Uma coletânea de artigos e
entrevistas mostra a evolução
do pensamento político de Fernando Henrique Cardoso
Sergio Sade

VERMELHINHO FHC, nos anos 70: ele gostava de
citar Marx, mas nunca aprovou ditaduras de esquerda
Responda rápido: depois de João
Goulart, quem foi o primeiro político de esquerda a assumir o poder no
país? Se alguém respondeu "Lula", errou. O primeiro esquerdista
a alcançar o cargo mais alto da República no Brasil moderno atende
pelo nome de Fernando Henrique Cardoso. Não, não é uma provocação.
Essa é a conclusão a que se chega ao cabo da leitura de Relembrando
o que Escrevi – Da Reconquista da Democracia aos Desafios Globais (Civilização
Brasileira; 196 páginas; 39,90 reais). O livro mescla artigos publicados
por FHC a trechos de entrevistas concedidas por ele a diversos veículos
de comunicação nos últimos 38 anos. As passagens foram divididas
por temas – todos relacionados à política e ao funcionamento
do estado – e organizadas em ordem cronológica. O resultado, para
além de um painel do pensamento fernandohenriquiano, é uma
narrativa coesa da evolução do debate público brasileiro
nas últimas quatro décadas.
É curioso
ler o FHC dos anos 70 elogiando Karl Marx, acusando o governo de agir em favor
"das empresas" ou cravando, como fez em entrevista a VEJA, em 1977,
que "não existe a possibilidade de falar numa democracia substantiva
no Brasil sem reconhecer a legitimidade de uma tendência socialista".
Eram teses que encantavam boa parte da intelectualidade nacional naquele período,
e FHC sempre esteve na vanguarda desses debates. Antes que alguém pense,
no entanto, que FHC viveu uma fase stalinista, vai aqui uma ressalva: ele sempre
criticou duramente as ditaduras de esquerda. Nunca deixou de destacar, em todas
as suas manifestações públicas sobre o tema, que a democracia
e a liberdade são valores primordiais para qualquer sociedade que se pretenda
civilizada. Esquerdista, sim. Totalitário, jamais.
Na
década de 80, o ex-presidente começou a distanciar-se da retórica
marxista, mas, curiosamente, ainda rendia homenagens a guerrilheiros que sonhavam
com uma grande revolução na América Latina. Chegou a classificar
os tupamaros, do Uruguai, de "quixotes modernos" que "viviam sua
saga, pagando com sangue o tributo à possibilidade, que acreditavam existente,
de fundar na terra o paraíso sem males da igualdade social". Os anos
90 trouxeram uma lufada de oxigênio ao pensamento de FHC. Para sorte do
país que governou, ele passou a defender apenas os conceitos que, verdadeiramente,
são capazes de produzir uma revolução social: a estabilidade
monetária, a abertura à globalização, a reorganização
do estado, a responsabilidade fiscal. Fernando Henrique evoluiu e, com dele, o
Brasil. Mas certas paixões nunca são completamente abandonadas.
Em 1996, já na Presidência da República, declarou ao jornal
francês Le Monde: "Ser de esquerda, para mim, é compreender
a situação objetiva e fazer as transformações necessárias
para permitir que os valores do humanismo, da democracia e da justiça social
possam triunfar. Nesse sentido, sou verdadeiramente de esquerda". O.k. Nesse
sentido, somos todos de esquerda, presidente.
Fonte: Veja.com
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