Segundo investigação, grupo rebelde colombiano tem invadido sistematicamente o território brasileiro
Sítio nos arredores de Manaus que servia de base de radiocomunicação das Farcs
Um relatório sigiloso produzido pela inteligência da Polícia Federal
joga por terra o discurso do governo brasileiro de que as Forças
Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) não agem do lado de cá da
fronteira.
De
acordo com o documento, datado de 28 de abril deste ano, a guerrilha
colombiana não só tem violado sistematicamente a fronteira
Colômbia-Brasil como tem utilizado o território brasileiro para seus
negócios, especialmente o narcotráfico.
A conclusão faz parte
do relatório final da investigação que levou à prisão, no último dia 6
de maio, de José Samuel Sanchez, o "Tatareto", apontado pela PF como
integrante da Comissão de Logística e Finanças da 1.ª Frente das Farc,
um dos mais importantes destacamentos da guerrilha colombiana.
Rádio enterrado
O
grupo que trabalhava na base brasileira utilizava conhecidas técnicas
das Farc. O sistema de comunicação que Tatareto mantinha em seu sítio,
perto de Manaus, era acionado em horáriospré-determinados para contatos
com a guerrilha na Colômbia: 7h, 12h e 17h. Na maioria das vezes, os
diálogos eram codificados.
A exemplo do que as Farc fazem na
selva colombiana para esconder armas e drogas, os dois aparelhos de
rádio-comunicação ficavam enterrados, dentro de um tonel. A antena, que
não costuma ser nada discreta, repousava, cuidadosamente camuflada,
entre as copas de duas árvores.
Tatareto - "gago", em
espanhol - foi preso com mais sete pessoas. Ele é acusado de comandar
uma importante rota do tráfico que usava rios da Amazônia para fazer
chegar a Manaus carregamentos de cocaína produzida na selva colombiana
pelas Farc. Da capital do Amazonas, a droga era distribuída para outros
Estados brasileiros e para a Europa.
A PF afirma que a
guerrilha, cada vez mais encurralada na Colômbia pelas operações
militares do governo de Alvaro Uribe, chegou a estabelecer bases em
plena Amazônia brasileira. Diante da responsabilidade pela arrecadação
de recursos para as Farc, diz o relatório, Tatareto "transferiu sua
base operacional para o território brasileiro, de onde poderia
coordenar (as atividades) com mais tranquilidade, sem o perigo do
confronto armado frequente com as forças oficiais da Colômbia".
Os
investigadores mapearam as duas mãos do esquema: as Farc enviam coca da
Colômbia para o Brasil e, no sentido inverso, os recursos obtidos com a
venda da droga são remetidos para acampamentos da guerrilha na
Colômbia, seja em dinheiro vivo, seja na forma de mantimentos e insumos
para refino da coca comprados em território brasileiro. "Tatareto
disponibiliza parte dos recursos para a aquisição de mantimentos e
logística em geral (combustível, produtos químicos, etc) que são
comprados em Letícia (do lado colombiano) e destinados ao seu pessoal
na selva", afirma a PF.
As cargas, aponta o relatório, são
transportadas por balsas colombianas que fazem o trajeto regular entre
as cidades colombianas de Letícia e La Pedrera, passando pelo
território brasileiro. Uma das embarcações, a "RR Camila", pertence ao
colombiano Carlos Emilio Ruiz, preso em Bogotá por ligação com as Farc.
"Investimentos"
A
mesma investigação descobriu investimentos consideráveis do grupo de
Tatareto no Brasil. Também com o dinheiro amealhado com o comércio da
coca, os colombianos compravam terrenos e barcos de pesca. Até empresas
chegaram a ser abertas para "gerenciar" o patrimônio e acobertar as
atividades ilegais. Nada era registrado em nome de Tatareto.
"Como
membro da Comissão de Logística e Finanças da 1.º Frente das Farc, José
Samuel Sanchez investe grande parte dos lucros provenientes das drogas
na compra de barcos pesqueiros, os quais são colocados em nome de
Carlos Rodrigues Orosco", diz o relatório da PF.
Para os
investigadores, Carlos Orosco, ou "Carlos Colombiano", era uma espécie
de testa-de-ferro de Tatareto. É em nome dele que estão tanto as
empresas quanto os terrenos de propriedade do grupo. Uma das empresas é
o Frigorífico Tefé Comércio e Navegação Ltda.
Registrado
formalmente em 1998 - indicação de que o esquema da guerrilha em solo
brasileiro pode estar em operação há mais de uma década -, o
frigorífico servia para maquiar os carregamentos da droga, que navegava
da região da fronteira com a Colômbia até Manaus escondida debaixo de
camadas de peixe.
Na Junta Comercial do Amazonas, o
frigorífico, cuja sede é um flutuante ancorado na orla de Tefé, no
interior amazonense, aparece com um capital social de R$ 80 mil.
A
fachada montada para dar ares de legalidade ao esquema vai além. O
Estado levantou outras duas firmas relacionadas ao grupo. Carlos
Colombiano, que também foi preso, figura ainda como proprietário dos
barcos pesqueiros adquiridos pelo grupo. Ele chegou a ter cinco
embarcações em seu nome - algumas delas, de grande porte, podem custar
até R$ 250 mil.
Em nome do "testa-de-ferro" de Tatareto
estão também pelo menos dois sítios. Um deles, à margem de um igarapé
nos arredores de Manaus, tem área equivalente a 92 campos de futebol e
era usado como base de comunicação com as Farc na Colômbia.
O
documento de posse do terreno, em nome de Carlos Colombiano, foi
apreendido pela PF no carro de Tatareto, que nas conversas gravadas
pela polícia diz que a propriedade é sua. Outro imóvel, foi comprado e
revendido recentemente. À PF, Carlos Colombiano disse tratar-se de
"investimento".
Fonte: Rodrigo Rangel - O Estado de S.Paulo
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