Ele abomina o gerúndio como resposta. E, já na Prefeitura de São Paulo,
baniu expressões como "viabilizar", "logradouro" e "munícipe".
Ex-prefeito e ex-governador de São Paulo, o candidato do PSDB à
Presidência, José Serra, é adepto do antitucanês reloaded.
Só não dispensa um eufemismo ao se descrever. Serra se apresenta
como "obstinado, curioso e diligente". Seus mais fiéis colaboradores
traduzem: obcecado, perturbador e perfeccionista.
Ele também reconhece: é "um pouco impaciente". Que o digam seus subordinados.
Generoso na delegação de poder e objetivo na fixação de prioridades,
é implacável na cobrança de resultados, a ponto de constranger
publicamente um assessor se insatisfeito.
José Serra no Colégio Dom Bosco, em 1952, aos dez anos, quando cursava o quarto ano |
Aconteceu no dia 19 de janeiro, durante evento de distribuição de
material didático para início do ano letivo. Contrariado com a timidez
da logomarca do governo, alfinetou o secretário de Educação, Paulo
Renato Souza:
"O material é de muito boa qualidade, no estilo tucano: esconde o nome do governo", ironizou.
Pobre também de Walter Feldman, secretário de Subprefeitura na
gestão Serra. Lado ao lado, num palanque em Itaquera, ouviu o chefe
acusá-lo de falta de dedicação no combate à poluição. "Ele me destruiu
várias vezes", lembra Feldman, numa referência às exigências do chefe.
"Agüente, Feldman. Você vai ser outro depois dessa experiência",
repetia, imodestamente, Serra.
Outro exemplo? Em março de 2005, Serra determinou que um helicóptero
buscasse a então secretária de Serviços da Prefeitura, Maria Helena
Orth, para uma reunião com subsecretários na Zona Leste. Convocada,
Orth alegara dificuldade para chegar a São Miguel Paulista.
Em outra, também com subprefeitos, Serra divulgou o próprio número
do telefone após Orth argumentar que não tinha tempo para atendê-los.
Ela foi demitida em maio de 2005.
Sem "trololó"
Avesso a evasivas --a que chama de "trololó"-- Serra é capaz de
interromper um assessor ao perceber que não tem as respostas que
procura. Foi o que fez com o secretário de Assistência Social da
Prefeitura, Floriano Pesaro, após uma sabatina sobre renda mínima.
"Secretário, estude o assunto e volte", recomendou a Floriano, que,
ainda assim, e a exemplo de Feldman, descreve como estimulante o
trabalho com Serra.
Costuma incentivar o confronto de ideias na equipe. Em 2008, antes
da explosão da crise na segurança, o secretário de Gestão, Sidney
Beraldo, alertou Serra para o risco de descontrole na Polícia Civil.
Diante de Beraldo, Serra telefonou para o então secretário de
Segurança, Ronaldo Marzagão, e acionou o viva-voz.
"Tem um impasse, ele bota o viva-voz", lembra Beraldo.
José Serra em 1978, professor de economia | da Unicamp, durante visita à redação da Folha |
Numa reunião, ele já telefonou para a central de atendimento da
Prefeitura, diante de toda a equipe, para testar a qualidade de
serviço. Em outra, suspendeu a audiência para, de helicóptero,
confirmar se uma obra cumpria o ritmo descrito há pouco por um
secretário.
"É muito difícil enrolar Serra. Ele tem aquele famoso "por quê?",
afirma Aloysio Nunes Ferreira, ele mesmo flagrado pelo tucano, durante
a Prefeitura. "Serra brigou comigo porque terceirizei a redação de uma
nota. Reconheceu diferenças no estilo", conta.
No governo do Estado, redigiu pessoalmente um release, após constatar, contrariado, que assessores estavam no almoço.
Serra pode ser cortante quando um subordinado é pouco objetivo. "Meu
problema é o tédio", confessa o candidato, que não escondia a
impaciência com a ex-secretária estadual de Educação Maria Helena
Guimarães.
Se decepcionado, submete o auxiliar a dolorosa fritura, começando
pelo esvaziamento de suas atribuições. Secretário de Esporte na
Prefeitura, Marcos Tortorello perdeu a administração do autódromo para
a SPTuris e os centros municipais para a Educação. Depois, se demitiu.
