Geraldo Alckmin busca aposentar era de vices decorativos na Presidência

Ex-tucano construiu relação de confiança com Lula e, além de substituí-lo, será responsável pela Indústria e Comércio

Geraldo Alckmin

Carolina Linhares e Catia Seabra - Folha.com

O vice-presidente eleito e futuro ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin (PSB), 70, foi quem avisou a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que o governo Jair Bolsonaro (PL) havia revogaddo a portaria que impedia a presença do ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, na posse presidencial.

No início do mês, Alckmin fora incumbido de ligar a representantes do governo para pedir a revogação.

O episódio simboliza a trajetória de transformação de Alckmin no último ano.

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Desde dezembro de 2021, quando a chapa foi ensaiada pela primeira vez aos olhos do público em um jantar no restaurante Figueira Rubaiyat, em São Paulo, o ex-tucano foi de estranho no ninho a companheiro de lutas –memes ajudaram os brasileiros a assimilar tal conversão.

A missão de viabilizar a ida de Maduro à posse demonstra ainda o nível de confiança estabelecido entre Lula e seu partido com Alckmin, que chegou ao time encarregado de abrir portas com conservadores, religiosos e agropecuaristas na campanha.

Depois de eleito, Alckmin recebeu tarefas cada vez mais relevantes, como coordenar a equipe de transição e, recentemente, assumir o Ministério da Indústria. Ficou claro que ele tentará se descolar do figurino de vice decorativo que coube aos antecessores Michel Temer (MDB) e Hamilton Mourão (Republicanos).

Como integrante da equipe econômica de Lula, Alckmin terá que equilibrar-se entre fazer a articulação com o setor produtivo e substituir o mandatário —o que deve ocorrer com frequência dada a expectativa de que o petista se dedique a estreitar relações com governos estrangeiros.

Mais do que vice e ministro, Alckmin também é um dos cotados para a disputa presidencial de 2026, já que Lula declara não pretender concorrer à reeleição.

É justamente na equipe econômica que também atuarão seus adversários nessa seara: Fernando Haddad (PT), futuro ministro da Fazenda, e Simone Tebet (MDB), futura ministra do Planejamento.

Na campanha, Alckmin foi a versão encarnada de uma nova carta ao povo brasileiro. Tornou-se o primeiro sinal de que Lula mirava além do PT para voltar ao Planalto e foi fiador de uma frente ampla que compartilha a avaliação de que Bolsonaro representa um risco à democracia.

Desde que entrou para o time de Lula, Alckmin manteve seu estilo discreto. Uma hora antes de ser anunciado ministro, questionado por jornalistas sobre o posto, balançou a cabeça sem dizer que sim ou que não.

Na visão de aliados, o vice se comportou como soldado e provou sua fidelidade, algo bastante valorizado em um PT traumatizado com a ascensão de Temer após o impeachment de Dilma Rousseff (PT).

A surpreendente sintonia entre Lula e Alckmin, que geralmente se elogiam em público, pode estar ligada ao momento político comum a ambos, que buscavam uma redenção na vida pública depois de um último ciclo eleitoral melancólico.

Preso em Curitiba e então condenado por corrupção, o ex-presidente não pôde concorrer ao Planalto, enquanto Alckmin, sim, concorreu, mas só para terminar com 4,76% dos votos, o pior resultado da história do PSDB.

A chapa dos fênix, segundo definiu o marqueteiro Felipe Soutello, que teve a ideia de juntá-los ainda em maio de 2021, venceu Bolsonaro por 50,9% a 49,1% dos votos válidos, o resultado mais apertado desde a redemocratização.

Quando o governo eleito passou a ocupar o CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) em Brasília, Alckmin se tornou o porta-voz dos anúncios de Lula e, de início, sua monotonia e linguagem burocrática foram saudados por eleitores do PT como um sinal de que os arroubos de Bolsonaro eram águas passadas.

Foi no CCBB e ao lado da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que Alckmin assistiu aos jogos do Brasil na Copa, vestido com o uniforme amarelo por cima da camisa social branca e meias coloridas, cuja escolha atribuiu à mulher, Lu Alckmin. Era mais uma faceta daquele que outrora teve seu carisma comparado a um picolé de chuchu.

