XICO GRAZIANO
''Há
quem imagine que pequenos agricultores sejam mais ecológicos que
grandes produtores rurais. Políticos que se julgam da "esquerda"
propagam que a agricultura familiar faz bem à natureza, enquanto o
agronegócio destrói o meio ambiente. Pura ideologia. Nunca nenhum
estudo da realidade comprovou isso.
O equívoco desse pensamento mostra origens remotas. Desde 1775,
quando o filósofo francês Jean-Jacques Rousseau, em seu famoso discurso
sobre a origem da desigualdade, conceituou o "bom selvagem",
constrói-se certa imagem de que o homem perdeu sua pureza no processo
civilizatório. Antes, vivia em harmonia total. Depois, chegou a maldade
sobre a Terra.
O raciocínio bem-aventurado procura se aplicar, hoje, aos indígenas.
Ambientalistas argumentam que os povos da floresta, na Amazônia, por
exemplo, vivem de forma ecológica. Avatar, belo filme, sublima essa
questão, agradando sobremaneira aos defensores da natureza.
Antropólogos, todavia, não corroboram facilmente tal ideia.
Orlando Villas Bôas, uma legenda nacional, afirmava serem os índios,
que conhecia tão bem, nada ecológicos. Ao visitar a Unesp de
Jaboticabal, nos anos 1980, contou uma pequena história aos alunos de
Ciências Agrárias. Disse o grande indigenista que, certo dia, ao ver um
índio derrubar uma palmeira de açaí para lhe retirar o cacho e colher
os negros frutinhos, perguntou-lhe: "Por que você não sobe e corta
apenas o cacho, sem derrubar a palmeira?"
O índio não entendeu: "Qual é o problema?"
"Ora", retrucou Villas Boas, "evitar a devastação da floresta!"
Mas o índio explicou: "Não se preocupe. Eu corto esta palmeira aqui,
mas lá tem outra, outra lá adiante, tá cheio de açaizeiro por aí...".
Para o índio, era infinito o estoque de palmeiras. Podia surrupiar à
vontade.
Sem entender a História não se compreende a questão ambiental de
nosso tempo. A pressão sobre os recursos naturais do planeta tornou-se
um problema apenas após a intensa industrialização do século 19. Sua
plena percepção ocorreu tão somente há 50 anos, quando a agenda da
degradação entrou na preocupação pública. Quem criou o problema
ecológico foi a explosão populacional humana.
Nem os brasileiros coletores da floresta, nem os índios
norte-americanos caçadores de bisões tinham pensamento ecológico.
Estes, quando descobriram os rifles dos mercadores de peles, ajudaram a
destruir, sem piedade, o rebanho dos peludos bichões. A tecnologia
potencializou a destruição da natureza.
No Brasil, a discussão sobre ecologia e tamanho da propriedade
permeia os estudos sobre reforma agrária. Os agraristas ortodoxos,
normalmente de origem comunista, nunca mostraram nenhuma predileção
pelo tema da preservação ambiental. Sempre propugnaram pela
desapropriação das "áreas ociosas" no campo, pouco se importando se
elas estavam cobertas com florestas originais. Sua visão produtivista
se aproximava da manifestada pelos desbravadores do território, com a
diferença, claro, de que a terra deveria estar dividida, não
concentrada. Menos mal.
Na história da reforma agrária brasileira contam-se infindáveis
casos em que os projetos de assentamento rural recaíram sobre valiosas
áreas naturais, seja em florestas densas do Pará ou de Mato Grosso,
seja nos remanescentes de mata atlântica interiorana, seja nos frágeis
ecossistemas litorâneos do sul da Bahia ou no Rio Grande do Norte. Onde
procurar se acha um estrago ecológico, cometido em nome do combate à
miséria rural.
O complicado tema veio à tona da opinião pública em 1997, num
relatório apresentado à CPI do Congresso Nacional que investigava a
atuação de madeireiras asiáticas na Amazônia. O então deputado federal
Gilney Vianna, do PT-MT, demonstrou que 50% do desmatamento da região
advinha dos assentamentos de reforma agrária. Os pequenos desmatavam
tanto quanto os grandes. Deu um quiproquó na esquerda.
Nota do núcleo agrário do PT desmoralizou o relatório e enquadrou
seu político rebelde, baixando o silêncio sobre o assunto. A senadora
Marina Silva, defensora dos assentamentos extrativistas, também se
aquietou. Mas não havia como tapar o sol com a peneira. Os sem-terra,
tanto quanto madeireiros e grandes fazendeiros, faziam arder a floresta
sem dó. Machado e motosserra não têm ideologia.
Novos estudos, mais recentes, especialmente os conduzidos pelo
Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), comprovam que
boa parte da pressão contra a floresta amazônica se origina da reforma
agrária. Sem maldade. Nem exclusivo é da Hileia. Na caatinga
nordestina, que sofre uma tremenda ameaça, a lenha vira cinza na
cozinha das famílias pobres do Semiárido. Subsistência básica.
Meses atrás, quando Carlos Minc ainda ocupava o Ministério do Meio
Ambiente, patrocinou-se uma proposta estranha que concedia brechas no
Código Florestal para os agricultores familiares, discriminando os
demais produtores. Nada indica que esse favorecimento ajude a
preservação ambiental do País. Reservas florestais belíssimas são
mantidas por grandes fazendeiros.
A ideia do "small is beautiful" serviu a Ernest Schumacher, um
visionário escritor inglês de origem germânica que defendia, na década
de 1970, as tecnologias brandas, menos intensivas em recursos naturais.
Seu famoso livro com esse título inspirou esse viés do ambientalismo,
ultrapassado pelo avanço da tecnologia. Qualidade ambiental independe
do tamanho do negócio rural.
Passarinhos que o digam. Eles nunca perceberam distinção entre as
crianças que os caçam impiedosamente com estilingue e os adultos que os
aprisionam para cantar na gaiola. Quem faz a diferença é a consciência
humana. Depende da educação.
AGRÔNOMO, É SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO.
E-MAIL: XICO@XICOGRAZIANO.COM.BR
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