
O
ex-ministro do Esporte e candidato do PT ao governo do Distrito
Federal, Agnelo Queiroz, terá um caminho duro até as eleições de
outubro. Um obstáculo difícil será superar o adversário Joaquim Roriz
(PSC), político popular que ficou quase 14 anos no poder e está na
dianteira das pesquisas eleitorais realizadas até agora. Antes, porém,
Agnelo terá de se defender de denúncias que o relacionam a desvios de
verbas do Segundo Tempo, principal programa do Ministério do Esporte no
governo Lula.
Uma investigação deflagrada pela Polícia
Civil do Distrito Federal no início de abril, batizada de Operação
Shaolin, prendeu cinco pessoas, apreendeu documentos e colheu
depoimentos sobre o destino de quase R$ 3 milhões repassados pelo
ministério a duas associações de kung fu de Brasília. O relatório final
da operação compromete Agnelo com um golpe milionário e sugere o envio
das informações ao Ministério Público Federal (MPF) para que a
investigação seja aprofundada. Os desdobramentos do caso dirão se o
ex-ministro terá condições de se livrar das graves acusações ou se ele
aumentará a lista dos políticos de Brasília flagrados com a mão no
dinheiro público.
ACUSAÇÃO
No inquérito, o delegado afirma que Agnelo “teria se valido da condição
de ex-ministro” para ser favorecido pelo esquema de corrupção. Agnelo
nega
ÉPOCA teve acesso ao
relatório da Polícia Civil. “Os indícios preliminares colhidos sugerem
que Agnelo Queiroz teria se valido de sua condição de ex-ministro do
Esporte para se beneficiar de um suposto esquema de desvio de recursos
pertencentes a associações que receberam verbas do programa Segundo
Tempo”, afirma, no documento, Giancarlos Zuliani Junior, o delegado
responsável pela investigação. A origem das irregularidades foi o
repasse de R$ 2,9 milhões para a Federação Brasiliense de Kung Fu
(Febrak) e para a Associação João Dias de Kung Fu. O maior convênio, de
R$ 2 milhões, foi assinado em 2005 pelo então secretário executivo da
pasta e atual ministro, Orlando Silva, com a Febrak. A federação teria
de desenvolver atividades desportivas com 10 mil alunos da rede pública
de ensino enquanto não estavam em sala de aula. O segundo convênio, de
R$ 920 mil, foi firmado com a associação em 2006, quando Agnelo não era
mais ministro do Esporte. Segundo a polícia, as associações, presididas
pelo policial militar, professor de kung fu e suplente de deputado
distrital João Dias (PCdoB), se apropriaram de R$ 2 milhões dos
convênios sem prestar os serviços combinados.
A investigação
sustenta que as ONGs de Dias forjavam a compra de materiais que seriam
usados durante as atividades com as crianças, tais como quimonos, jogos
de xadrez, damas, varetas e alimentos. As associações teriam atuado em
conluio com empresas que forneciam notas fiscais frias para driblar a
fiscalização do ministério.
De
acordo com a apuração da polícia, empresas de fachada cobravam 17% do
valor das notas para emitir os papéis frios, sacar os recursos
depositados pelas associações em suas contas e devolver o dinheiro para
as ONGs de João Dias. Os investigadores afirmam que Dias desviou
recursos para a compra de uma casa avaliada em R$ 850 mil para
construir duas academias de ginástica e financiar sua campanha para
deputado distrital em 2006.
O INÍCIO
Então secretário, o atual ministro Orlando Silva assinou com João Dias
o contrato com a Febrak. Segundo uma testemunha, desse convênio teriam
saído R$ 256 mil para Agnelo

Uma
testemunha disse ao delegado Giancarlos Zuliani que sacou entre os dias
7 e 8 de agosto de 2007 o equivalente a R$ 335 mil em uma agência do
Banco de Brasília, o BRB. Essa testemunha não será identificada na
reportagem porque, segundo um envolvido nas investigações, ela ainda
não está sob proteção da polícia. A mesma testemunha disse que colocou
R$ 256 mil numa mochila e seguiu até a cidade-satélite de Sobradinho,
acompanhada de Eduardo Pereira Tomaz, principal assessor de João Dias
nos projetos do Segundo Tempo. Chegando ao local indicado, o
estacionamento de uma concessionária de motos, um Honda Civic de cor
preta, diz a testemunha, estacionou ao lado do carro onde estava com
Eduardo. Eduardo, prossegue o relato, entregou a mochila com o dinheiro
ao passageiro do carro preto.