No último dia 22, Alckmin foi escolhido ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Ele não era a primeira opção de Lula e só ganhou a cadeira depois que dois empresários, Josué Gomes e Pedro Wongtschowski, a recusaram.

Segundo aliados, Alckmin ficou feliz com a missão, uma vez que reindustrialização e agenda de competitividade já eram temas frequentes de seus discursos. A escolha foi bem recebida entre as entidades do setor.

Futuro presidente do BNDES, ligado à pasta de Alckmin, Aloizio Mercadante (PT) afirma que trabalhou para que o vice assumisse o ministério. Segundo ele, a expectativa é de que ele abra novos mercados para o comércio brasileiro e promova inovação.

"Alckmin é um excelente gestor e tem ótima interlocução com o empresariado. É de trato fácil, tem habilidade política e conhece bastante o setor produtivo", completa.

Questionado sobre sua relação com o vice, Mercadante diz que ambos são santistas e, em uma homenagem ao rei do futebol morto na quinta (29), afirma que formarão a dupla Pelé e Coutinho. "Vou colocar ele na cara do gol."

A respeito de Alckmin ser um nome em potencial para suceder Lula em 2026, Mercadante afirma que essa questão não está posta ainda.

Médico, Alckmin foi vereador e prefeito de Pindamonhangaba (SP), cidade onde nasceu, deputado estadual e deputado federal.

Governou o estado de São Paulo em quatro mandatos, de 2001 a 2006 e de 2011 a 2018. O ex-governador chegou ao Bandeirantes pela primeira vez após a morte de Mário Covas, de quem era vice.

No último dia 19, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou o trancamento de uma ação penal eleitoral aberta contra Alckmin em 2020.

O ex-governador era acusado de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e caixa dois com recursos da Odebrecht nos pleitos de 2010 e 2014. O ministro considerou que a acusação usava provas do acordo de leniência da empreiteira que já tinham sido invalidadas.

Símbolo do PSDB paulista, Alckmin deixou o partido que ajudou a fundar em 1988 após uma disputa com João Doria e ingressou no PSB para viabilizar a chapa com Lula. O ex-tucano planejava concorrer novamente ao Palácio dos Bandeirantes, mas Doria queria emplacar seu vice, Rodrigo Garcia (PSDB).

Alckmin e Lula se enfrentaram diretamente na eleição presidencial de 2006, quando o petista foi reeleito no segundo turno. Os ataques entre eles ao longo dos anos foram rememorados na eleição, a exemplo de quando, em 2017, Alckmin disse que "depois de ter quebrado o Brasil [….] Lula quer voltar à cena do crime".

Entre o primeiro e o segundo turno, num evento com apoiadores em São Paulo, Alckmin resumiu sua nova posição: "O que é mais importante? As disputas do passado ou a necessidade do presente? O Brasil precisa salvar a democracia".

Segundo Amanda Vitoria Lopes, doutoranda em Ciência Política na Universidade de Brasília que estuda a relação entre presidentes e vices na América Latina, a relação de confiança entre Alckmin e Lula lembra a das duplas Lula e José Alencar e Fernando Henrique Cardoso (PSDB). e Marco Maciel em contraposição à relação mais tumultuada entre Dilma e Temer e Bolsonaro e Mourão.

"Lula escolheu seus vices, ele constrói uma relação de lealdade na campanha e leva isso para o governo. E foram escolhas cada vez mais ao centro", diz.

Amanda Lopes destaca ainda duas especificidades de Alckmin como vice.

Primeiro, o fato de ter um papel definido, como ministro, que vai além da sua cadeira. Em segundo lugar, sua condição simultânea de presidenciável, que não é inerente a qualquer vice e está mais ligada à trajetória de Alckmin como figura conhecida de outros pleitos.

Raio X | Geraldo Alckmin, 70

Médico anestesista, foi vereador e prefeito em Pindamonhangaba (SP), sua cidade natal. Depois, elegeu-se deputado estadual, federal, vice-governador e governador de São Paulo ao longo de quatro mandatos, pelo PSDB. Foi candidato a presidente duas vezes. Em 2022, se elegeu como vice-presidente pelo PSB na chapa de Lula (PT).

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