Contrariado com o desempenho de um secretário, pode recorrer
diretamente a um de seus subordinados em busca de respostas. Econômico
nos elogios, premia os bem-sucedidos com mais trabalho.
Serra discurso, como ministro da Saúde, na Assembleia Geral das Nações Unidas |
Filho único de um imigrante italiano com uma filha de imigrantes,
Serra exige dedicação integral de sua equipe. À frente do Ministério da
Saúde (1998 a 2002), chegou a propor que o secretário de Assistência à
Saúde, Renilson Rehem, usasse um celular exclusivamente para atendê-lo.
Fosse no Planejamento (de 1995 a 1996) ou na Saúde, preferia que os
assessores não deixassem Brasília nos fins de semana.
Num bilhete, recomendou até que Rehem desistisse, na véspera do
embarque, de um congresso em Paris. Como o ministério enfrentou crise
durante sua ausência, Rehem foi recepcionado com um "não falei que essa
viagem seria um desastre?". "Mas nem foi no meu departamento", reagiu
Rehem.
Mordaz, já recebeu Beraldo com um "de passagem por São Paulo?" após
férias de dez dias do secretário. Hoje à frente do governo, Alberto
Goldman já foi premiado com um telefonema durante a folga do fim de
ano.
"Você não acha que já está muito tempo fora?", perguntou Serra, que,
em dezembro, telefonou para o secretário do Meio Ambiente, Xico
Graziano, para reclamar de sua ausência numa reunião de encerramento de
ano.
Política
Além de cebola e alho, Serra não digere as desilusões políticas.
"Ele não perdoa deslealdade", afirma o deputado e amigo Jutahy
Magalhães (BA). Ex-presidente da UNE, exilado no Chile --onde concluiu
o mestrado em economia--, e duas vezes deputado, Serra concorreu a seis
cargos majoritários nos últimos 20 anos. Colecionou desafetos no
caminho, sendo Ciro Gomes (PSB) um deles.
Adolescente brigão, se esforça agora para conter esse ímpeto na
política. Disposto a apagar a imagem de beligerante, evita desavença
pública com o mineiro Aécio Neves, tem elogiado Ciro e desenha uma
reaproximação com o senador Tasso Jereissati (CE). Em São Paulo,
patrocinou uma aliança com Geraldo Alckmin.
"Perdemos duas eleições e ganhamos duas. Estamos empatados", disse a
Alckmin num telefonema, após a dura disputa pela Prefeitura de São
Paulo.
Além de demonstrações de solidariedade, Serra reserva surpresas aos
aliados. Já abordou o ator José Mayer num aeroporto só para
apresentá-lo a assessoras. Também perseguiu um grafiteiro pelas ruas de
São Paulo às 2h da madrugada. Ele, o então secretário Andrea Matarazzo
e suas mulheres voltavam do cinema. Estavam na Heitor Penteado.
"Pare o carro", gritou Serra, que, ao alcançar o pichador, fez um interrogatório para saber suas motivações.
Mesmo com um prodigioso poder de concentração, consegue ser
distraído o bastante para perceber, apenas 15 minutos depois, que
entrou na embaixada errada para um almoço em Washington.
Família
O ar retraído se esvai na companhia dos filhos Verônica e Luciano.
Ele se derrete pelos netos. Palmeirense, permite até que Antonio seja
flamenguista.
Serra é dono de hábitos extravagantes. Para aliviar a tensão,
costuma fazer esteira de madrugada, mas não come para evitar mal-estar
pela manhã. Refrigerante, só sem gás. E é verdade: colocou uma cama no
banheiro da Prefeitura de São Paulo, para passar mais tempo no
trabalho.
Serra só viaja no mesmo lado em aviões: o direito. Argumento? "Tem dado certo até hoje".
Hoje, aos 68 anos --43 deles ao lado da mulher, Monica-- Serra sua
nas mãos de Geraldo, seu personal trainer. Também se submete a sessões
de acupuntura e massagem. É preciso estar em forma para a dura disputa
eleitoral
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