Questões
fiscais sempre integram as agendas dos candidatos em disputas
eleitorais, porque para elas convergem expectativas individuais e
coletivas, o dilema entre solidariedade social e liberdade de escolha,
demandas por justiça e outros sentimentos, não raro contraditórios, que
habitam o cotidiano das pessoas.
O Brasil não constitui exceção a esse paradigma universal. As
promessas transitam quase sempre por mais gastos públicos e menos
impostos, sem maiores preocupações com o equilíbrio nessa prosaica
equação fiscal.
Há uma percepção generalizada quanto ao desproporcional tamanho da
carga tributária brasileira (ao redor de 36% do PIB), sobretudo se
confrontado com países em mesmo estágio de desenvolvimento. Justamente
por essa razão, a sociedade, especialmente o empresariado, clama por
uma redução na carga tributária. A matéria, entretanto, não é trivial e
merece algumas reflexões.
No âmbito dos países desenvolvidos, há uma clara linha divisória: os
da Europa Ocidental têm uma carga tributária relativamente elevada (37%
a 50% do PIB) e uma política de gastos públicos pautada pelo Estado de
bem-estar social; os Estados Unidos, o Japão, a Coreia do Sul, a
Austrália e, em futuro próximo, possivelmente o Chile optam por
transferir para a sociedade o exercício de muitas funções tidas como
públicas e, em consequência, desfrutam de uma carga tributária menor
(27% a 30%). A propósito, relatório do Fundo Monetário Internacional
(FMI) divulgado em abril vaticina que esses patamares de carga
tributária irão aumentar como forma de arrostar os níveis temerários
atingidos pelo endividamento público.
Nos demais países, a carga tributária é inferior a 25%, sem que
exista, contudo, uma nítida definição quanto à opção pelo tipo de
Estado fiscal: a China não tem sistema de proteção previdenciária; a
Índia está implantando um projeto de reforma tributária visando a
elevar as receitas públicas para enfrentar a dramática questão da
pobreza; Rússia, México e muitos países produtores de óleo e gás
financiam suas despesas fiscais com participações nas receitas
provenientes da exploração dessas matérias-primas, o que constitui um
modelo extremamente vulnerável a humores de mercado; já na imensa
maioria dos países africanos e latino-americanos, o Estado é débil e o
orçamento público é suportado, muitas vezes, por doações providas por
países ricos.
A incapacidade de os países latino-americanos e caribenhos
executarem políticas de longo prazo para resolver os problemas de
crescimento e distribuição de renda é que levou a Comissão Econômica
para América Latina e Caribe (Cepal) a defender, em seminário realizado
no final de maio, a elevação da carga tributária na região, ressalvando
que essa proposição não se aplicava ao Brasil.
Essa recomendação segue a mesma linha de raciocínio da secretária
Hillary Clinton, que, em conferência proferida no mês anterior,
destacou o Brasil, para espanto de muitos brasileiros, como sendo o
único Estado fiscal, na América Latina, com condições de prover
políticas públicas efetivas.
A carga tributária brasileira vem crescendo sistematicamente desde o
pós-guerra, a reboque do crescimento do Estado. Os que reclamam contra
o tamanho da carga tributária esquecem que temos, também, o maior
volume de despesas públicas, como proporção do PIB, no contexto dos
países com mesmo grau de desenvolvimento.
Os gastos públicos, desde a promulgação da Constituição de 1988, vêm
se expandindo aceleradamente, por uma miríade de razões: criação
irracional de municípios, vertiginoso aumento das despesas dos Poderes
Legislativo e Judiciário, universalização da saúde pública, política de
pessoal construída ao sabor das pressões corporativas, generosidade e
perpetuidade dos programas de assistência social, juros (muitas vezes
escorchantes) pagos por conta da dívida pública, etc. Sem nenhum juízo
de valor, esse é o Estado que vem sendo construído pelos brasileiros.
Além disso, há mais demandas por gastos: a infraestrutura, inclusive
a urbana, está sucateada; a Olimpíada e a Copa do Mundo implicam
investimentos vultosos, cujo retorno é improvável; e os programas de
saúde continuarão a cobrar mais recursos.
Muitos, justificadamente, reclamam da qualidade dos serviços
públicos. Infelizmente, qualquer pretensão de melhoria sempre se faz
acompanhar por propostas de vinculação de receitas ou de criação de
novos tributos.
A questão da carga tributária passa inevitavelmente por uma
discussão sobre o gasto público. Seria recomendável a construção de uma
Estratégia Fiscal, contendo ao menos regras rígidas para a evolução dos
gastos correntes (especialmente despesas de pessoal), a elaboração de
um programa de eficiência e qualidade no serviço público (como fazer
melhor com menos recursos, inclusive mediante outorga de serviços à
iniciativa privada) e a modernização da legislação orçamentária. Tudo
isso associado a um projeto de redução de alíquotas de tributos.
Trata-se de uma tarefa difícil e complexa. Não há, entretanto,
alternativa para a redução da carga tributária.
Fonte: Everardo Maciel - O Estado de S.Paulo
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