
Para
a maioria dos brasileiros, já tão acostumados à demagogia tradicional
do discurso de seus políticos, não desperta surpresa o exótico
comportamento de Lula em suas frequentes e folclóricas manifestações
públicas em exibição nos cenários nacional e internacional.
Mas no exterior esse tipo de atitude não contribui favoravelmente
para melhorar a imagem de seriedade e estabilidade
político-institucional que o Brasil pretende cultivar. O mundo não vê
grande diferença entre as excentricidades de um Lula ? que se propõe a
resolver, munido somente de charme tupiniquim, impasses diplomáticos
internacionais históricos e milenares de grande complexidade ? ou de um
folclórico Idi Amin Dada de triste memória, que afirmava, para o
entretenimento de sua plateia global, ser capaz de se comunicar
verbalmente com crocodilos.
No caso de Idi Amin, o artifício de se mostrar propositalmente
extravagante se justificava em razão de que suas esquisitices faziam
parte de um estratagema publicitário que lhe permitia alcançar a
visibilidade desejada. No caso de Lula, além do visível objetivo de
promoção pessoal, esse comportamento não tem nenhum outro sentido
prático, ao contrário. Sua atuação tem contribuído para a desconstrução
dos esforços diplomáticos de pacífica e progressista convivência que
historicamente orientam nossas relações exteriores. Um sintético
retrospecto das recentes peripécias da diplomacia deste governo faz
crer que nossa política externa, outrora objetiva e responsável, se
encontra hoje em mãos de condutores de maturidade política e de
eficácia igualmente questionáveis.
Com Honduras, tivemos o fiasco diplomático resultante da desastrada
intervenção brasileira, apoiando e dando abrigo em nossa embaixada a um
presidente que pretendia se eternizar no poder e, ao final, foi
devidamente substituído por um sucessor democraticamente eleito.
Com a Itália, um inexplicável esforço para dar guarida a um
ex-guerrilheiro condenado por diversos assassinatos pela Justiça de seu
país, criando um impasse diplomático absolutamente desnecessário com um
importante e tradicional aliado comercial e político.
Com a Venezuela, o inexplicável apoio pessoal de Lula ao déspota
Hugo Chávez, que ampara guerrilheiros, censura a imprensa e prende
opositores políticos, e que Lula, curiosamente, defende como exemplo de
liderança democrática (certamente aferido por sua visão pessoal ? e
esperamos que intransferível ? do que seja democracia).
Em Cuba, seu apoio incondicional ao ditador Fidel Castro, no poder,
de fato, há 51 anos. Recentemente, por ocasião da morte de Orlando
Zapata, prisioneiro político em greve de fome nos calabouços cubanos,
Lula logrou a façanha de proferir uma das declarações mais infelizes e
polêmicas já protagonizadas por um presidente brasileiro no exterior,
culpando a vítima por sua própria morte, ao "deixar-se morrer". Sua
bizarra declaração foi unânime e globalmente criticada, até por seus
aliados políticos.
Lula foi também o mentor do perdão de dívidas de outros países com o
Brasil, ignorando carências internas gritantes. São cenas cotidianas o
nosso sistema viário abandonado, hospitais inoperantes, escolas
desamparadas, prisões comandadas por prisioneiros, barracos de papelão
servindo de moradia a trabalhadores que pagam os impostos que vão
financiar metrôs e armamentos na Venezuela, hotéis em Cuba, casas de
alvenaria na Bolívia e empregos no Paraguai, no Equador, em Moçambique,
na Nigéria, em Cabo Verde, na Nicarágua e no Gabão. O total das dívidas
perdoadas desses países foi de R$ 1,62 bilhão, quantia suficiente para
atender ao reajuste dos aposentados, que o governo afirma não ter
recursos para honrar. Está também doando como ajuda à Grécia mais de R$
567 milhões, além de emprestar R$ 17 bilhões ao FMI sem haver sido
convidado a fazê-lo.
Conta-se que os Césares de Roma traziam a seu lado nas bigas, ao
desfilarem em seu triunfante retorno das batalhas, uma pessoa que teria
a única função de sussurrar repetidamente em seus ouvidos: "Lembra-te
de que és mortal, ó César." Como contrapartida ao clamor da multidão
que poderia levá-los a olvidar-se de sua condição humana e acreditar-se
divinos, esse chamado tinha o objetivo de reconduzi-los à realidade,
lembrá-los de sua própria finitude, restabelecendo assim a normalidade
das coisas.
Talvez nos falte alguém que ao lado desse homem visivelmente
deslumbrado pelo poder, seduzido pelo afago dos indefectíveis
aduladores e de questionável preparo para o exercício de uma função tão
complexa, repita ao seu ouvido, de tempos em tempos: "Meu senhor, o
senhor é só presidente. Lembre-se de que seu cargo é temporário, ó
Lula."
Um presidente que descumpre as leis que não lhe agradam e debocha
das sanções que lhe são aplicadas está desprestigiando os fundamentos
em que se baseia o sistema democrático, nossa única garantia real de
liberdade. Deve-se questionar se quem dá tão pouco valor às regras
institucionais que regem a democracia poderá merecer representá-la. Em
breve saberemos se a "herança maldita" é a que foi recebida por este
governo ou a que será deixada por ele.
Afortunadamente, no bojo da própria arquitetura concepcional, formal
e dinâmica da ideia de democracia reside, assim como um antídoto
guardado no estojo do veneno, o elemento de correção das possíveis
ameaças à sua viabilidade: a obrigatoriedade intransigente e
inegociável da reavaliação periódica de sua evolução.
A alternância no poder não pretende ser o elixir de mirabolantes
propriedades para a cura de todos os nossos males, mas o nutriente que
nos permite sobreviver para que possamos ter a liberdade de errar
quantas vezes forem necessárias.
Vale lembrar que a maior virtude da democracia não é a de nos
conceder a faculdade de optar pela escolha certa, mas sim a de nos
garantir o permanente direito de poder corrigir a escolha errada.
Felizmente, 3 de outubro de 2010 nos espera.
Fonte: José Danon -ECONOMISTA
- O Estado de S.Paulo
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