Ainda falta uma semana para o início oficial da campanha eleitoral
que determinará o próximo (ou a próxima) presidente do Brasil, mas as
estratégias do jogo já vêm sendo testadas. No tabuleiro virtual da
internet os jogadores poderão utilizar livremente seus peões. Pela
primeira vez, o Tribunal Superior Eleitoral liberou de forma ampla a
propaganda política na rede, restringindo basicamente apenas a
veiculação de anúncios pagos ou em sites de pessoas jurídicas e de
órgãos de governos federal, estadual ou municipal.
A importância da internet no pleito deste ano é tão indiscutível
que inspirou o primeiro debate político online no Brasil, marcado para
31 de agosto. O evento será transmitido por quatro portais (iG, Terra,
MSN e Yahoo!). E o público também poderá interagir pelo Twitter
(@debateonlinebr).
Essa interação tem sido a grande aposta dos candidatos durante a
pré-campanha. No Twitter, eles mesclam promessas de governo, opiniões
sobre o país e comentários cotidianos sobre o futebol, a família e os
bastidores de eventos aos quais comparecem. Vale até fazer piada para
estar mais próximo do eleitor. O mais popular é José Serra, com 265 mil
seguidores, seguido pela candidata Dilma Rousseff, que tem pouco mais de
90 mil. Cerca de 75 mil pessoas acompanham Marina Silva na rede de
microblogs.
Além de suas contas pessoais no Twitter, os candidatos tentam se
espalhar na rede. Orkut, Facebook, Youtube, Flickr, blogs, sites... tudo
está na lista. À frente da estratégia digital dos candidatos estão
três estreantes nos bastidores da política, mas cujas vidas
profissionais são completamente atreladas à cultura digital.
O jornalista Caio Túlio Costa quer aproveitar o ambiente virtual
para compensar o pouco tempo do PV de Marina Silva na televisão. Já
Marcelo Branco, criador do Fórum de Software Livre, quer mobilizar
colaboradores para a campanha de Dilma Rousseff (PT). Sérgio Caruso,
diretor de uma empresa de comunicação digital, aposta na diversidade da
rede para promover José Serra, do PSDB. As peças já estão dispostas.
Semana que vem, o jogo começa.
MARINA SILVA
Internet é alternativa para pouco
tempo de televisão
Com pouco tempo disponível para a campanha na televisão, a
candidata do PV, Marina Silva, conta com a internet para conquistar seus
potenciais eleitores. A importância que este meio terá na trajetória da
candidata é tanta que justifica a contratação de peso feita pelo
partido: quem está à frente da campanha digital de Marina é o jornalista
e consultor de novas mídias Caio Túlio Costa, cuja carreira foi marcada
pelas inovações no setor de tecnologia. Na década de 80, ele foi um
dos responsáveis pela informatização do jornal "Folha de S. Paulo".
Alguns anos depois, em 1995, trabalhou na criação do Universo Online, o
UOL, onde atuou como diretor-geral até 2002. Quatro anos depois, assumiu
a presidência do Internet Group, que reunia os portais iG, iBest e
BrTurbo.
- Minha relação com a internet vem de muito tempo, desde a época
em que informatizei a redação da "Folha". Já usava conexões online desde
1989, com a Ciranda (o Projeto Ciranda, da Embratel, que foi o
precursor da internet no Brasil) - conta o jornalista.
E Marina Silva nem precisou ir atrás dele. Sem qualquer
experiência prévia nos bastidores de uma campanha eleitoral, Caio Túlio
Costa resolveu oferecer seus serviços ao Partido Verde por ideologia e
por considerar a candidata uma exceção no ambiente político definido por
ele como "tradicional":
- Eu não trabalho para políticos, nunca fiz campanha e nem vou
trabalhar dentro de uma política tradicional. Me interessei, neste caso,
porque é a Marina Silva e porque ela defende uma causa que reúne
preocupações em relação a sustentabilidade. Procurei a coordenação da
campanha e ofereci o meu trabalho.
Durante o período de pré-campanha, que termina na próxima semana,
a candidata começou a construir seu perfil online. A equipe de nove
pessoas que trabalha com Caio Túlio é responsável por parte do conteúdo e
pelo monitoramento do site de Marina, além de sua comunidade no Orkut,
suas páginas no Facebook, no YouTube e seus álbuns de fotos no Flickr.
Eles ainda ficam de olho na participação espontânea dos eleitores: no
Orkut, uma busca simples revela centenas de comunidades criadas em apoio
à candidata, a maior delas com cerca de 15 mil participantes.
- Acho que a internet vai ter, nesta eleição, um papel mais
importante do que teve até agora, por causa das regras menos rígidas do
TSE. Mas acho difícil que esse papel seja decisivo. O Brasil tem quase
70 milhões de brasileiros conectados, e o contingente eleitoral é muito
maior que isso. De qualquer forma, a gente vai utilizar a internet com
uma série de objetivos. Queremos, principalmente, falar com os jovens e
essas pessoas que estão conectadas, já que teremos pouco tempo na
televisão - explica.
