doutrinas – ou que, pelo menos,
prefere acertar abandonando suas convicções acadêmicas a errar por
fidelidade a elas. No governo federal, será desse mesmo jeito.
Precisarei ter comigo auxiliares que entendam que a política econômica
é um processo político também. Na política, para fazer com que as
coisas aconteçam, você tem de se equilibrar sobre o fio da navalha. É
uma eterna balança entre paralisar-se por se aferrar a certas
concepções ou abandoná-las de vez e se perder no caminho. Isso fica
claro na negociação política. É menos evidente mas tão válido quanto na
condução da política econômica.
Dê o exemplo de um economista que preencha os requisitos acima, a quem o senhor admire e com quem ainda não trabalhou.
Olhe lá! Não estou fazendo nenhuma nomeação antecipada. Mas teria
muitos exemplos. Um deles? O Arminio Fraga, como perfil. Sabe economia,
é pragmático, não doutrinário. Soube navegar em mar revolto e deu
enorme contribuição à estabilidade econômica do país ao instituir o
regime de metas de inflação.
Por que no Brasil, apesar do enorme destaque atual no cenário da
economia mundial, a discussão de política econômica é sempre revestida
de ansiedade, como se vivêssemos em um estado permanente de emergência?
O instantâneo da economia brasileira é realmente bastante
satisfatório. Não diria o mesmo sobre o filme. Ou seja, se não forem
corrigidas a tempo, as distorções atuais podem se desenvolver de
maneira desfavorável.
Essa é uma questão complexa que, infelizmente,
talvez não possa ser tratada da maneira que merece em um clima de
campanha, muito menos no escopo de uma entrevista. Mas, a título de
fazer refletir, sugiro que se comece por responder a certas questões. A
saber, por que razão o Brasil tem a maior taxa real de juros do mundo,
a maior carga tributária do mundo em desenvolvimento e é lanterninha
nas taxas de investimento governamental do planeta? Por que o suado
dinheiro dos contribuintes brasileiros não está sendo bem aplicado em
investimentos na infraestrutura econômica e social que garantam o
crescimento sustentado da economia? É evidente que há um problema com
esse modelo. É essa a discussão que precisa ser feita no Brasil.
O que o senhor faria para consertar esse modelo?
Tenho experiência para equacionar as principais questões, a partir
do primeiro dia de trabalho, caso eleito. Não existe uma bala mágica,
um golpe que bem aplicado resolva todos os problemas. Isso exige um
leque de ações coordenadas e bem planejadas, muitas das quais citei
aqui e tenho exposto em fóruns e seminários.
Minhas passagens pelo
Executivo federal, estadual e municipal me permitem afirmar que, para
começar, na saúde, mesmo sem gastar muito mais do que é gasto hoje,
seria possível fazer uma revolução com resultados positivos a curto
prazo. Na educação, logo no início do governo, trabalharia para atingir
a meta de abrir 1 milhão de novas vagas em escolas técnicas de nível
médio em todo o país, com cursos de duração variada e vinculados à
vocação econômica de cada região e localidade. O Brasil tem pressa e
precisa aproveitar o ciclo da economia mundial altamente favorável aos
países emergentes. Temos de aproveitar o empuxo desse ciclo e emergir
dele com uma economia moderna, exportadora de produtos de alto valor
agregado, produzidos aqui por uma mão de obra sadia, preparada e
consciente de que para ela o futuro chegou.
Fonte: Eurípedes Alcântara e Fábio Portela Revista Veja
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