Os conselhos de tucanos históricos para o novo governo Lula

Apoiadores do petista nas eleições, José Aníbal e Aloysio Nunes avaliam principais desafios em áreas como economia e relações exteriores

José Aníbal e Aloysio Nunes

Laísa Dall'Agnol 

Luiz Inácio Lula da Silva assumiu pela terceira vez a Presidência da República no domingo, 1º, com o desafio de não apenas pacificar um país dividido pela polarização política, mas, ainda, os de garantir a governabilidade em meio a um Congresso onde o governo não tem maioria folgada e colocar em prática medidas importantes em áreas como economia e educação. 

A VEJA os tucanos históricos Aloysio Nunes — ex-senador e ex-ministro das Relações Exteriores de Michel Temer (MDB) — e José Aníbal — ex-presidente nacional da sigla, ex-deputado federal e líder do partido na Câmara durante os anos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) — falaram sobre o cenário atual de transição de poder e avaliaram quais deverão ser os primeiros passos de Lula, a quem apoiaram no segundo turno das últimas eleições.

Ambos apontam o “desmonte” promovido por Jair Bolsonaro em setores como saúde e meio ambiente e a subsequente necessidade de “reconstrução” de políticas públicas como o ponto inicial do governo que se inicia. A guinada na troca de gestão no campo ideológico, político e programático é um dos temas da edição de VEJA desta semana.

“Está sendo preciso recomeçar limpando o entulho para retomar as coisas num nível razoável de atividade. Sem falar no acirramento político que, apesar de tudo, hoje é cada vez mais um resíduo. Isso vai acabar ficando até que comecem a pagar as consequências de praticarem crimes de atentado contra a democracia”, afirma Aloysio Nunes a respeito de seguidores e aliados de Bolsonaro que encamparam atos antidemocráticos. “A medida que ele [Bolsonaro] vai se eclipsando, esse impulso vai diminuir a agressividade e o entusiasmo”, avalia.

Para Aníbal, o futuro governo já dá sinais de que não será tolerante com quaisquer manifestações golpistas e de ameaças a instituições, o que é um recado importante. Flávio Dino, novo ministro da Justiça, já declarou que será implacável com atos dessa natureza. “Esses bandos que ficam nas portas dos quartéis, na porta de uma instituição do Estado brasileiro, é inaceitável. Gente insubmissa ao resultado das eleições”, afirma.


Economia e diplomacia 

Ex-chefe do Itamaraty no governo Temer e membro do grupo de trabalho de transição de Lula na área das relações exteriores, Aloysio Nunes critica a falta de habilidade política de Bolsonaro na relação com países vizinhos da América Latina e com nações da União Europeia e potências como China e Estados Unidos. 

Para o ex-chanceler, o retorno de Lula ao poder representa o resgate de boas relações internacionais e de cooperação do Brasil, em consonância com uma “política universalista”, sem alinhamento a nenhum bloco específico.

“Bolsonaro não conversou com Alberto Fernández [Argentina], Gabriel Boric [Chile], Gustavo Petro [Colômbia]. Demorou para reconhecer a vitória de Joe Biden nos Estados Unidos, deu tratamento injurioso ao presidente da França, tratou o embaixador da China de maneira aleivosa”, aponta. “Vejo que agora o país voltará a ser ativo nas organizações internacionais, especialmente em meio ambiente e direitos humanos, no comércio internacional. E tudo deve ser conduzido com muita prudência, diante de um acirramento da rivalidade entre China e Estados Unidos, praticando-se uma neutralidade ativa”, diz.

Na área econômica, José Aníbal avalia que Lula começa um governo debruçado sobre um “esforço fiscal” de entregar promessas de campanha como o Bolsa Família e o aumento real do salário mínimo, além da preocupação com o controle da inflação e da necessidade de “conciliação” com setores. Com a PEC da Transição aprovada, o rombo estimado para o próximo ano é de cerca de 231,5 bilhões de reais no Orçamento.

“Há essa preocupação com ajuste fiscal e ele está tentando mostrar o que vai ser feito. O governo vai ter um tempo, embora não muito longo, para isso. Tem que ter um cuidado enorme, porque se crescer a inflação, a política de auxílios sociais vai para o ralo, a inflação come (…). E até em política de atrair setores do empresariado, do dito mercado, que ainda estão saudosos do que tivemos nesses quatro anos. São setores que são conservadores, mas não são reacionários, eles respeitam a Constituição”, diz o tucano.

No campo das reformas, Aníbal avalia que a tributária, já em tramitação no Congresso, é a mais viável de ser concluída no início de mandato, algo que deverá ser crucial para alavancar recursos — ao passo que simplifica o custo da gestão tributária das empresas, podendo melhorar a arrecadação.

Outro ponto levantado pelo tucano é o avanço sobre os benefícios fiscais, fonte de “perda de arrecadação” do governo e considerado um tema espinhoso por políticos em mandato, sobretudo por envolver setores com lobbies poderosos. Aníbal é autor de um projeto, pronto para ser votado no Senado, que determina a revisão obrigatória anual dos incentivos.

“O Brasil tem 4,2% do PIB, ou seja, quase 400 bilhões de reais, em incentivos, que são impostos que o governo deixa de arrecadar. Esses benefícios são dados para promover produtividade, competitividade, emprego, e nunca são analisados. Pessoalmente, acho que tem que cortar pela metade, de forma linear. Levantar 200 bilhões de reais resolvem todos os problemas de programas sociais”, afirma. 

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