A testemunha diz ter
identificado o homem que pegou a mochila. “O local onde ocorreu a
suposta entrega possuía boa iluminação, razão pela qual o declarante
pode afirmar com convicção que Agnelo Queiroz foi a pessoa que recebeu
a mochila contendo R$ 256 mil”, diz o relatório da polícia. O
depoimento fornece detalhes do encontro em Sobradinho. O ex-ministro
teria despejado o dinheiro no chão do carro para conferir os valores e,
ao final, tirado R$ 1.000 e dado como gorjeta para Eduardo e para a
testemunha.
Eduardo
e João Dias foram presos temporariamente durante a Operação Shaolin. Um
manuscrito encontrado na casa de Dias chamou a atenção dos policiais.
Trata-se de um bilhete que relaciona o número “300.000” ao nome
“Agnelo”. O papel foi submetido a perícia, que identificou João Dias
como o autor do manuscrito. Gravações telefônicas autorizadas pela 3ª
Vara Criminal de Brasília, segundo os investigadores, interceptaram
ligações realizadas por Ana Paula Oliveira, mulher de Dias, para Agnelo
Queiroz na manhã de 5 de abril, logo após a prisão de João Dias
Ferreira. De acordo com a investigação, Ana Paula tentou falar três
vezes com Agnelo para “solicitar a indicação de um advogado para
defender seu marido na situação relacionada ao Segundo Tempo”. Em outro
momento, segundo a polícia, Dias quis auxílio de Agnelo para se
defender em uma ação civil pública promovida pelo Ministério Público
Federal.
O IMÓVEL
A
casa de João Dias em um condomínio nos arredores de Brasília. Dias
comprou-a enquanto recebia dinheiro do Ministério do Esporte
A
polícia indiciou sete pessoas, entre elas João Dias e Eduardo Pereira
Tomaz. Além de sugerir o envio das informações para o MPF, Zuliani pede
que seja feito um rastreamento dos telefones celulares usados por
Agnelo e pelos outros envolvidos na suposta entrega de dinheiro em
Sobradinho. Propõe, também, que sejam pedidos os extratos telefônicos
que contêm as chamadas geradas e recebidas pelas linhas usadas pelos
suspeitos, inclusive Agnelo.
Agnelo nega ter recebido
dinheiro proveniente das associações ligadas a João Dias. Diz não ter
havido o encontro em Sobradinho descrito pela testemunha e ataca os
investigadores. “Esse é um inquérito ilegal e clandestino, arquitetado
por uma facção da Polícia Civil do Distrito Federal que estava sob o
comando dos meus adversários e que tinha na linha de frente o
ex-governador José Roberto Arruda”, afirma. “Esse dossiê, travestido de
relatório final de um inquérito, produzido por um grupo da Polícia
Civil do Distrito Federal que não tem competência legal para fazê-lo,
está sendo usado por meus adversários políticos do momento para tentar
equiparar a minha biografia ao prontuário policial deles.” Indagado
sobre sua relação com João Dias, Agnelo afirma que foram
“correligionários” no PCdoB na eleição de 2006, mas nega que tenha
recebido pedido para ajudá-lo na defesa contra a denúncia do MP. “A
investigação obedeceu a todas as condições técnicas e foi concluída”,
afirma o diretor da Polícia Civil do Distrito Federal, Pedro Cardoso.
“O relatório foi encaminhado pelo delegado constituído para a Justiça.”

João
Dias nega o envio de pacotes de dinheiro para Agnelo. “Não existe
possibilidade de qualquer tipo de benefício direto ou indireto ao
ex-ministro Agnelo. Nunca houve nenhum tipo de ajuda financeira”, disse
Dias a ÉPOCA. Dias afirma que não escreveu o bilhete e se compromete a
fazer novos exames grafotécnicos para provar que a letra não é dele. De
acordo com o Ministério do Esporte, os convênios com as associações de
kung fu foram firmados obedecendo a critérios técnicos. O ministério
diz que o dinheiro desviado, avaliado em R$ 4 milhões em valores
atuais, foi cobrado dos representantes das ONGs. Eduardo Tomaz nega o
encontro de Sobradinho e a entrega do dinheiro relatada pela testemunha
no inquérito.
Diz uma lei não escrita, estabelecida há
meses na política do Distrito Federal, que não vence as eleições quem
tiver mais votos, mas quem conseguir sobreviver a denúncias de
corrupção. Para Agnelo, o maior desafio agora não é enfrentar uma
disputa com Roriz, mas provar que as acusações contra ele são
inconsistentes.
Fonte: Murilo Ramos e Marcelo Rocha - Epoca.com
Comentários
Postar um comentário