O Estado de S.Paulo
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou um corte de mais R$
10 bilhões nos gastos federais deste ano, a imprensa noticiou e muita
gente acreditou. Antes dele, o ministro do Planejamento, Paulo
Bernardo, havia falado em redução de despesas para moderar o ritmo de
crescimento e conter as pressões inflacionárias. Mas era uma
brincadeira de 1.º de abril com mais de um mês de atraso. Não há corte
nenhum. Há só um ajuste do gasto programado à nova estimativa de
receita. É uma exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal, como
explica o Ministério do Planejamento no Relatório de Avaliação do
Segundo Bimestre.
Verificada a arrecadação até o fim de abril, os técnicos fizeram uma
nova projeção de receita para o ano. O cálculo foi baseado numa
estimativa de crescimento econômico de 5,5% e de inflação também de
5,5%. O resultado foi uma redução de R$ 9,39 bilhões na receita
primária esperada para 2010, excetuada a contribuição para o Regime
Geral da Previdência. Descontada a transferência obrigatória a Estados
e municípios, sobram R$ 9,24 bilhões.
O passo seguinte foi o ajuste exigido por lei. Programou-se um corte
de R$ 7,61 bilhões nas despesas discricionárias. Uma redução adicional
(e meramente contábil) de R$ 2,43 bilhões foi obtida com a reestimativa
dos gastos obrigatórios, excetuados os benefícios previdenciários. Está
aí a diminuição de R$ 10 bilhões prometida pelo ministro Guido Mantega.
Não era séria a promessa de seriedade. Na semana passada, até os
críticos do governo tomaram como boa a declaração dos ministros a
respeito da contenção de gastos. Vários economistas julgaram
insuficiente o congelamento de R$ 10 bilhões, mas ninguém pôs em dúvida
a palavra das autoridades. Parte-se do pressuposto de que o governo não
se arrisca a perder a própria confiabilidade.
Mas esse não é todo o problema. Por que o governo elevou sua
estimativa de crescimento de 5,2% para 5,5%, apenas, quando a maioria
das projeções do setor privado indica uma expansão na faixa entre 6% e
7%?
O ministro Guido Mantega deve ter-se esquecido de contar sua nova
história ao secretário da Receita, Otacílio Cartaxo. O secretário
anunciou há poucos dias que a arrecadação do mês passado foi de R$ 70,9
bilhões, 16,7% maior que a de um ano antes e a mais alta para um mês de
abril. Além disso, ele prognosticou uma sequência de recordes.
A arrecadação de R$ 259,2 bilhões no quadrimestre - também um
recorde - resultou, segundo Cartaxo, do aumento dos salários e do
consumo, da elevação da lucratividade das empresas e também da inflação
mais acelerada.
No cenário considerado pelo pessoal da Receita, disse Cartaxo, a
economia crescerá 6% em 2010, impulsionando a arrecadação. Em sua fala
otimista, ele chegou a propor um aumento da meta de superávit primário,
fixada em 3,3% do PIB. Mas não compete à Receita, ressalvou, analisar a
política fiscal.
Com a ressalva ele demonstrou disciplina funcional, mas não
desmentiu sua visão otimista do crescimento econômico e da arrecadação.
Essa visão coincide com boa parte das projeções de especialistas
independentes e é compatível com a linguagem usada há poucos dias pelo
ministro da Fazenda.
O governo, disse na semana passada o ministro, agiria para evitar um
crescimento superior a 7%. Esse risco, segundo o novo relatório de
avaliação bimestral, parece ter sido logo descartado pelas autoridades
econômicas.
Ainda há poucos dias, o ministro Guido Mantega disse haver recebido
do presidente Lula o aval necessário a uma contenção de gastos. A
informação parecia fazer sentido: a economia ainda cresceria de forma
satisfatória e o governo poderia mostrar ao público uma novidade - um
ajuste fiscal para conter a inflação.
Mas essa história parece agora estranha. O ministro não precisaria
de aprovação para um mero acerto periódico exigido pela Lei de
Responsabilidade Fiscal. Outra versão é muito mais crível: a cúpula do
governo decidiu continuar gastando - porque a receita continuará
crescendo - e nada fazer para limitar a expansão da economia num ano de
eleição.
O Banco Central continuará sozinho no combate à inflação.
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