A
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) começa a enfrentar nos
próximos dias um dos problemas mais sérios de seus 12 anos de
existência, que é a perda de 60 de seus mais qualificados e experientes
funcionários, os quais retornarão à Telebrás, a cujo quadro funcional
pertencem. Eles foram cedidos à agência em 1998, mas a Telebrás agora
precisa deles para iniciar suas novas atividades.
Diversas entidades setoriais alertam para as consequências desse
processo de esvaziamento da Anatel. Eduardo Levy, presidente do
Sindicato das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e
Pessoal (Sinditelebrasil), declarou na quarta-feira: "Estamos realmente
preocupados com o impacto dessa perda de tantos profissionais
qualificados da agência reguladora. Não temos a menor dúvida de que a
Anatel enfrentará sérios problemas operacionais com a perda desses
profissionais. Qualquer instituição pública que estivesse na mesma
situação teria grande dificuldade em continuar seu trabalho e em
cumprir suas obrigações. É difícil acreditar que ninguém no governo
perceba a gravidade do problema."
Essa perda de profissionais qualificados preocupa não apenas os
dirigentes da Anatel, mas praticamente todo o setor de
telecomunicações. No entanto, por mais surpreendente que possa parecer,
não há nenhum sinal de preocupação do Ministério das Comunicações
(Minicom), ao qual estão ligadas administrativamente a Anatel e a
própria Telebrás ? nem, muito menos, no restante do governo.
Esvaziado e dominado por interesses políticos, o Minicom não reage
contra tudo isso nem demonstra o menor interesse em defender a agência
ou fazer valer sua autoridade administrativa.
Projeto de poder. A nova Telebrás é hoje o mais ousado projeto de
poder e de aparelhamento do Estado, para não dizer futuro cabidão de
empregos. E, mesmo antes de começar a funcionar, essa estatal já
esvazia a agência reguladora da maioria de seus bons profissionais.
Os interesses político-partidários de um ano eleitoral fazem o
governo Lula mudar radicalmente as regras de encaminhamento e discussão
dos grandes projetos de telecomunicações, de que é exemplo a elaboração
quase secreta do Plano Nacional de Banda Larga.
Decisões e iniciativas que antes cabiam ao Ministério das
Comunicações e à Anatel são tomadas hoje por outros ministérios, como o
da Casa Civil e do Planejamento, ou até por assessores do presidente da
República. Na prática, Rogerio Santanna tem mais força política do que
o ministro das Comunicações.
E, na visão do grupo petista que comanda as mudanças, quanto menor
for a capacidade de atuação da Anatel, mais problemas surgirão no setor
de telecomunicações. Para esse grupo, quanto pior, melhor. O que lhe
interessa é exatamente isso: torpedear a agência reguladora para
desmoralizar o novo modelo institucional das telecomunicações e provar
à opinião pública que a privatização "fracassou e não deu certo". E,
assim, justificar o avanço do projeto da estatal.
A guerra. Lula tem feito tudo o que pode para esvaziar as agências
reguladoras. Chegou a dizer que elas foram criadas para "terceirizar o
governo". E tentou mudar as funções desses órgãos reguladores, enviando
ao Congresso um projeto de lei, o da Lei das Agências, que nunca chegou
a ser votado, por falta de consenso.
Rogerio Santanna que por sua dedicação ao tema ganhou a presidência
da Telebrás ? chama a estatal de Fênix, a ave mitológica que renascia
das cinzas. E diz, triunfante e irônico: "É só a Fênix bater as asas e
as teles abaixam um pouco mais seus preços nas negociações com o
governo federal."
Será verdade? A prova de fogo dessa afirmativa seria abrir uma
concorrência nacional entre as teles e a nova Telebrás para prestar os
mais avançados serviços de telecomunicações ao governo federal, com as
mesmas alíquotas de impostos e as mesmas regras para todas. É óbvio que
quanto maior for a competição, menores serão os preços. Mas sem reserva
de mercado, sem subsídios, em favor de nenhuma operadora ? seja estatal
ou privada.
O que preocupa os investidores privados, a rigor, não é a
competição, mas os possíveis privilégios que se insinuam em favor da
Telebrás. Como comparar e julgar o desempenho das operadoras se as
regras e condições não forem iguais?
Em síntese, não se pode dispensar a Telebrás de fazer licitações
para conquistar os clientes governamentais ou para a aquisição de
equipamentos para obras de infraestrutura. Se isso ocorrer, fica
comprometida a isonomia no setor.
Órgão essencial. Em todo o mundo, a privatização de serviços
públicos estatais traz grandes desafios. O maior deles é, sem dúvida, a
definição do papel das agências reguladoras. No velho regime de
monopólio da Telebrás, o governo dava outorgas, operava e regulava a si
mesmo. Era o incesto administrativo total. Num ambiente privatizado, o
País precisa contar com uma agência altamente qualificada, imune aos
interesses político-partidários e do próprio governo.
O projeto original da Anatel era esse, com uma diretoria formada por
cinco diretores ? conselheiros, profissionais, especialistas e
independentes, indicados e escolhidos sem barganhas e sem a
interferência de Sarneys, CUT, Collor, ACMs, Renan Calheiros, partidos
da base ou da oposição.
Fonte: Ethevaldo Siqueira - O Estado de S.Paulo
Comentários
Postar um comentário