Ele acredita ainda que a rede pode ser uma plataforma para
angariar colaboradores e até doações. No site, a sessão "colabore com a
Marina Silva" ensina como os voluntários podem compartilhar as
informações da candidata nas redes sociais:
- A gente pode usar a internet para aglutinar. Queremos levar a
voz da Marina e seu programa de governo às pessoas sempre de uma forma
colaborativa, buscando voluntários, participantes e, quem sabe, até
recursos.
Marina Silva, ele garante, participa ativamente de todo o
processo. Segundo Caio Túlio, ela escreve todos os posts de seu blog, os
tweets de sua conta pessoal (@silva_marina) e não permite que ninguém
escreva em seu nome. A prática tem permitido uma proximidade antes
impensável entre eleitores e candidatos, além de revelar gostos e
opiniões prosaicas - e por vezes até engraçadas - dos presidenciáveis.
Mas nem tudo são flores, e a pouca intimidade com as redes
sociais já provocou gafes. Marina se envolveu numa polêmica no Twitter
no último dia 18, quando retuitou opiniões controversas sobre o escritor
José Saramago. Na verdade, a candidata pretendia responder, discordando
das tais opiniões. Mas, poucos minutos depois, já havia sido execrada
pelos fãs do escritor português, falecido naquele mesmo dia. Essa
superexposição e até a certa vulnerabilidade que a internet traz consigo
não preocupam Caio Túlio. - Isso faz parte da rede, que é um ambiente
vivo, dinâmico, e eu te diria que quase incontrolável - ri o
coordenador. - Vamos ter que aprender a lidar com isso.
JOSÉ SERRA
Mobilização e discussão com os
eleitores na rede
A trajetória de Sérgio Caruso à frente da campanha digital de
José Serra começou há mais de um ano, quando o presidente da Sinc
Comunicação Digital foi convidado pelo PSDB para discutir conceitos e
ideias sobre o uso da internet nas eleições de 2010. As conversas foram
tão boas que, no fim do ano passado, ele assumiu a coordenação da
pré-campanha. Apesar da extensa experiência na rede - além de presidir a
Sinc, ele é um dos fundadores da OON Networking, primeiro grupo de
comunicação digital do Brasil - Caruso afirma que não é geek nem passa
muito tempo nas redes sociais. E defende a simplificação dos assuntos
relativos à rede:
- Sempre fui um usuário de internet, mas não sou um conhecedor
profundo de tecnologia. Obviamente, gosto de gadgets, iPads e afins, mas
sempre defendi que a internet tem que ser desmistificada. Sou contra o
uso de muitas "gírias" ou linguagem típica do segmento.
Para Caruso, a internet agrega mais uma possibilidade de
comunicação e interatividade com os eleitores, mas não vai substituir
outros meios.
- Tenho ouvido em uma ou outra conversa por aí que a internet
será mais importante que a TV. Isso é uma grande falácia. Essa história
de que a internet elegeu o Obama é um mito. Quem elegeu o Obama foi ele
próprio, sua história de vida, suas propostas, o fato de vir depois do
Bush, enfim... Pela primeira vez, a internet foi usada em todo o seu
potencial. Mas daí a dizer que a internet o elegeu, é outra história -
defende.
O coordenador da campanha de Serra vê de forma muito natural a
utilização dos recursos da rede na campanha. Para ele, a importância da
internet nas eleições será diretamente proporcional à sua importância no
cotidiano dos brasileiros. Mas é claro que características como a
profundidade de informações, a interatividade instantânea e a
diversidade de formatos fazem deste um meio extremamente promissor para
os aspirantes a presidente:
- Estamos usando a internet, por exemplo, para provocar uma
discussão sobre o programa de governo. As pessoas entram, se cadastram e
participam de blogs e fóruns sobre mais de 40 temas. Tudo muito
transparente. Nesse sentido, a internet acaba oxigenando uma discussão
que antes ficava mais restrita.
A mobilização de eleitores e colaboradores na rede também é uma
das apostas de Caruso para a campanha. Segundo ele, as iniciativas
voluntárias estimulam as pessoas a se manifestar e evidenciam a
credibilidade das opiniões.
- É um movimento legítimo, porque as pessoas não são obrigadas a
"repetir uma ladainha". Elas têm ideias próprias, e umas estimulam as
outras.
Para alcançar seus eleitores, a campanha de José Serra está
presente nas principais redes sociais: Orkut, Facebook, Youtube e
Flickr, que tem até fotos da infância do candidato. A partir de 6 de
julho, outros canais com os internautas serão criados, segundo Caruso.
Mas ele faz mistério sobre o teor dos projetos.
No Twitter, cerca de 265
mil seguidores acompanham o perfil do ex-governador de São Paulo, que
tem conta no site de microblogs há mais de um ano.
Enquanto alguns usuários do Twitter levantam suspeitas de que não
é o próprio Serra quem atualiza seu status - ele posta diversas vezes,
quase que diariamente - Caruso afirma que o candidato entende mesmo de
redes sociais:
- A participação do Serra é muito importante. Ele não é
conhecedor de tecnologia e nem precisa ser. Mas ele entende do respeito
às pessoas, da discussão na rede e da interação. Essa exposição dos
candidatos é fantástica para o processo democrático.
