JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS - O Estado de S.Paulo
O crescimento brasileiro após 2000 mostrou, como se sabe, a expansão
vigorosa de uma nova classe média, aqui definida como composta por
famílias com renda mensal de 3 a 10 salários mínimos, e mais comumente
chamada de classe C. Ao mesmo tempo, as categorias mais pobres (classes
D e E, com rendas de até 3 salários mínimos) apresentaram elevações nos
ganhos médios e redução de seu tamanho relativo, por efeito de promoção
de muitas pessoas para a categoria superior. Como consequência, os
indicadores de distribuição de renda e de consumo apresentaram
melhorias sistemáticas, fazendo deste último a grande alavanca do
crescimento no período.
Para a melhoria da posição real e relativa das categorias E, D e C,
é também sabido que a regulação e as transferências governamentais
foram as variáveis mais importantes, até porque a demanda por trabalho
só se acelerou recentemente.
A evolução das rendas mais baixas da economia tem muito mais a ver
com três eventos: os ganhos reais do salário mínimo (que acumularam 78%
entre dezembro de 2000 e maio de 2010); o vertiginoso crescimento nas
despesas da previdência, tanto em cobertura como no valor real dos
benefícios (as despesas reais da previdência cresceram 90 % entre 2000
e 2009) e a enorme expansão dos programas de transferência de renda,
inclusive estaduais e municipais, onde o Bolsa-Família (que sucedeu o
Bolsa-Educação) é o caso mais conhecido.
Finalmente, também sabemos que a melhora na posição das classes E, D
e C impactou de forma diferenciada as diversas regiões do país. A
região nordeste foi grande ganhadora neste processo, dado que ali se
concentram os maiores volumes de pobreza do país. É largamente
conhecido o fato que a vida econômica de inúmeras comunidades só se
move quando chegam os pagamentos das bolsas e das aposentadorias.
Olhando para o futuro, tenho a impressão de que este quadro não se
manterá, isto é, a dinâmica regional deverá ser diferente a partir do
próximo ano. Certamente o Brasil deverá continuar a crescer, e com ele
todas as regiões: projetamos uma expansão 4,0 e 4,5% nos próximos anos,
que representa , em nossa opinião, o potencial ajustado à nossa taxa de
investimento, ainda inferior a 20% do PIB. Entretanto, por diversas
razões, a Região Sudeste (e São Paulo em particular) deverá puxar o
crescimento. No resto deste artigo tentamos mostrar o porquê da
proposição.
Em primeiro lugar, é pouco provável que as transferências
governamentais continuem a crescer, em termos reais, na velocidade do
passado recente. A razão maior é que o Tesouro Nacional está gastando
numa velocidade evidentemente insustentável. Pior que isso, o nosso
regime fiscal está sendo deteriorado sistematicamente, como é prova a
verdadeira árvore de natal desta MP 487, na qual, inclusive, se concede
um explícito afrouxamento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Além da menor oferta de recursos, devemos considerar que a política
de elevação real do salário mínimo terá de ser moderada pela piora
forte na situação da Previdência Social, ampliada pela liberalidade
legislativa recente. Ademais, a cobertura dos programas distributivos
já é quase total, tudo se somando para justificar a projeção de menor
expansão nas transferências públicas, independentemente do resultado
das eleições. Nessas condições, o Nordeste deve perder parte de sua
alavanca de crescimento rápido.
Ao mesmo tempo, não percebo que tenha se desenvolvido nenhum polo
novo de crescimento que venha compensar a redução relativa do gasto
público. Os polos tradicionais maturaram (frutas no São Francisco, polo
petroquímico, produção automotiva, indústrias tradicionais, como
calçados e têxtil, produção de petróleo, etc.), e nada grande apareceu
no lugar, exceto o complexo econômico em torno do Porto de Suape, em
Pernambuco. Neste Estado também existe um centro de empresas de
tecnologia da informação e um importante polo na área da saúde. A nosso
ver, boa parte de outros grandes projetos, como refinarias,
siderúrgicas, ferrovias e a transposição do Rio São Francisco, ou estão
muito atrasados ou simplesmente não acontecerão.
Na Região Sudeste, ao contrário, o crescimento deverá ser
positivamente impactado por, pelo menos, três fatores: a exploração do
pré-sal, os gastos na preparação das disputas esportivas (Copa e
Olimpíada) e a expansão de investimentos em áreas de elevada
produtividade, no agronegócio, indústria e, especialmente, serviços.
A exploração do pré-sal é bastante conhecida, e nos próximos dez
anos serão investidos, segundo a Petrobrás, algo como 110 bilhões de
dólares no Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo. Existem algumas
dúvidas se a Petrobrás conseguirá realizar todo seu ambicioso programa
de investimentos, especialmente nas circunstâncias atuais dos mercados
de capitais no mundo; mesmo neste caso parece certo que os
investimentos no pré-sal serão prioritários, ao contrário das
refinarias projetadas. Ademais, serão muito importantes seus efeitos
sobre fornecedores de bens e serviços. Embora estes estejam espalhados
pelo Brasil (como os estaleiros), é certo que estão muito mais
concentrados na Região Sudeste.
Também no caso dos eventos esportivos a concentração de gastos na
região é bastante óbvia, especialmente no Rio de Janeiro. Os números
são ainda incertos, mas parece razoável dizer que será elevado.
O Rio de Janeiro tem hoje uma oportunidade que não pode perder, de transformar e dar nova vitalidade para sua economia.
A terceira razão para suportar a ideia que o Sudeste vai liderar o
crescimento nos próximos anos é que os investimentos na produção de
outros bens e serviços também estarão aqui concentrados. Chamo a
atenção tanto para setores já existentes como para áreas novas, com
maior densidade tecnológica. No primeiro caso estão as indústrias
automobilísticas, químicas e de bens de capital. No caso de áreas menos
conhecidas, gostaria de destacar a forte expansão do "cluster" da saúde
(que inclui a indústria farmacêutica, de equipamentos médicos e
odontológicos, serviços hospitalares e diagnósticos, inclusive voltados
para clientes de outros países, construção civil especializada, etc.),
a biotecnologia (especialmente os biocombustíveis de segunda geração),
os serviços financeiros e de suporte para os negócios e a economia
criativa, que inclui uma multiplicidade de segmentos, como publicidade,
arquitetura, engenharia, moda, design, atividades culturais, filmes
artes, áudio visual, serviços de internet, etc. Todas estas áreas estão
em processo de internacionalização e a região está se tornando um
centro de toda a América Latina. Todas estas atividades também agregam
elevado valor adicionado e demonstram uma razoável geração de inovações.
O Estado de São Paulo é o epicentro destes movimentos, pois conta
ademais com a única rede de estradas decentes do País e tem grande
destaque no suporte à pesquisa tanto quanto concentra inúmeros
institutos científicos e muitos parques tecnológicos, alem da indústria
aeronáutica.
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