A adequação à linguagem dos internautas é um dos fatores que
precisam ser observados, na opinião do coordenador. Apesar do aumento do
número de brasileiros conectados, ele insiste que é necessário
distinguir o internauta do telespectador.
- É preciso ter um conhecimento profundo de cada ferramenta, para
que o internauta seja respeitado e sinta que, de fato, estamos falando
com ele. Essa linguagem não é apenas relativa ao texto, mas também
envolve fortemente a forma, a parte visual e a usabilidade.
DILMA ROUSSEFF
Descentralização e colaboração na
campanha nas redes sociais
Velho conhecido da turma geek, Marcelo Branco diz gostar de
desafios. Por isso, participar do primeiro processo político onde a
internet pode ser decisiva foi um dos motivos que o atraiu para o
comando da campanha online da candidata do PT, Dilma Rousseff. A
identificação com o governo Lula e a relação que tem com a candidata,
desde que ela, nos anos 90, atuou como secretária de Minas, Energia e
Telecomunicações do governo Olívio Dutra, no Rio Grande do Sul, também
fizeram diferença na hora de aceitar o convite.
Organizador da Campus Party, um dos principais eventos de cultura
digital do país, durante três anos, o gaúcho é ainda um dos fundadores
do Fórum Internacional do Software Livre. Sua conhecida militância pela
construção colaborativa de conteúdos deve marcar também seu trabalho com
a candidata do PT. Segundo Branco, sua estratégia de campanha digital
pode ser resumida numa palavra: descentralização.
- Não há como fazer uma campanha política nas redes sociais de
forma centralizada, apenas através de marqueteiros e publicitários. A
campanha nas redes sociais, pela dimensão que precisa ter, deve ser
feita por milhares de pessoas.
Para chegar a esse número, ele desenvolveu algumas estratégias.
Uma delas é o trabalho de aglutinação das diversas iniciativas
espontâneas de apoio à candidata. Outra é a Caravana Digital, série de
encontros por todo o Brasil com colaboradores, blogueiros e twitteiros,
onde Branco compartilha suas ideias sobre o uso da internet no processo
eleitoral.
- O objetivo é a mobilização. Eu compartilho com eles algumas
experiências da campanha, recebo um retorno e juntos descobrimos a
melhor forma de fazer. Todos estamos aprendendo. Acho que a internet
recupera o sentido do voluntariado numa campanha política e isso ajuda
na qualificação da democracia. Milhões de pessoas que não participariam
do processo, se não fosse a rede, agora vão ter a chance de participar.
Apesar de todo seu entusiasmo com a rede, o coordenador não
acredita que a internet por si só tenha força para mudar os rumos da
eleição. Por outro lado, ele crê que a participação mais ativa dos
eleitores pode suscitar discussões e transformar a rede num espaço de
organização dos conteúdos. Uma espécie de "pré-debate", que deixaria os
candidatos mais preparados.
- Esse debate horizontal que vai se dar nas comunidades virtuais
pode criar argumentos e conteúdos para o debate offline, onde, de fato, a
eleição vai se decidir.
Como os outros principais candidatos, Dilma Rousseff está
presente na rede com perfis no Orkut, Facebook, Twitter e YouTube, além
de álbuns de fotos no Flickr. No Orkut - mais popular rede social do
país - há dezenas de comunidades criadas a favor da candidata, com até
13 mil membros. Mas ela também é alvo de rejeição: o grupo "Dilma
Rousseff, NÃO" conta com mais de oito mil integrantes.
Da mesma forma que incentiva os voluntários e colaboradores, a
rede também desperta os detratores. A candidata já foi alvo de críticas
durante sua pré-campanha digital. Uma das mais emblemáticas aconteceu em
abril deste ano, quando Dilma Rousseff cometeu uma série de gafes em
vídeos exibidos em seu site. Sobrou até para Marcelo Branco que, na
época, precisou conviver com boatos de que seria demitido. Mas ele
considera positiva essa convivência mais próxima com os eleitores.
- A internet coloca o candidato na mesma matriz de mídia do
eleitor. Assim como ela deixa a empresa de comunicação na mesma matriz
do público. É a primeira vez que a humanidade está experimentando uma
forma de comunicação onde não há hierarquia no potencial tecnológico do
candidato, da empresa de comunicação ou do público - opina Branco, que
defende a naturalidade acima de tudo nas campanhas digitais. - É óbvio
que na internet não existe superprodução. O diferencial da rede é
mostrar o candidato como ele é, como ele acorda, falando algo que ainda
não disse em lugar nenhum. A internet precisa ter esse caráter inédito,
pouco convencional e, sendo pouco convencional, ela mostra o lado mais
humano, que não aparece em TV. E, claro, sendo mais humano, ele será um
candidato que pode esquecer um número ou um dado, como todos nós.
Comentários
Postar um comentário